A burocracia de retorno

Uma vez eu escrevi sobre a burocracia de partida, todo o protocolo a ser seguido quando chegamos no nosso destino na França. Este é um texto prático e análogo ao primeiro, mas trata das burocracias de volta ao Brasil. Como todos já estão familiarizados com a burocracia brasileira - ou assim eu imagino - então trata-se muito mais de um pequeno lembrete do que de um guia de fato. Entretanto, vale a pena lembrar-se.


Justificação de ausência em eleição

Fundamental para todos o que querem fazer concurso público, pois uma ausência não justificada nas eleições possui caráter eliminatório nas inscrições de qualquer concurso. O procedimento é extremamente simples. A justificativa deve ser feita até 60 dias após as eleições, todavia para residentes no exterior esse prazo passa a contar a partir da data de regresso, então fiquem de olho vivo para não perderem o prazo.

Mesmo que você tenha perdido a data limite, ainda assim é possível regularizar a situação sem problemas pagando uma multa. O valor é bem baixo. Mais informações no site do TRE-SP.


Exercício de apresentação da reserva

Após o alistamento e a apresentação ao serviço militar, os reservistas são obrigados a realizar o exercício de apresentação da reserva durante cinco anos. Ele consiste em apresentar-se anualmente do dia 9 ao dia 16 de dezembro na sua Organização Militar (OM) para carimbar o certificado de reservista.

Isso também é extremamente importante para aqueles que pretendem prestar concursos públicos, já que a quitação das obrigações militares é pré-requisito para todos os homens que desejam realizar concursos. Segundo o site FAQ do Exército (questão 17), reservistas no exterior devem se apresentar na mesma data em uma Repartição Consular do país de residência. Eu não me apresentei em nenhum consulado e ainda não regularizei minha situação, pois ainda me faltam dois carimbos, mas acredito que ela possa ser regularizada mediante pagamento de multa.


Renovação de carteira de motorista

Esse é provavelmente o caso de muitos intercambistas. Ao completar 18 ou 19 anos, durante o primeiro ano de faculdade ou último ano de colégio/cursinho muitos fizeram os exames para a carteira de habilitação, cuja validade é de cinco anos. Esse período expira mais ou menos na data do nosso retorno. Minha carteira estava vencida há 10 dias quando cheguei.

O procedimento de renovação é bem simples e está descrito no site do DETRAN-CE. O procedimento para outros estados deve ser análogo, acredito eu. Os documentos necessários são:
  • Fotocópia do RG
  • Fotocópia do CPF
  • Fotocópia de um comprovante de residência datando de menos de 90 dias (lembrem-se desse prazo!)
  • Comprovante de pagamento da taxa. Esse valor para mim foi de R$102,08 e pode ser pago em qualquer agência do Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Casas lotéricas.



Reabertura de conta bancária

Alguns devem ter fechado suas contas bancárias brasileiras durante os dois anos de intercâmbio para evitar o pagamento de taxas ou por qualquer outra razão. Eu mantive minha conta aberta, pois era por ela que eu recebia minha bolsa do Banco do Nordeste. Ainda que ela não tivesse essa serventia, eu a teria mantido aberta do mesmo jeito para ganhar mais tempo como cliente do banco e, portanto, mais benefícios. 

Para aqueles que fecharam suas contas, lembrem-se de abrir uma nova conta. Se por ventura vocês desejam abrir no mesmo banco que antes, procurem informa-se se é possível resgatar os privilégios que vocês possuíam no momento do fechamento da conta antiga, ou quem sabe, resgatar a própria conta. O tempo de cliente é o principal indicador de confiança que os bancos têm das pessoas físicas. É ele que define os valores de cheque especial, limite de cartão de crédito e juros de empréstimos.


Declaração de imposto de renda

Muitos de nós fomos declarados como dependentes de nossos pais para a Receita Federal. Essa regalia aplica-se em casos bem específicos. Nós nos enquadramos predominantemente no caso de estudantes universitários com menos de 24 anos, o que justifica a dependência. No meu caso, e no de alguns outros poucos intercambistas, retornei ao Brasil com mais de 24 anos e terei que declarar meus impostos no ano que vem por minha conta. Aqui vai uma breve lista dos casos de dependência e que eu encontrei neste site:

1-       Companheiro (a) com quem o contribuinte tenha filho ou viva há mais de 5 anos, ou cônjuge;
2-       Filho (a) ou enteado (a) até 21 anos de idade, ou, em qualquer idade, quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
3-       Filho (a) ou enteado(a) universitário ou cursando escola técina de segundo grau, até 24 anos ;
4-       Irmão (ã), neto (a) ou bisneto(a), sem arrimo dos pais, de quem o contribuinte detenha a guarda judicial, até 21 anos, ou em qualquer idade, quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
5-       Irmão (ã), neto (a) ou bisneto (a), sem arrimo dos pais, com idade de 21 anos até 24 anos, se ainda estiver cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, desde que o contribuinte tenha detido sua guarda judicial até os 21 anos;
6-       Pais, avós e bisavós que, em 2007, tenham recebido rendimentos , tributáveis ou não, até R$ 14.992,32;
7-       Menor pobre até 21 anos que o contribuinte crie e eduque e de quem detenha a guarda judicial;
8-       Pessoa absolutamente incapaz, da qual o contribuinte seja tutor ou curador.


Para todos os efeitos isso é algo que só vai influenciar o ano seguinte ao ano de retorno e não é uma preocupação imediata, mas não custa nada lembrar-

O processo de readaptação

Este texto abre um novo marcador do blog, o guia de veterano. Ele provavelmente conterá poucos textos (talvez apenas este), mas deve ser útil para aqueles que voltaram de programas de intercâmbio. Não que eu vá dar a solução dos seus problemas - seu eu desse, eu cobraria por isso, ora! - mas talvez ajude o leitor com dor de cotovelo dos seus tempos dourados na Zoropa a entender o que está passando na sua cabecinha ainda atordoada pela diferença de fuso horário.


A depressão pós-intercâmbio existe...

... mas não é nenhum bicho papão e uma hora, cedo ou tarde, acaba. Talvez por isso eu tenha demorado tanto para escrever este texto, que eu já planejava desde antes de partir da França, pois eu queria publicar minhas impressões apenas depois que eu tivesse mais segurança de que eu já havia superado esse processo. Acho que é chegado o momento.

É verdade que a volta pro Brasil é desconcertante e pode ter N razões diferentes, então vou tratar aqui apenas do que valeu pra mim. Eu acreditava que chegaria aqui desacostumado com os hábitos, com a rotina, com as pessoas, que eu seria um estranho no ninho e viveria uma constante sensação de não mais pertencer a essa realidade, além de soltar expressões em francês a torto e a direito. Equivoquei-me. A impressão geral é de que eu nunca saí daqui. Tudo me parece banal, do ônibus ao supermercado.

O desconforto então não foi causado por uma readaptação aos costumes brasileiros, mas à perda de algumas coisas que me eram muito caras. A principal foi o conceito de casa. Eu já reparara antes, quando voltei ao Brasil durante as férias, que eu chamava meu apartamento em Nantes de casa com muito mais facilidade do que este apartamento onde eu vivi durante vinte anos. Eu senti de imediato o incômodo de não poder organizar a casa da forma como eu gosto, não pode trazer visitas ou fazer refeições para os amigos, cosias que tinham se tornado tão naturais para mim em Nantes. Acho que esse foi o aspecto mais perturbador e o que me levou a cogitar durante um bom tempo a arrumar um emprego para me mudar para outro lugar sozinho ou com um amigo. A ideia continua, mas não com a urgência que havia antes e sim com a intenção de resgatar o que houve de bom da experiência de morar sozinho e com amigos.

Outro fator de tensão muito grande foi o fato de eu ter voltado cedo - fui o primeiro brasileiro da minha turma a voltar por conta de decisões e imposições desatinadas do coordenador do programa na minha universidade. Meus amigos estão todos na França ainda, fazendo um estágio mais longo, aproveitando esse último semestre na Europa enquanto eu fui obrigado a voltar pro Brasil e recuperar cinco semanas de aula. A primeira atividade que eu fiz na universidade foi uma prova da disciplina mais difícil do semestre. A terceira foi outra prova. Não bastasse todo o alvoroço típico da vida maso-acadêmica de um estudante de engenharia -  potencializada por cinco semanas de aulas perdidas -  eu ainda estou às voltas com toda a burocracia para a validação das disciplinas que eu fiz na França e que me permitirá diplomar-me antes de completar uma década de universidade.


A influência do clima

Eu me queixava muito do clima na Europa. Da escuridão invernal, do céu sempiternamente cinza, do frio... Costumava dizer que isso era um dos principais motivos para a minha depressão e desmotivação, que - vejam só - eram sempre mais intensas no outono e no inverno.

Eu não estava errado. Nos primeiros dias eu vivi um período de disposição intensa, acordava-me naturalmente às 6h00 e ia com toda a disposição do mundo para a universidade. Tentei ver isso com imparcialidade, julgando talvez ser um jet lag positivo. Agora posso afirmar sem dúvida alguma que o clima do Ceará - ensolarado e mais quente que o inferno em dia de pane de ar-condicionado - é fundamental para o meu corpo. Mesmo, apesar da volta da preguiça e dos três toques seguidos no botão Soneca do despertador, eu vejo que meu rendimento médio é muito superior ao que eu apresentava na França.


A aceitação da tatuagem


Vamos falar de um assunto polêmico, a tatuagem. Isso agora é assunto de readaptação dos outros a mim. Eu achava que meus pais iam ficar horrorizados, mas aparentemente tudo se passou bem. Meu pai, que eu acharia que estaria me esperando no aeroporto com um facão pra arrancar-me o braço, ficou olhando o desenho, fez um comentário aqui e ali e só. Minha mãe soltou um "é linda, mas grande demais". Ok, better than expected.

