Parrainage

Uma das primeiras coisas que fizemos quando chegamos aqui foi preencher uma ficha de parrainage, algo como apadrinhamento. Os padrinhos são alunos do segundo ano que devem nos orientar quando tivermos dúvidas quanto ao funcionamento da escola. Na ficha devíamos fornecer uma miríade de informações pessoais que seriam úteis para traçar nosso perfil e escolher o melhor padrinho para nós. Entre elas: qual o apreço pela música e pelas artes, quais clubes deseja participar, quais esportes deseja praticar e qual a aparência que deseja que o padrinho tenha (as opções eram Brad Pitt, Marlon Brando, Angelina Jolie, uma vaca leiteira e um nerd).

Os estudantes franceses fizeram o mesmo quando chegaram e, de posse das fichas, o Bureau des Éleves (BDE) determinou quais eram os pares de padrinho-afilhado. Hoje foi a cerimônia de apadrinhamento, acabei de voltar de lá. Não tinha certeza de como seria, mas achava que haveria um quadro com os nossos nomes e o nome dos respectivos padrinhos do lado. Ledo engano, era muito mais difícil do que isso, e muito mais inteligente e engraçado também.

No fundo do salão havia grupos de objetos separados pelas iniciais de nossos sobrenomes. Cada novato devia ir ao grupo de objetos que correspondia ao seu sobrenome e procurar um objeto identificado com o nome. É aí que começou a brincadeira, cada novato tinha que procurar o seu padrinho, que é a pessoa que deixou seu objeto lá. O negócio é chegar nos veteranos e sair perguntando se ele é seu padrinho e mostrar o objeto. Caso ele não conheça, você pode perguntar se ele tem idéia de quem seja. Raramente eles dão respostas diretas, é como uma caça ao tesouro. O mais interessante de tudo é que os veteranos também não sabem quem são seus afilhados e ficam lá esperando os calouros chegarem para conversar. O objeto funciona como uma senha para possibilitar o encontro. Nessa história a gente termina falando com um milhão de pessoas e fazendo amizade.

Os objetos eram os mais variados possíveis. Alguns que eu me lembro são: um copo, uma carta de baralho, uma lata de bolas de tênis, uma bacia, um bastão de hóquei, uma batata, um pepino, uma coroa, um travesseiro, vários tipos de chapéus e vestimentas. Alguns deviam ser devolvidos, outros eram um presente. O meu objeto era um ratinho cinza de pelúcia, muito simpático por sinal, e que agora me fita com um olhar meio vesgo do alto da minha estante. Eu soube de imediato que o meu padrinho ou madrinha era alguém do Bureau des Arts (BDA), pois o seu mascote é um rato. Os membros do BDA usam camisas gola polo cor-de-rosa e toda vez que eu perguntava para algum deles se era meu padrinho, a pessoa falava que não e me aconselhava a procurar alguém com camisa polo cor-de-rosa. Ninguém me dava uma característica física, algo palpável. Após algumas perguntas eu descobri que era um cara. E depois de muito andar uma menina do BDA fantasiada de vaca me disse que o meu padrinho estava usando uma bermuda de quadriculada e que tinha uma barbicha. Daí eu o encontrei. Ele estava de polo rosa, mas admitiu que havia tirado a camisa pra dificultar minha vida. Quando ele viu que estava ficando muito difícil a colocou de novo. De fato havia algum tipo de relação entre mim e ele. Foi fácil perceber que tentaram nos aproximar através do esporte. Ele praticou remo e atualmente pratica vela e na minha ficha pus que o remo era minha primeira opção e que a vela era a segunda.

Achei uma tradição realmente inteligente. Pena que esse tipo de coisa não acontece no Centro de Tecnologia da UFC. Acredito que uma das características que tornam uma instituição de ensino forte seja o elo que os estudantes criam entre si. Esse elo afetivo se estende à escola, pois ela foi o ambiente onde os laços foram criados.

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