Na universidade tudo se passou bem. Via de regra aceitação positiva e entusiasmada dos meus colegas. Os dois professores que eu mais respeito no meu curso, meu orientador e a antiga orientadora dele, não ligaram e minha imagem para eles não foi prejudicada. Um outro professor fez alguns comentários jocosos mas num clima amistoso. Um quarto professor não fala nada, mas não consegue esconder os olhares enviesados de choque.


Mudanças são inevitáveis

A despeito do que eu disse antes, que a sensação é de que eu nunca deixei o Ceará, é evidente que mudanças acontecem. Lógico que tais mudanças são menos perceptíveis para os que voltaram, mas elas são visíveis ao menor olhar daqueles que ficaram. A maior parte é anedota pura: elas não têm importância, mas vale a pena falar delas.

A primeira diz respeito ao consumo de água. Na França quando você quer água basta colocar um copo debaixo da torneira e mandar ver. Eu tinha o hábito de tomar água após escovar os dentes, lavar as mãos ou durante o banho, de tal forma que beber um copo com água virou um hábito obsoleto. Como a água era da torneira eu só poderia tomar quente ou natural. Eu surpreendi minha mãe nos primeiros dias ao pegar o copo e beber água saída direto do filtro, sem refrigeração alguma.

A segunda também surpreendeu um pouco meus pais na cozinha. O meu paladar se tornou menos tolerante a açúcar e eu tenho uma vaga ideia da razão. Quando eu acordava atrasado para o estágio eu costumava tomar café da manhã no caminho, num McDonald's na estação de La Defense. Manobrar dois croissants, um copo de café e ainda colocar e dissolver açúcar era uma tarefa complicada, de tal modo que eu aboli o ato de adoçar o café para ganhar tempo e diminuir o risco de queimaduras enquanto corria com meu café da manhã nas mãos. Ao fim de duas semanas eu simplesmente não conseguia mais suportar café com açúcar e essa mudança no paladar se propagou para outros alimentos e bebidas.

Ainda sobre paladar... Meu pai costumava me recriminar por eu não gostar de vinho. Esse sermão era praxe todo fim de ano, quando ele me obrigava a tomar pelo menos um gole de vinho e/ou espumante durante as celebrações. Lembro-me que tive a impressão de que para ele o fato de eu ir para a França, onde provavelmente eu aprenderia a apreciar vinhos, era mais importante do que o diploma ou todo o resto. Existe uma discussão célebre que tive com meu pai há muitos anos atrás quando ele me ofereceu um cálice de vinho madeira seco (R$22,90 o litro) que tinha sido presenteado por uma amiga portuguesa e eu disse que preferia vinho Padre Cícero (R$9,00 por cinco litros). Eu de fato voltei com o paladar mais apurado para vinhos e já tive o prazer de tomar um tinto chileno excelente. E tive o "prazer" de tomar um vinho sangue-de-boi novamente e me perguntar como é que eu conseguia gostar daquele troço! Não me julguem pedante por este parágrafo, por favor.

Minha família diz que eu voltei mais cuca-fresca, menos estressado, mais maduro. Isso é bom, talvez seja verdade. Talvez eu realmente tenha alcançado um estado de maior serenidade, de levar a vida com um pouco mais de humor e isso me faz um bem danado. Meus colegas não perdem a oportunidade de que eu voltei gay, segundo uns, ou mais gay, segundo outros. Essa é a desvantagem de ir para a França, a associação é imediata, portanto prefiram intercâmbios na Alemanha e vocês serão considerados mais machos ao voltar. 


O significado da tatuagem

Eu atrasei deliberadamente a publicação deste texto, mas nunca me passou pela pela cabeça deixar de escrevê-lo. Eu cheguei mesmo a prometer um texto sobre minha tatuagem no post da ressurreição do blog. Entretanto, eu deixei para escrever sobre isso agora que todos já a viram, já comentaram, já aprovaram entusiasdamente ou já desaprovaram categoricamente. Em suma, publico agora porque não vai mais causar bafafá.


Por que uma tatuagem?

Não sou nenhum fã especial da arte corporal. Não mais do que qualquer outra arte. E nem menos também. Sempre admirei e desde 2005 sempre quis ter uma, mas nunca encarei isso como um modo de vida, a despeito de (e com respeito a) todos os que vêem dessa forma. Entretanto, acho que uma tatuagem deve transcender a questão estética. É patético marcar o corpo permanentemente com algo que você apenas julga bonito. A nossa noção de belo evolui com o tempo e o que outrora parecia belo não é mais. Por isso queria algo que tivesse significado e um significado forte, não um simples blá blá pra justificar.

Eu estava decidido a voltar da França com uma tatuagem, mas não compartilhei isso com ninguém. Eu finalmente alcançara a maturidade que eu julgava necessária para fazer uma (e a coragem também). Agora só faltava o desenho. Inicialmente eu queria algo que representasse meu intercâmbio e todo o valor que ele pode ter na vida de um jovem de vinte e poucos anos. Ou algo que representasse o local onde eu morei durante esse tempo.


A primeira idéia
 
Sou fã da estética celta, dos nós, das cruzes e sobretudos dos trisqueles e triquetas. Coincidentemente eu fui enviado para uma cidade com uma herança céltica ainda forte. Nantes, como já disse várias vezes antes, está inserida culturalmente, embora não mais geograficamente, na região da Bretanha, o berço de uma das seis nações célticas. Portanto, pareceu-me bem natural tatuar um símbolo celta. Pensei no trisquele, pois acho o seu significado muito rico e também o acho um símbolo muito bonito. Pensei em tatuá-lo no centro das costas.
O trisquele

Apesar de tudo isso, não acho que o significado do símbolo fosse forte o suficiente para eu gravá-lo no meu corpo. Eu senti que eu deveria continuar procurando outro motivo para desenhar.
Os faróis

Quando eu era pequeno, pequeno o suficiente para eu não ter nem idéia de quando isso aconteceu, eu vim uma foto que mexeu um bocado comigo. Ela estava à venda numa loja de decoração com temática naútica que existia num shopping bem conhecido aqui de Fortaleza. Aqui está ela:

Se ponham no lugar de um moleque de seis anos ou menos e tentem imaginar com que olhos eu vi isso. Uma onda gigantesca contornando a base de um farol e prestes a engolir o guardião que desavisadamente posta-se do lado oposto. Se você me permite um curto de momento de divagação agora (um mais longo virá, prepare-se) as informações que eu tirei dessa foto devem ter sido:
  • Os homens são frágeis e não são nada se comparados com as forças da natureza.
  • Faróis são algo resistente pra caramba!

E eu devo ter esquecido isso logo em seguida, pois mais nada na minha infância me dá pistas a respeito da minha relação com faróis. Muitos anos passaram e eu ingressei na Escola Naval. Lembro-me bem que tivemos no fim do ano aulas sobre sinais e balizas e que um dos assuntos foram os faróis. Descobri então que cada farol é único, que dois faróis não compartilham o mesmo padrão de luzes, o mesmo sinal de rádio, a mesma geometria da torre e nem a mesma pintura. Cada um tem sua "impressão digital". Um dos nossos livros era a lista de faróis da costa brasileira, que eu lia com atenção durante as aulas de Navegação. Em algumas vezes em que fui à bibilioteca, além dos livros de aviação e os livros de fotografia de grandes veleiros, eu me peguei olhando fotos de faróis.

Uma das lembranças mais nítidas que eu tenho desse ano foi o regresso do meu embarque na fragata F45 União. Tínhamos ido ao porto de Vitória no Espírito Santo e estávamos então nos preparando para entrar na Baía de Guanabara. Era um fim de tarde de outubro (isso não tem nada a ver com música do CPM 22) e o sol havia se posto há pouco tempo. Passávamos então ao lado do farol da Ilha Rasa, uma torre quadrada, branca e de arquitetura ibérica. E essa imagem nunca saiu da minha cabeça. Foi aí que eu descobri essa paixão pelos faróis.

Já como civil eu continuei cultivando essa paixão. Olhava fotos na internet e numa dessas ocasiões achei a bendita foto da minha infância. Ela foi tirada por um fotógrafo francês chamado Jean Guichard. Ele é bretão e as fotos mais conhecidas dele são - advinhem - de faróis bretões. É claro que tudo isso eu ignorava completamente e só fui descobrir na época em que eu me candidatava para o Duplo Diploma e já via Nantes como um objetivo, e não uma possibilidade. E foi nessa época que eu descobri a herança cultural bretã da cidade.


O significado, finalmente
Por mais estranho que pareça os faróis nunca me vieram à cabeça quando eu pensava na tatuagem. Eu já possuía um livro de faróis da costa Atlântica da Europa na estante, uma foto do Ar-men pendurada há mais de um ano sobre a minha cama e fotos de faróis que me serviam de papel de parede no computador. Ironicamente a relação entre os faróis e a tatuagem me fugia continuamente. Foi de repente que eu me lembrei de tudo isso e percebi que além de ser algo de que eu gostava profundamente, era também algo rico de significado.

Eu aprecio bastante a estética da tatuagem japonesa, embora não seja lá muito atraído pelos significados da maior parte delas. Eu procurei um tatuador de Nantes cujo trabalho em tatuagens orientais me agradasse e lhe pedi um "farol em estilo japonês". Discutimos a tatuagem e quais elementos colocaríamos junto com o farol. E o resultado - após duas sessões de quatro horas realizadas em março e abril, um bocado de dor e muitos euros a menos - foi o seguinte:


Tem um pouco de photoshop para aumentar o contraste e melhorar a compreensão do desenho

Eu convido vocês a lerem novamente o texto sobre a ressurreição do blog. Existe uma parte dele - entitulada Três coisas a lembrar - em que eu falo sobre minha visão pessoal do mundo. Os elementos da tatuagem têm uma relação direta com cada um desses pontos. Elas também são dispostas de uma maneira lógica: o elemento mais visível sob a manga da camiseta corresponde ao ponto mais genérico, enquanto que o mais escondido (e mais pessoal) representa a idéia mais profunda.

  • A mensagem na garrafa - Ter uma vida plena de histórias para contar: Nossas histórias são as mensagens que colocamos nas garrafas e atiramos ao mar.
  • O barco - A vida é feita de encontros: Mas os encontros só acontecem se nos lançarmos ao mundo, representado pelo mar, e acharmos outras terras e pessoas (barcos).
  • O farol - Alegria e felicidade não são a mesma coisa: A estabilidade do farol vai ao encontro das idéias de que a felicidade corresponde a um estado de equilíbrio, e não alegria.
Esse é o significado do panorama geral, dos elementos escolhidos e da maneira em que eles se relacionam. Entretanto, eu gostaria de divagar um pouquinho mais sobre o papel do farol nessa história toda.

Faróis são construções robustas, que aguentam provações fortes. Eles permanecem de pé apesar da fúria dos elementos ao redor e ainda assim são capazes de lançar uma luz sobre os problemas e sugerir um caminho a seguir. Essa é a imagem que muita gente faz de mim sabe-se lá por qual razão. Ela talvez tenha sido verdadeira (ou quase) por um bom tempo, mas durante os últimos anos eu fui bem menos "farol" do que eu gostaria de ter sido.

Essa é uma qualidade que eu gostaria de resgatar. Mais do que isso, é uma qualidade que eu gostaria de perenizar e não perder mais. Se as pessoas que me conhecem esperam segurança, confiança, tranquilidade e solidez de mim e eu gosto de oferecer isso, por que não gravar um lembrete para que sempre que eu me afaste desse caminho eu tenha como retornar?

Já ouvi várias pessoas dizendo que não é aconselhável tatuar-se em um lugar que seja visível no espelho para não enjoar do desenho. Porém, eu decidi mudar o local da tatuagem das costas para o braço. Eu sei que um dia eu me cansarei do desenho, que ele desbotará e tudo o mais, mas eu quero todo dia me lembrar de todo esse significado e manter essa atitude que me é tão cara.

Além disso, o braço direito é o braço que eu estendo para apertar a mão de uma pessoa e é também o membro com que eu toco o ombro de uma pessoa quando dou os "dois beijinhos". Ao fazer isso eu me obrigo a lembrar que junto com o braço estou oferecendo à pessoa um símbolo de segurança e tranquilidade e me obrigo a agir assim. No trabalho ou na vida pessoal, com o desenho coberto pela manga da camisa ou exposto ao sol, como profissional ou como amigo ou como amante, cada vez que eu estendo o meu braço eu ofereço junto segurança e tranquilidade. Todos os dias então, a cada aperto de mão ou beijo,  eu tenho um sem fim de oportunidades de me lembrar do que eu sou, do que espero deste mundo e do que eu espero que eu seja e lembro-me de agir conforme a esse pensamento.

O último blues

O blues é um estilo musical oriundo de ritmos dos grupos americanos de origem americana do sul dos Estados Unidos, sobretudo a Louisiana, uma antiga colônia francesa na América. O termo blues é bastante significativo e eu coloco aqui em seguida a definição que eu encontrei na wikipedia:

The term "the blues" refers to the "blue devils", meaning melancholy and sadness

Melancolia e tristeza. O significado de certa forma combina com os assuntos predominantes do blues: o álcool, as mulheres e o próprio ato de compor e tocar o blues.

Sou fã incondicional do estilo, do minimalismo que é capaz de transformar uma escala de cinco notas em algo tão rico de expressão e sentimento. Não nego que desde que comecei a tocar guitarra um dos meus maiores prazer é devanear, improvisar sobre uma harmonia blues por minutos a fio.

Quando cheguei em Nantes na tarde de 26 de agosto de 2009, se eu me lembro bem, eu encontrei a cidade fervilhando com um festival de música e desportos náuticos. Nos inúmeros palcos espalhados às margens do rio artistas destilavam o melhor do jazz da região e de alhures. Eu rapidamente elegi meu palco preferido: o palco blues. Passei dois ou três dias orbitando ao redor daquele palco, um copo de cerveja barata na mão, nas pontas dos pés sobre os trilhos do bonde. Acho difícil imaginar um começo melhor para o meu intercâmbio. 

Aquilo me impressionou de tal maneira que eu decidi que estaria presente na edição seguinte e, como não poderia deixar de ser, assistiria aos shows do mesmo palco. Modifiquei as datas da minha viagem para poder comparecer ao festival. Mais uma vez saí de lá com uma boa dose de boas lembranças, a maior parte delas ao lado de pessoas queridas. Lembranças com gosto de cerveja e gosto de algodão doce e nutella. Lembranças quentes como as chuvas de verão que molharam a cidade durante o festival mas não me fizeram arredar pé dali.

Por mim eu assistiria mais uma vez o festival antes de deixar a França. Julguei que, tal qual as duas edições anteriores, ele se desenrolaria no último fim de semana de agosto. Mas nesse período fui ver o Roger, um dos grandes amigos que fiz ao longo desses dois anos, em Toulouse. Foi com certa tristeza que eu pensei no festival e como eu perdera a possibilidade de estar lá uma terceira vez.

No meu último fim de semana na França eu fui a Nantes para encontrar uma parte dos amigos que fiz por lá: meus irmãos adotivos, meus bixos, alguns dos meus colegas de turma brasileiros e franceses. Encontrei também os bixos dos meus bixos, uma quinzena de jovens tão deslumbrados e eufóricos quanto eu quando estava no lugar deles. Estes eu não convivi por mais do que três dias, mas deixaram um misto de saudade e, por que não, blues justo por saber que o tempo de convivência não passaria disso.

Ao chegar em Nantes eu tive uma ótima surpresa. Diferente do que eu pensava o festival neste ano aconteceu no primeiro fim de semana de setembro. Ali estava minha chance de assistir à minha terceira edição do festival e eu agarrei-a. Foi delicioso relembrar...

  • As primeiras palavras em francês, desajeitadas e tímidas, trocadas com os ambulantes.
  • A degustação dos quitutes senegaleses cujos ingredientes e métodos de fabricação (felizmente) só fui conhecer muito depois. Muitos deles eu ainda desconheço, para ser sincero.
  • A surpresa que tudo e qualquer coisa me causava, do horário do pôr-do-sol às placas de trânsito.
  • Os cheiros e sabores.
  • A música.
Tal como um ciclo, meu intercâmbio terminou como começou. Isso não significa que o início e o fim foram iguais. Um acorde que inicia e termina a mesma música deixa duas impressões bem distintas em quem o ouve.

Esse foi meu último blues na França. Talvez não o derradeiro, pois nunca se sabe. A música não parou, existem outras coisas serem contadas. Este blog começou antes mesmo de eu viajar para a França, contando alguns dos meus perrengues com o financiamento. Acho natural que ele tenha continuação depois que eu volte, afinal o processo de radaptação faz parte da experiência e me sinto no dever de contá-lo.

Estamos saindo da fase do "Nantes tarde do que nunca" para a do "Ceará que eu vou me acostumar?". Não, o blog não vai mudar de nome! Mas nesta nova fase os questionamentos e os relatos vão ser ligeiramente diferentes.

Competências para viver na França

Aqui vai um pequeno sumario das habilidades e competências que eu acho fudnamentais para viver na França como estudante pé rapado e boêmio:

1) Abrir uma garrafa de vinho com um sapato
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ZuGfjtBffiE

Técnica testada, validada e aprovada no churrasco de sabado. Resultados muito bons.



2) Abrir uma garrafa de cerveja com QUALQUER coisa que estiver à sua mao
http://www.youtube.com/watch?v=UZNduJ4epl8&feature=related



3) Saiba cozinhar o minimo necessario. Se você é da turma que ano sabe sequer fritar um ovo, que tal começar aprenendo a fazer macarrao?
http://lifehacker.com/5805897/how-to-cook-pasta-correctly



4) Entenda onde você esta e com quem você se relaciona, principalmente se essas pessoas sao frenceses!
http://understandfrance.org/

Nao é facil, mas a gente tenta.




Temporada das despedidas

Nesta semana eu completarei dois anos vivendo aqui. E esta data anuncia também meus dez últimos dias deste lado do Atlântico. É muito complicado não viver com o contador regressivo ligado e uma infinidade de frases no condicional passado como "se eu tivesse..." ou "se houvesse..." se formam e desfilam na minha cabeça.

No último mês estive em várias despedidas de outros estudantes, a maior parte deles colegas de amigos meus e com quem eu jamais cheguei a ter muita proximidade. Confesso que achava a reação, o pranto e a efusividade exagerados e achava que quando chegasse minha vez seria diferente. Foi então que ja mais de uma semana atrás eu passei meus últimos dias com a Ju. O baque foi significantemente maior. Difícil me separar de alguém com quem eu forjei uma amizade tão grande, que floresceu no calor infernal do verão parisiense e que se fortificou com as dores do inverno. Vi-me acompanhando-a ao trem que a levaria ao aeroporto e no último instante eu ajudei-a a pôr as malas no trem, mas fiquei na plataforma. Eu sabia que se eu fosse até o terminal de embarque com ela eu choraria. Fugi covardemente do pranto, queria nos proteger de ver um ao outro chorando e gravar isso como última lembrança nossa em Paris, justo nós que explodíamos em riso tão facilmente.

Mas há três dias atrás não teve mais como fugir. Fui a um bar encontrar a Luana, uma amiga da Ju que ao longo deste verão tornou-se ela também uma amiga incrível. Com um sorrisão aberto e um bom humor a toda prova, ela entrou meteoricamente no grupo de pessoas que fizeram este intercâmbio valer a pena. Ela viajaria no dia seguinte a turismo e chegará em Paris no dia em que chego em Fortaleza. Era, portanto, nossa última oportunidade de nos vermos. A soirée começou e se desnrolou como habitualmente, mas a razão de estarmos ali falou mais alto no fim. Passamos uns trinta minutos nos avraçando e chorando um no ombro do outro. Nos despedíamos e voltávamos a nos abraçar logo em seguida para mais pranto e juras de amizade eterna.

Se existe algo que este intercâmbio me ensinou é que eu não sou feiro de pedra. Acreditem, eu pensava antes que eu era... Pensaca que era um cara resistente, vivido, fleumático. Não, não sou. Se levarmos em conta apenas esta temporada de despedidas eu devo ser mais um boneco do papel do que o soldadinho de chumbo que eu pensava ser. Como sempre, eu tento racionalizar, tentar entender a origem das minhas angústias. Ao longo destes dois anos eu fiz muitos amigos, sobretudo vindos da USP e da Unicamp. Eu cheguei "sozinho", o único cearense e estudante da UFC na minha turma de Duplo Diploma. Acho que minha dor é saver que voltarei igualmente "sozinho" e serei separado por no mínimo 2700 km de Brasil dos meus bons amigos daqui. Eu não terei o consolo de poder atravessar um corredor ou simplesmente trocar de sala de aula para encontrar alguém e reviver numa conversa as memórias compartilhadas do intercâmbio. Meus coelgas da UFC que fizeram parte da minha trajetória aui já se formaram e neste momento correm atrás de começar suas carreiras.

Escrevo estas linhas sobre um banco da estação de trem do aeroporto Charles de Gaulle, onde espero para ver meus pais adotivos uma última vez. Eles partem a turismo para a China em poucas horas e esta é minha última oportunidade de vê-los. Espero poder dizer que eles foram para mim uma família de fato e o quanto isso representou. Estqs linhas são escritas com os olhos ainda inchados das lágrimas de ontem à noite, quando encontrei talvez pela última vez alguns colegas de Nantes que me acompanharam durante esses dois anos: Adrian, Igor, Luisa, Rodrigo, Vladimir. Estavam lá também colegas de outras cidades que também deixarão saudades: o Fredão e o Jóia. Sinto-me encabulado por ter chorado tanto ontem no bar e publicamente, transformando a comemoração do aniversário do Adrian em dramalhão mexicano. Tal qual a despedida da Luana, fui expulso do bar pelo segurança. Afinal, é mais fácil acreditar que eu não passo de um bêbado chorão do que aceitar que eu choro por uma tristeza genuína...

Encontrei muita gnete especial aqui. Digo agora àqueles que me viram chorar, algo tão raro, que se eu me permiti chorar diante deles é porque eles fazem parte desse elenco de pessoas especiais.

O trem dos meus "pais" chega em 10 minutos. Dobro a folha de papel ao maço que acabo de preencher completamente com este texto e guardo na mochila. Preparo-me pra outra despedida. Agradeço intimamente por ser feito de papel, e não de pedra. A pedra é perene, mas difícil de gravar, enquanto que o papel é a matéria mais adequada para a escrita e o registro da memória. No final das contas já não consigo dizer se sou eu que traço as linhas em uma folha ou se sou eu o papel onde a vida traça suas próprias linhas.


Os post-its de La Défense

Antes de começar a ler o texto, eu lhe convido a assistir esses vídeos.

http://www.youtube.com/watch?v=qybUFnY7Y8w
http://www.youtube.com/watch?v=vjqIJW_Qr3c&feature=related

O que eles têm em comum? É fácil descobrir ao primeiro olhar: são reações em cadeia. Esse tipo de fenômeno nos fascina e isso é inegável. Quantas vezes nós não ficamos boquiabertos ao ver a queda de uma única peça de dominó desencadear um espetáculo de proporções gigantescas? Ou mesmo a beleza e a espontaneidade de uma ahola num estádio de futebol. Não esqueçamos também que a fissão nuclear é uma reaçao em cadeia também. Todas elas começam de uma maneira simples: uma peça de domino que cai, um torcedor que se levanta, um neutron que se ejeta de um núcleo.


A França passa por um verão modorrento. O mês de julho foi marcado por temperaturas e chuvas outonais e o céu esteve permanentemente ocultado por um manto cinza. Os dois primeiros dias de agosto forma promissores, quentes e claros, mas o clima logo degringolou e cá estamos mais uma vez amargando um outono prematuro. Apesar de tudo, ainda é o verão e as pessoas saem de férias. As escolas estao fechadas e os escritórios estão com ar de cidade fantasma.

De certa forma esse clima triste combina com La Défense: segundo maior distrito empresarial da Europa, um bloco de concreto em formato de pêra, atravessado por um sem-fim de túneis e vias expressas e onde espigões de vidro e aço sobem vertiginosamente a alturas impossíveis. Poucos lugares no mundo representam com tamanha perfeição as contradições da vida moderna. Um local onde o destino de bilhões e bilhões de euros oriundos da iniciativa pública e privada são decididos... Um local onde todos os dias meio milhão de pessoas se cruzam como em um formigueiro ... A maior parte delas chega confinadas como sardinhas em trens subterrâneos, isoladas do mundo graças aos fones de ouvido ou com a cara enfiada em um livro. Tantas pessoas, tantos encontros possíveis, tantos dáalogos em potencial e no entanto a quantidade de sorrisos e bons-dias trocados em tal ambiente beira o desprezivel. O exemplo típico de um local inóspito, inumano e frio.

E há pouco mais de duas semanas, em uma das inúmeras torres do bairro, alguém fez algo diferente. Provavelmente um funcionario entediado, num escritório meio abandonado, liberado da pressão cotidiana graças às férias do seu patrão. Ele foi até sua janela e usando post-its, os bilhetes adesivos tão comuns no meio corporativo, ele criou um desenho no vidro. Do outro lado da rua, alguém na mesma situação e que provavelmente nunca viu o autor do desenho (ou cruzou com ele anonimamente num metrô) respondeu com outro desenho. Nas outras baias de escrióorio dos dois prédios outras pessoas viram essas manifestações e se lançaram elas mesmas no que agora esta sendo chamada de "A batalha dos Post-its de La Défense". E em tão pouco tempo os desenhos se multiplicaram, se complexificaram e ja ocupam toda a fachada dos dois prédios iniciais. A maior parte deles representa personagens de video-game ou desenhos animados, uma consequência nada surpreendente de um universo predominantemente masculino. Outros são mensagens amistosas para os vizinhos. Um outro expôs sua surpresa diante o absurdo da situação através de um imenso ponto de interrogação.


Não gosto do termo "batalha", pois lembra algo bélico. Existe beleza e poesia nisso. No meio de um ambiente taoáarido e frio, as pessoas começam a se comunicar assim, de uma forma tao singela, com pedaços de papel, averbalmente. Ignoram o rosto dos seus correspondentes, mas sao cúmplices ao compartilharem algo que provavelmente representa as boas lembranças de suas infâncias. Não, definitivamente isso não é uma batalha. É um diálogo. Uma conversa que a cada dia que passa vai ganhando cada vez mais interlocutores. Um burburinho que ja deixou os dois pequenos prédios nos limites do bairro e onde tudo começou para subir uma centena de metros, tal um passarinho, e contaminar as janelas de um arranha-céu de um gigante do setor energético francês. Um murmurio que percorreu os corredores da mesma torre e que atingiu as janelas do outro lado, janelas que estão voltadas diretamentes para a Esplanada de La Défense, o coração do bairro. Quem sabe em duas semanas esse vírus benéfico atravessará a esplanada e contaminará o resto do bairro. E um pedestre que perambula com o passo ligeiro se deterá para olhar esses lampejos de humor decalcados em vidro. E ficará um tempo nessa posição, estático e com um sorriso apontado pro céu, um verdadeiro obstáculo à circulaãao apressada e distraída dos demais. E estes se perguntarao o que pode existir de tao interessante la em cima e seguirao o seu olhar. Um encontro, um comentário, um sorriso, uma pequena descarga elétrica no sistema nervoso desta cidade. Um momento efêmero que desperta o olhar e nos faz ver que ainda existe vida e sentimento que podem brotar na urbe.

Chove em La Defense, os casacos denunciam temperaturas outonais e o céu continua cinza como outrora, mas uma infinidade de fragmentos quentes e radiantes do verão se espalham por todas as partes de Paris nos sorrisos e nos corações daqueles que se deixaram contaminar. E eles entrarão nos trens apertados inconscientemente procurarao nos rostos dos demais passageiros alguém que compartilhe um desses fragmentos estivais.

Chove em Paris.




P.S.:Se você está curioso para ver as fotos, acesse a notícia no Blog de Courbevoie, a cidade onde tudo começou.

Pentecostes en Vic-Fezensac

Acredito que podemos dizer que no ano passado eu não era um verdadeiro fanfarrão. Ainda pouco habituado aos (maus) costumes da Fanfrale eu sentia prazer em tocar, mas não em ficar com os outros fanfarrões. Fosse pelos hábitos nojentos deles ou pela grosseria e violência gratuitas, eu evitava passar muito tempo com eles e inclusive deixei de viajar para tocar com a Fanfarra em alguns contratos e eventos. O principal evento que eu perdi ano passado foi o feriado de Pentecostes no vilarejo de Vic-Fezensac.

O tempo foi passando e eu fui deixando de lado um pouco dessa seriedade exagerada que eu tenho. As coisas nojentas eram ao mesmo tempo uma maneira de afugentar os menos motivados e selecionar apenas os membros dedicados. Também era uma forma de manter uma aura de insanidade ao grupo, algo que mesmo tempo assusta e diverte. Os insultos nada mais são do que um ritual de passagem, àqueles que abstraem e levam a coisa na brincadeira é garantida a simpatia. Demorei um ano pra compreender que eu não precisava fazer tudo como eles faziam, que eu podia ser eu mesmo e que eu poderia aceitar as tradições do grupo e ser aceito ao mesmo tempo. Foi então que eu me decidi a aproveitar ao máximo as oportunidades de tocar e viajar com a Fanfrale no segundo ano.


A Fanfrale depois do fim das aulas

Como vocês sabem eu estou em Paris. Na École ficaram apenas os alunos do primeiro ano enquanto os do segundo e terceiro ano estão em estágio ou intercâmbio. Uma semana antes do feriado de Pentecostes os fanfarrões EI1 alugaram uma caminhonete e vieram a Paris, foi a oportunidade de reunir os fanfarrões estagiando na cidade e tocar na cidade. Tocamos na frente da Ópera e nos divertimos bastante, apesar da avareza dos parisienses nos dar uma gratificação minguada.

Todos estavam muito agitados com a proximidade da Feria (festividade típica do norte da Espanha e sul da França) de Vic. Ou, como nós chamávamos simplesmente, Vic. Vic é um dos eventos-mor pra Fanfrale, rivalizando com o fim de semana do antigos, que chega a reunir mais de 50 fanfarrões de 10 gerações diferentes. No Pentecostes os fanfarrões de todas as gerações e de todas as partes da França, e até da Europa, se reúnem nesse vilarejo de quase 4000 habitantes, na região do Gers, de onde veio o célebre mosqueteiro D'Artagnan.


Fanfarrões, uni-vos!

O que há de tão especial em Vic para que 120000 pessoas, quantidade 30 vezes superior à população normal, ocupem suas ruas durante quatro dias? A Feria de Vic é um das mais célebres ferias da França, com suas tradicionais touradas e festividades. Mas Vic é também o palco da competição nacional de fanfarras, que se se digladiam nas ruas da cidade diante de um público extasiado.

A cada ano dezenas de fanfarras, estudantis ou não, vêm de toda a França para competir. Neste ano contamos inclusive com a participação de uma fanfarra belga. A competição sempre tem um tema e os grupos devem adaptar as fantasias e, se possível, as músicas ao tema. Neste ano o tema foi Gers, o nome da região. O tema pode ser usado livremente. Alguns exemplos:
  • A Bande à Joe, fanfarra da École Centrale de Paris, se fantasiou de mosqueteiros. Era uma fantasia previsível, mas felizmente eles foram os únicos a usarem.
  • A fanfarra ganhadora, da qual não me lembro nem nome nem e origem, se fantasiou com perucas black power e roupas dos anos 70. A razão? Eles incarnaram os GERSons Five, uma alusão aos Jackson Five. O repertório deles seguiu os hits dance e funk da década de 70.
  • Nós aproveitamos a proximidade sonora de Gers com GRS (Ginástica Rítmica Desportiva) em francês e nos fantasiamos de ginastas. Blusinhas de alça, curtas e apertas, e collants de cores berrantes deram o ar da graça juntamente com fitas coloridas.
O concurso leva em conta a qualidade musical do grupo, a criatividade da fantasia e a empatia com o público. Embora toquemos durante todos os dias, da hora em que acordamos à hora em que dormimos (ou entramos em coma alcóolico, o que vier primeiro), a avaliação é feita durante uma tarde, em que as fanfarra se revezam para se apresentar nos bares da cidade. Desta etapa são selecionados alguns grupos finalistas que tocarão durante a noite nos palcos montados na praça e receberão os prêmios no dia seguinte.

Todas a fanfarras são alojadas no ginásio da cidade, a poucos passos do centro da cidade. A prefeitura fornece colchões e se ocupa igualmente de alimentar esse batalhão todo durante dois dias.

Parti de Paris com mais três colegas de Nantes na tarde da sexta 10 de junho. Oito horas de estrada até Vic.


A magia do sul


Se existe uma festa no Brasil que se compare à febrilidade de Vic eu não tenho nenhuma dúvida de afirmar que é o Carnaval. Tudo está lá: o mesmo clima, a mesma bagunça, a mesma quantidade de álcool... O que muda é que não há axé nem samba animando a massa, mas as fanfarras. Quase todos os participantes da festa se vestem à moda do sul, do País Basco: roupa branca e lenço vermelho amarrado no pescoço.

Acredito que seja muito mais divertido participar de uma feria assim como fanfarrão. Por onde você passa sempre tem alguém que vem brincar com você e dizer "fais pam-pam-pam dans ta trompette", que significa "faz pam-pam-pam no teu trompete". Por sinal isso é algo muito divertido: qualquer instrumento de sopro pro povo é trompete e qualquer instrumento de percussão é bumbo. Invariavelmente nós tocamos um pequeno tema de tourada e somos recompensados com bebida, às vezes um litro inteiro de cerveja. E se você recusa a bebida não é raro que os foliões a versem diretamente e à força pela sua garganta abaixo. Vestido como eu estava, com um collant super apertado e com uma tatuagem extremamente chamativa no braço e visível a quem quisesse, eu terminei sendo interpelado dessa maneira diversas vezes. Isso me obrigou a medir a quantidade diária de álcool consumida não mais em litros, mas em galões.

Impossível narrar todo o fim de semana. Minhas histórias e sobretudo as histórias dos outros fanfarrões da escola tornariam este texto ainda mais fastidioso. Me limitarei então às mais engraçadas ou mais marcantes.


A noite de sexta

Chegamos por volta de 00:30 e éramos os últimos da nossa fanfarra a chegar. Nossos colegas tocavam no centro da cidade há algumas horas. Nos fantasiamos e partimos pra lá. Tocávamos numa espécie de marquise de uma casa antiga. Tinha muita gente por lá. Como chegamos muito tarde não aconteceu muita coisa. Digno de nota foi o fato de uma menina chegar em mim, falar "tatuagem bonita" e escrever o nome e o telefone dela no meu braço com pincel permanente.

Quando voltávamos pro ginásio, por volta das 3h da manhã, eu passei através de uma nuvem de spray de pimenta lançado não muito tempo antes para controlar uma briga. Posso garantir que não é uma sensação agradável.


O sábado

Pela manhã acordei muito bem, visto que para mim a noite anterior fora bem curta. Dormir num ginásio de fanfarrões não é fácil, contudo. Cada um que chegava de madrugada inventava de tocar dentro do ginásio e das 3:00 às 10:00 da manhã eu posso garantir que sempre havia um grupo tocando no centro do prédio, embora os integrantes mudassem constantemente.

Primeira constatação da manhã: o número de telefone e o nome marcados na pele não eram exclusividade minha. Eles estavam mais ou menos espalhados pela pele e roupas de uns cinco fanfarrões.

Durante a tarde participamos do desfile e das apresentações nos bares. O percurso terminou na frente de uma banquinha que estava oferecendo cerveja grátis para todo mundo. Parada obrigatória para a Fanfrale, evidentemente.

As lembranças da noite são mais fluidas e difusas, pois à cerveja ingerida ao longo de todo o dia somou-se o vinho servido no refeitório. Algumas das coisas eu só soube através de colegas no dia seguinte e vou adiantando agora. Lembro-me que tocamos num bar, o Maison Bleue. Tocávamos sobre um palco e havia uma multidão por lá. Eu estava no centro do palco e na primeira fila e até onde eu me lembro tudo correu bem por lá, mas no dia seguitne eu ouvi os comentários dos meus colegas sobre uma confusão no bar. Como eu lembrava apenas do Maison Bleue eu perguntei em qual bar tinha sido a confusão e fiquei surpreso de saber que fora lá que aconteceu. Um cara tentou subir no palco e um dos fanfarrões; um sujeito tímido, franzino e nem um pouco afeito à violência; o impediu. Na segunda tentativa o nosso colega deu um chute no peito do sujeito. Os amigos do cara tentaram subir no palco e aí a confusão começou. Boa parte dos integrantes da nossa fanfarra são ex-jogadores de rugby da equipe da escola e eu lembro-vos que o rugby não é nem um pouco delicado. Ninguém saiu ferido.

Eu fiquei realmente surpreso de não me lembrar disso, mas súbito me lembrei que durante uma parte significativa da apresentação eu estava ocupado***. Dever ter sido engraçado pros expectadores verem um terço da fanfarra caída de bêbada fora do palco, um terço tocando, um terço caindo na porrada e eu no centro feliz da vida e aproveitando a apresentação.


O domingo

"P*** que pariu! Cadê meu saxofone? Tá aqui... Ufa!"

"P*** que pariu! Cadê meu celular? Merda. Perdi."

Assim começou meu domingo. Com dor na cabeça e um buraco negro mnemônico. Não conseguia achar meu celular, mas estava admirado de ter trazido o saxofone são e salvo. Tirei ele do estojo pra montar e partir pro café da manhã e mais impropérios me saltaram da boca:

"Droga! Tem um cigarro preso nas teclas"

"P*** que pariu!!!! Por que é que tem uma camisinha cobrindo o bico do meu saxofone???"

Parti depois de tomar as medidas higiênicas cabíveis, não sem antes procurar uma nota de cem euros no interior do instrumento, sabe-se lá...

Não fôramos selecionados pra fase final da competição, o que nos dispensava de qualquer obrigação no domingo. Dessa forma, nosso grupo custou um pouco a se concentrar e se organizar em algo digno de ser chamado de fanfarra. Tocamos pela tarde. Assistimos um pouco da apresentação das demais fanfarras e levamos o dia preguiçosamente.

O tempo não ajudou muito e uma chuva se abateu sobre a cidade. Corremos para o ginásio para guardar os instrumentos e na correria me perdi do pessoal. Fui para o centro sozinho e sem sax. Não bebia, pois seria eu quem dirigiria na primeira parte da manhã no dia seguinte. Saindo do ginásio encontrei um cara e três mulheres e fiz amizade com eles. Eles vinham basicamente todos de Toulouse e arredores e uma das mulheres se casaria dentro de um mês. Eles me levaram com eles até o bar onde estava o noivo e eu terminei ficando um bom tempo por lá, conversando e passando uma noite tranquila. Assim terminou meu domingo e meu batismo de fogo em Vic.



Ferias e mais ferias

Arrumei minhas coisas para ir embora e, surpresa, encontrei meu celular num bolso aleatório da mochila. Como eu disse antes, eu tinha que levar o carro de volta durante metade do caminho na segunda feira. Eu conduzi o carro e três cadáveres sob a chuva durante três horas e meia, algo em torno de 350 km, não sem antes passar por um controle de alcoolemia numa blitz na saída da cidade: zero. O cadáver dono do carro assumiu o resto do caminho quando ele estava devidamente ressuscitado.

Cheguei em casa e larguei as coisas. Estava pronto pra dormir. O telefone deu os dois bips característicos de mensagem. A maluca que escrevera o telefone em mim me respondeu a mensagem que eu enviara no sábado de manhã. Batemos papo por um tempo e através dela eu descobri que existem inúmeras ferias do tipo durante todo o verão, uma mais promissora que a outra e quase todo fim de semana.

Cheguei no trabalho e súbito me lembrei que um dos meus colegas mais jovens vinha de Toulouse. Perguntei a ele se ele conhecia Vic e pelo sorriso que ele deu eu antecipei a resposta: não só ele conhecia como acabara de voltar de lá. Nós discutimos e espontaneamente ele me convidou pra Feria de Bayonne no fim de julho.

Que venha a próxima feria.
Que venha o próximo fim de semana febril.
E salve Vic.


Nosso parceiro Bob

Ele era sem dúvida um cara ordinário. Outros como ele podiam ser encontrados aos montes e em vários países do mundo. Para piorar ainda mais esa cultura de manada, todos tinham o mesmo nome: Duderö. Mais uma luminária da Ikea, rede sueca artigos de mobiliário e decoração nos mesmos moldes que a Tok&Stok no Brasil.

Foi então que ele cruzou com dois brasileiros e um russo e o seu destino mudou. Seu dono estava de mudança para a Bulgária, onde ele poderia continuar ganhando a vida apostando em competições esportivas sem a alta tributação que há na França, e estava se desfazendo de todos os móveis. Dois móveis para a cozinha, uma escrivaninha pro Vladimir, cortinas... estávamos levando boa parte do que restava quando ele apontou pra luminária e perguntou se gostaríamos de levar. Olhei para aquele treco e me perguntei "por que não". Gostei do design e naquela época eu tinha ambições de fazer do meu quarto um lugar com uma iluminação bem aconchegante, quase uma toca.

Tenho que confessar que a luminária fazia boa figura no meu quarto e de fato criou o clima aconchegante que eu queria. Mas isso não era mais do que ela já havia feito até então. Era verão e ainda estávamos na euforia do apartamento novo. Não me lembro bem como a coisa toda aconteceu, mas em uma ocasião eu entrei no meu quarto, olhei pra luminária, peguei meus óculos espelhados-estilo-Ray-Ban-China e pus nela. Completei o figurino com uma camisa, um cordão de contas e um chapéu e chamei o Thiago. Era no mínimo inusitado, rimos, colocamo-la na varanda e tiramos algumas fotos.

O início de tudo

Tão logo tiramos as fotografias eu a despi e ela voltou a ser a luminária que era antes. O estranho é que a partir de então eu não conseguia mais olhar pra ela no meu quarto sem lembrar o sujeito que fotografamos na varanda. Foi então que eu tive a revelação. Ali dentro jazia muito mais do que papel e metal, ali havia uma alma sedenta de novas sensações e de uma saída para a vida ordinária que levara até então. Dali em diante aquilo deixou de ser uma luminária e virou o quinto morador da casa. Agora só faltava batizar. A procura de um nome digno de uma fisionomia tão expressiva não tardou: Bob, o mascote da nossa república.

O Bob foi ganhando o seu espaço aos poucos. No início ele ficava sempre no meu quarto. Em seguida, com o início das atividades de integração do começo do ano letivo, ele foi incubido de um papel mais nobre. Nosso apartamento era um pouco complicado de achar para quem não conhecia o lugar devido a uma confusão nos números da rua. Para guiar nosso convidados ao lugar certo durante as soirées eu colocava o Bob aceso na varanda para chamar a atenção deles (e inevitavelmente dos vizinhos também).


Bob estudando com a gente para a prova de Motores

Não tardou para que ele virasse o mascote da nossa república (coloc em francês). Esta, inicialmente batizada de BHS Coloc em referência a Brasil, Hungria e União Soviética, foi rapidamente rebatizada como Worldwide coloc pelo fato de sermos a única coloc da escola integralmente composta de estrangeiros e com quatro nacionalidades diferentes (húngara, russa, cearense e carioca - é geopoliticamente equivocado, mas culturalmente justificável, então não me corrijam!). Não foi preciso muito para que ela fosse rebatizada definitivamente como Coloc à Bob, a República do Bob.

Bob em versão KGB

Foi assim que o Bob nos acompanhou ao longo de um ano. Ele e sua silhueta bojuda, indício inegável de que compartilhamos o gosto pelos prazeres do lúpulo e da cevada. Ele foi o toque de irreverência da nossa casa. Talvez isso explique o surpreendente apego que eu senti a ele e do qual eu só me dei conta quando chegou o momento de me mudar para Paris. Sei que soa ridículo, algo como uma criança apegada ao seu ursinho de pelúcia ou ao amiguinho imaginário, mas esse boneco capenga, sem rosto nem membros, acompanhou tantos momentos bacanas da nossa república que eu me senti mal em abandoná-lo. Isso vai completamente contra o desapego budista que eu tento aprender, mas eu não pude resistir.

Bob in Paris

O resultado: o Bob está aqui dividindo o apartamento comigo em Paris.
O plano: levar o Bob pra passear e tirar fotos, algo como o anão de jardim de "O fabuloso destino de Amélie Poulain". Por que não?

Se você quer conhecer melhor o Bob, adicione ele no Facebook! Clique aqui.




Chegando em Paris... e saindo de Nantes.

Vou transcrever aqui um texto que saiu no Le Monde nesta semana e que trata do local onde eu fiquei durante meu primeiro estágio em Paris e onde ficarei a partir de quarta feira até o fim do meu segundo estágio.

A Cité Internationale cultiva sua diversidade

(...) Fruto do sonhoe e da espereança, é nada mais do que a Cité U, como Utopia. Ela nasceu no contexto pacifista do entre-guerras, respondendo ao ideal de André Honnorat, Ministro da Educação que desejava criar uma pequena cidade estudantil que agrupasse as futuras elites intelectuais do mundo a fim de facilitar o intercâmbio e o diálogo. Já que a Primeira Guerra Mundial ceifara a vida de um terço dos estudantes franceses, ele queria restitui a Paris o seu papel de capital intelectual.

De 1925 a 1969, 37 pavilhões de uma capacidade de 47 a 390 alojamentos foram construídos por iniciativa de um país, uma escola ou de um filantropo nos 34 hectares do campus. O primeiro foi construído graças à iniciativa de um rico industrial, Émile Deutsch de La Meurthe, que ofereceu dez milhões de francos. A Casa do Canadá foi a primeira residência estrangeira (1926) e a Casa da Argentina (1928) a primeira não francófona. A Casa da Alemanha (1956) foi o primeiro prédio oficial desse país construído na França depois da Segunda Guerra Mundial e o primeiro sinal da reconciliação entre os dois países a ser gravado numa pedra.

Todas essas casas constituem um panorama genuíno da arquitetura do século XX, algumas são até tombadas. Arquitetos renomados, como Le Corbusier com o Pavilhão da Suíça, contribuíram para fazer da Cité U um grande lugar de criação contemporânea, enquanto outro evocam a arquitetura de seus respectivos países como o Pavilhão do Japão ou o Colégio dos Ingleses. Grandes artistas como Sonia Delaurnay participaram da decoração de alguns deles. Várias instalações coletivas completam o conjunto, tal qual o teatro, e algumas são acessíveis ao público exterior.

Com uma capacidade de 5300 alojamentos, a Cité dispões de um dos maiores parques imobiliários da região parisiense destinado aos estudantes. Ela acolhe todos os anos 10000 estudantes, pesquisadores e artistas de mais de 140 nacionalidades. Oitenta e seis anos após a construção de seu primeiro pavilhão, a Cité U(topia) continua fiel aos grandes princípios humanistas de André Honnorat, o que a faz um lugar único no mundo do aprendizado do respeito às diferenças e à vida em comunidade. Aqui a diversidade se expressa e se vive no cotidiano sob o signo da tolerância.

Saindo de Nantes... e chegando em Paris

Texto feito nas pressas e com o pouco de energia que me sobra a cada noite após voltar do estágio.

Ando numa situação provisória bastante precária, dividindo um sótão até o fim do mês com o Thiago e a Patrícia, colegas meus de Nantes. O espaço é éxiguo, os choques da minha cabeça com o teto baixo são frequentes e a internet é pouco estável. Além disso, ando às voltas com os problemas gerados pela entrega das chaves do apartamento antigo: venda dos móveis e eletrodomésticos, limpeza da casa, etc. Infelizmente tenho que voltar praticamente a cada fim de semana, assim como o Thiago e o Vladimir, para colocar um pouco de ordem nas coisas, visto que a Katinka, que foi a única a ter ficado em Nantes, tem se mostrado de uma inaptidão completa para resolver um problema por menor que ele seja.

Finalmente deixei Nantes, a cidade que foi meu lar durante mais de um ano e meio. Minhas opiniões a respeito são bem divididas. Se por um lado Nantes é uma cidade agradabilíssima para morar, com um sistema de transporte impecável, uma limpeza irreprimível e uma qualidade e custo de vida de fazer inveja ao resto da França, foi uma cidade que me ofereceu poucos momentos intensos de alegria. Talvez o clima nublado que predomina em quase metade do ano tenha sido uma das fontes mais importantes de desânimo, considerando os dois péssimos invernos que eu oasse...

A população de Nantes é bem jovem pros padrões europeus, a cidade é cheia de escolas e universidades. A população universitária é muito ativa. Mas é predominantemente francesa. Isso sempre me deu a impressão de que a integração era mais difícil. Não a integração na escola, isso nunca foi problema para mim, mas a aproximação de desconhecidos, a criação de laços com pessoas fora do seu círculo habitual de convivências.

Essa dificuldade é sem dúvida o maior contraste que eu vivi quando vim a Paris fazer meu primeiro estágio. Acredito que o fato de morar na Cité Universitaire, um campus imenso, cheio de residências universitárias, contando com mais de 2000 residentes predominantemente estrangeiros, tenha sido fundamental para criar a impressão de cidade cosmopolita que eu carrego até hoje. Em Paris, em pouco menos de dois meses, eu criei um círculo de amizades extra-cotidianas que eu nunca consegui superar em Nantes.

Isso só se reforçou agora que eu estou de volta a Paris. Neste domingo eu fui encontrar dois amigos que faziam um piquenique aos pés da Torre Eiffel. Eles estavam num grupo de umas vinte pessoas, das quais eu não conhecia mais do que cinco. Me integrei brevemente com alguns poucos que estavma por lá. Outras pessoas chegaram. Meus amigos foram embora. Me integrei com os amigos das pessoas que eu conheci ao chegar. Em pouco menos de duas horas eu estava num restaurante comendo, bebendo e batendo um papo super legal e descontraído com pessoas que eu nunca vira antes. Saí dali com a promessa de reencontros futuros. Essa naturalidade em se aproximar das pessoas sempre foi o que mais me fez falta em Nantes.

Entretanto, por mais que eu tenha me queixado tanto disso eu sinto falta da minha cidade. Dos poucos, e bons, amigos que eu fiz e que agora terei dificuldade em reencontrar. Das histórias que eu vivi, boas e más. Da minha bicicleta mágica que me trazia de volta ao fim de cada noite de boemia a despeito do meu equilíbrio e da minha memória. Do nosso apartamento que conseguimos com tanto esforço e cujos cômodos vazios preenchemos de móveis e memórias, vivendo de uma forma sem luxo, mas confortável e autônoma.

Há pouco mais de um mês atrás eu recebi dois excelentes amigos meus de Paris: a Juliana e o Rodrigo. Eles passaram um fim de semana comigo em Nantes.Eles foram a quinta e última visita que eu recebi em Nantes em 20 meses. Eu lhes mostrei a cidade. Cada pedacinho que eu conhecia, cada fato histórico que eu tinha lido com tanto esmero na Wikipedia, cada curiosidade. Dava vida a toda a descrição, aos lugares por onde eu passara e que tinham deixado algum tipo de recordação. Talvez tenha sido o clima belo da primavera ou a proximidade da partida, mas muito provavelmente o que eu dizia não era mais do que a verdade pura e simples: Nantes é bela e sedutora ao seu modo. Não a sedução lânguida e cinematograficamente arrebatadora de Paris, mas uma atração sóbria e sólida, que se instala sem que percebamos, um amor que nasce da convivência e não da paixão. Meus comentários surpreenderam a Ju, tão acostumada com as minhas queixas sobre a capital do Oeste, mas eu posso garantir que o mais surpreendido de todos foi eu mesmo.

Ski 2011

Todos os anos a École organiza uma semana de ski no início da primavera. Ano passado eu cheguei a pagar o passeio, escolhi o ski entre as duas opções possíveis (a outra era o snowboard) e a poucos meses do evento eu cancelei para poder voltar pro Brasil pela primeira vez e recolocar meu eixo emocional no lugar. Não me arrependo de ter feito isso, pois eu realmente precisava, mas os comentários dos meus amigos sobre a semana me deixaram com uma pontinha de inveja. Quase todos tinham feito snowboard ("ski é coisa de viado", diziam eles) e eu me decidi a não perder a edição 2011.


Ski 2011

Pois bem, cá estamos nós em 2011. Paguei um bom meio milhar de euros pela semana de ski. Tudo pago: alojamento, aluguel do material, hospedagem e alimentação. Diferença fundamental: desta vez eu escolhi snowboard. Algo me dizia que eu ia me ferrar mais do que se tivesse escolhido ski, mas por que não tentar?

O local escolhido foi a estação de Val Thorens, próxima de Chambéry nos Alpes franceses, a estação de ski mais alta da Europa, situada a 2300 metros de altitude. Val Thorens se situa no Vale de Belleville, que comporta mais duas estações. Dois vales adjacentes com suas respectivias estações compartilham suas pistas com as estações do Vale de Belleville, o que faz do complexo o maior domínio esquiável da Europa.

Em Nantes as temperaturas já passavam dos 20ºC na época da saída e o frio e a neve já pareciam coisas de outro mundo. Difícil imaginar que poderia haver neve para esquiarmos e isso era uma preocupação real. Depois de quinze horas dentro do ônibus, com direito a todas as idiotices que as pessoas fazem para manter todos acordados, chegamos em Val Thorens. As estações mais baixas já não apresentavam nenhum traço de neve, mas Val Thorens ainda parecia uma casa de bonecas no meio de um véu branco. Bendita idéia de escolherem a estação mais alta da Europa ou do contrário não teríamos neve.

Preenchemos três ônibus, um total de 150 centraliens. Desse tanto, éramos onze brasileiros: seis EI2 e cinco EI1. Fiquei num quarto de cinco pessoas, com mais dois colegas brasileiros e dois franceses do primeiro ano que não conhecíamos até então. Chegamos lá no sábado dia 23/04 e nos instalamos. Em seguida recebemos as pranchas e as botas, que poderíamos usar a partir do dia seguinte.

O hotel não era ruim, mas algo não me cheirava muito bem. A quantidade de cartazes agressivos era assombrosa:

"É proibido andar com sapatos de ski nas dependências do hotel. Caso você faça isso será penalizado com uma multa de 20 euros"

"Qualquer atraso no check-out resultará em uma multa de 25 euros"

"O barulho depois de 22h00 é proibido. A primeira ocorrência será penalizada com uma multa de 50 euros. A segunda resultará em expulsão"

"Se você desejar fazer o check-ou entre 12h00 e 13h00 deverá pagar uma taxa adicional de 20 euros"

Confessemos que não são mensagens lá muito calorosas. A impressão que eu tive é que o pessoal do hotel só queria ganhar dinheiro à toda custa. Isso também provocou uma impressão de antipatia intensa e a sensação de que algo não sairia bem. Eu não me enganei, mas deixo isso mais pro fim da história.

Quem tem cóccix tem medo

Dos brasileiros que estavam por lá alguns já tinham experiência do ski do ano passado. O Thiago, o Roger e a Patrícia, todos do segundo anos, haviam feito snowboard. O Leo, do primeiro ano, já tinha feito snowboard no Canadá por dez dias e mais três dias de ski no começo deste ano. Os demais eram marinheiros de primeira viagem. Eu, o Fernando, o Fábio e a Ju no snowboard e a Fabrízia, o Diego e o Igor no ski.



Fomos para uma área de treinamento, basicamente a desembocadura das pistas mais próximas à estação.Era uma descida suave, reta e larga. Dezenas de pessoas passavam ali a cada segundo, inclusive criancinhas. Pensei que talvez não fosse tãããããão difícil assim fazer snowboard e que o equilíbrio que eu adquiri fazendo slackline me ajudaria e então me arrisquei a descer sozinho sem nenhuma assistência prévia dos meus amigos mais experientes. Não é que funcionou?

Mentira, foi um desastre. Eu não possuía domínio nem sobre a minha velocidade nem sobre a minha direção, ou seja, uma deriva total, um perigo ambulante. Para evitar uma trombada com alguém eu me atirava no chão e deixava o atrito se encarregar da frenagem. Fiz duas passagens como essa até baixar a cabeça e aceitar que eu tinha que pedir ajuda a alguém.

O Roger então me explicou o princípio. Antes de andar eu tinha que aprender a freiar, ou melhor, a descer a rampa com a prancha perpendicular ao sentido da descida, cravando a lâmina metálica da parte de trás da prancha na neve. Acreditem, isso é muito mais difícil do que parece. Uma distribuição equivocada do peso corporal e você toma para trás. Um deslize qualquer que faça a lâmina na frente da prancha cravar na neve e você capota desastrosamente para a frente.

Próximo passo: a folha. Imaginem a trajetória de uma folha caindo de uma árvore: ela oscila de um lado ao outro, mantendo a mesma superfície voltada para baixo. Pois bem, essa é uma das maneiras de conduzir o snowboard. A pessoa desce um tantinho para a esquerda, com o corpo voltado para a descida e depois desce para o outro lado sem jamais dar as costas para a direção que está descendo. Ora o pé esquerdo está na frente, ora o pé direito e o corpo sempre virado para a frente. Isso é extremamente amador, mas não há alternativa para os iniciantes.

A maneira "correta" de descer é o S. Como o próprio nome sugere, ela consiste em traçar uma trajetória em forma de S. Assim como na folha descemos um pouco um lado por vez, mas a diferença é que a pessoa mantém o seu pé forte sempre na frente. Isso significa que em alguns momentos freiamos com a parte de trás da prancha com o corpo voltado para a descida e em outras com a parte da frente com as costas voltadas para a descida. O principal problema durante o aprendizado dessa técnica é o momento da transição de um lado para o outro, é muito fácil cravar as costas do snow na neve e atterisar feito uma jaca com as costas e a nuca no chão. Caro leitor, cara leitora, a neve é bonitinha, é branquinha e parece fofinha, mas trombar com ela numa queda não tem nada de fofo.

As pistas de ski são graduadas por cor. As pistas verdes são as mais fáceis, seguidas pelas pistas azuis. Em seguida vêm as pistas vermelhas, que apresentam alguma dificuldade por causa de uma inclinação elevada ou uma quantidade grande de obstáculos (desníveis, buracos, etc...). Por fim, no topo da escala de dificuldade vêm as pistas pretas.

Basicamente eu começava o dia numa pista verde chamada Espace Juniors em cuja entrada estava uma placa com os dizeres "pista reservada para crianças menores de 12 anos e seus acompanhantes". É triste, eu sei, mas é o que meu nível permitia naquele momento. É extremamente desconcertante ver uma criança de chupeta na boca (estou falando sério!) descendo uma pista azul de ski enquanto você está no chão cheio de neve na cara depois de uma queda...

Depois de aquecer nas pistas verdes eu era capaz de descer as azuis. Lentamente e em folha, claro. Com alguma dose de coragem e boa vontade eu conseguia fazer o S em alguns trechos mais planos e menos velozes. Consegui até descer uma pista vermelha no quarto dia. No quinto e penúltimo dia, infelizmente, ao tentar fazer o S numa pisa azul eu caí com o cóccix diretamente no chão.

O cóccix, meus amigos, juntamente com as amígdalas e o apêndice faz parte daquela categoria de órgãos que deixaram de ter função e são apenas vestígios do que foram um dia. Eles têm, entretanto, uma particularidade: posto que eles não servem pra nada de útil, eles ainda são partes do nosso corpo e como tal estão sujeitas ao dano e a dor. O cóccix, esse nosso rabo vestigial, não mais do que 10 cm de osso composto por vértebras fundidas num único elemento é um caso exemplar disso. Situado no fim da coluna vertebral, na região sacra (alguém pode me explicar porque raios o alto da bunda é sagrado?!), ele é provavelmente a parte que vai sentir mais fortemente o impacto de um tombo de bunda no chão. E comigo não foi diferente.

A dor, meus amigos, é inimiga da confiança. E a falta de confiança leva a uma técnica imperfeita, limitada pelo medo. Eu caí numa pista extremamente longe da estação e não era capaz sequer de fazer a folha tamanho era o medo de sentar mais uma vez a bunda no chão e sentir uma dor escruciante. Resultado: desci a maldita pista freiando e levei três horas para voltar ao hotel.

Entretanto, no último dia de ski lá estava eu de novo. A despeito da dor na bunda eu recuperei a confiança e já conseguia me virar bem. Foi a primeira vez que eu consegui descer uma pista azul integralmente fazendo o S e foi a oportunidade perfeita para me filmar fazendo isso e passar a ilusão de que eu não era uma negação completa no snowboard. Uma queda de bunda no meio da tarde me fez dar-me por satisfeito e encerrar o dia antes que eu quebrasse o rabo.


Dando adeus aos mercenários do hotel

A noite do último dia foi regada a cerveja numa pequena soirée entre brasileiros. Nós terminávamos todos os dais tão esgotados que nem passava pelas nossas cabeças participar dos eventos organizados pelo staff. A fadiga era tão intensa que nada além das nossas camas passava pelas nossas cabeças. Como não esquiaríamos no dia seguinte finalmente pudemos nos regalar um pouquinho. Entretanto, ainda faltava arrumar os quartos para o check-out.

Nós arrumamos as coisas por cima antes de dormir e deixamos para o dia seguinte apenas a limpeza do chão. Nosso check-out estava marcado para as 9:30. Nosso quarto era um dos únicos que não tinha carpete. O materail de limpeza disponível se limitava a um aspirador de baixa potência, uma vassourinha de mão e um balde com um esfregão. Limpamos o melhor que podíamos, mas visto que não tínhamos um produto adequado para lavarmos o chão nos limitamos a aspirar.

A recepcionista chegou no nosso quarto às 9:25, entrou rapidamente, olhou e foi embora sem dizer uma palavra. Às 9:37 ela voltou para a vistoria e a primeira coisa que disse foi que o chão estava nojento e que teríamos que limpar. Por que não disse isso quando passou lá cinco minutos antes? Retrucamos dizendo que não tínhamos o produto adequado para isso e ela respondeu cinicamente que o produto estava à venda por 6 euros na recepção. Ela disse também que já tínhamos 7 minutos de atraso e que se ainda fôssemos limpar o chão levaria mais 10 minutos no mínimo e que, portanto, ela ia nos multar em 25 euros pelo atraso. A discussão começou...

Igor: Isso é abusivo!
Recepcionista(mulher): Vocês conheciam o regulamento e deveriam ter respeitado.
Igor: Vocês fazem isso para ganhar dinheiro!
Recepcionista (homem): É assim que nós somos.


Éramos o último apartamento do andar a ser vistoriado. Os outros já haviam deixado o andar e muitos foram deixando os sacos de lixo no corredor. O recepcionista viu aquilo e reclamou. Minha vez de responder.

Angelo: Esse lixo não é nosso. Você não pode nos culpar por ele.
Recepcionista: Vocês são um grupo, eu não me importo se foram vocês ou os colegas de vocês. Esse lixo tem que sair daí.
Angelo: É absurdo nos mandar retirar esse lixo.
Recepcionista: Você tá vendo mais alguém no andar? Só sobrou vocês. Vocês vão ter que tirar.


Terminamos tendo que limpar o chão, o que fizemos apenas com água e evacuar todos os sacos de lixo do andar, sabendo que nenhum deles era nossa responsabilidade.

Felizmente, ou não, não fomos o único grupo prejudicado. Outros passaram por situações ainda piores. O staff ski então puxou a responsabilidade para si e pagou as multas de todos os grupos penalizados por atraso.

Por curiosidade procuramos o tal hotel no Trip Advisor quando voltamos para Nantes para saber as opiniões a respeito. O conceito era péssimo, desaconselhado por 77% dos treze usuários que haviam comentado.

Acredito que tenha sido esse o único ponto negativo de toda a semana de ski, pois o cóccix se recupera mas o azedume causado pela equipe do hotel fica um bom tempo....


Considerações finais

Eu entreguei o snowboard com um lado sensivelmente mais desgastado que o outro (o lado de trás) por causa do uso intensivo em folha e de algumas passagens não voluntárias sobre pedra ou gelo.

As luvas que eu usei foram diretamente para o lixo no fim da semana. No fim do primeiro dia cada uma delas tinham um furo de aproximadamente 1 cm de diâmetro na camada mais externa no centro da palma, frutos de várias quedas e tentativas desesperadas de freiar com as mãos. Os furos foram crescendo em superfície (mais ou menos um centímetro por dia) e profundidade (no fim da semana os furos atravessaram todas as camadas).

Aparentemente eu voltei mais magro do ski. Pelo menos eu não me senti tão desconfortável com o meu corpo ao me olhar no espelho, não tanto quanto antes da semana na montanha.

O cóccix vai bem, obrigado. No dia da lesão eu não conseguia me sentar. Pegar os teleféricos era um suplício, visto que os assentos eram duros e o balançado provocava um impacto bem desagradável. Pela noite tive que dormir de bruços. No dia seguinte já estava consideravelmente melhor, até que caí de novo. Apesar da queda ter sido suave, foi o suficiente para resgatar a memória da dor e me fazer parar. Maldito seja o cóccix.

O nome do hotel é Odalys Siveralp. Xinguem muito no twitter. Para maiores informações e declarações apaixonadas de ex-hóspedes clique aqui.



Promessas para Paris 2011

Post escrito com teclado francês. Perdoem-me pela ausência de alguns acentos. Tudo sera corrigido um dia, ou nao.

Sabe aquelas promessas de fim de ano que você nunca cumpre? Pois é, este post é mais ou menos isso. O grande problema dessas promessas é que nos a fazemos para nos mesmos e ai a auto-indulgência é bem grande.

Tenho uma série de planos para quando estiver em Paris... Sao meus ultimos meses na França, embora eu quisesse fazer um estagio mais longo. Entretanto, a politica da UFC em relaçao aos estudantes em intercâmbio esta se tornando cada vez mais intransigente (para nao dizer burra) e eu terei que fazer um estagio com a duraçao minima possivel. Portanto, quero utilizar bem esse tempo, bem como a chegada da primavera e do verao, para colocar algumas necessidades e desejos em dia.

Para nao cair na espiral da auto-indulgência e esquecer meus planos antes do fim da primeira semana eu decidi publica-los. Fica mais dificil escapar de uma promessa quando outras pessoas estao cientes dela. Considere isso como um mecanismo que eue stou experimentando para ser mais disciplinado. Aqui vao as promessas.


1. Eu vou cuidar da forma fisica

Eu detesto correr. Detesto com todas as minhas forças. Acho um exercicio chato, desinteressante. Ainda mais que é preciso correr mais de 20 minutos (em geral uns 40 minutos) para que o exercicio seja efetivo. Passar quase uma hora da minha vida correndo é um suplicio enorme.

Entretanto, eu tinha uma boa condiçao fisica quando deixei a Marinha. Nada formidavel, mas aquele foi o auge da minha forma. Deixando de lado os obvios beneficios estéticos e as consequêncis sobre o meu ego, aquilo me fazia um bem danado. Em seis anos eu perdi, com bastante eficiência diga-se, todo o condicionamento que eu consegui em um ano de sacrificio revigorando o corpo no exercicio além de acumular um buchinho de chopp e alguns pneuzinhos. Por que nao aproveitar o tempo bom e os parques parisienses para retornar à boa forma?

Metas:
  • Correr no minimo três vezes por semana em sessoes de no minimo 40 minutos
  • Recuperar a marca de 2400 m em menos de 12 minutos
  • Recuperar a marca de 8 barras em posiçao supinada
  • Alcançar a marca de 5 barras em posiçao pronada
  • Alcançar a marca de 40 flexoes de braço consecutivas


2. Eu vou viajar


Viajar sempre foi muito desestimulante quando a origem da viagem era Nantes. Apesar de ser a quarta metropole francesa, Nantes sofre uma deficiência terrivel de voos low cost pro exterior, uma necessidade basica de todo estudante estrangeiro avido de viagens. Para sair do pais é necessario antes desembolsar no minimo 50 euros (preço da passagem de ida e volta em trem de Nantes a Paris) para chegar em um aeroporto bem servido de voos de baixo custo. Isso sempre foi um fator desencorajador para fazer viagens para lugares mais afastados. Além disso, para uma viagem dessas valer a pena era necessario que fosse longa, o que me desagrada. Eu começo a me sentir desconfortavel apos 4 ou 5 dias de viagem e acho que isso é o mimite para mim.

Enquanto estiver em Paris estarei mais proximo de um bom aeroporto e sera muito mais facil fazer pequenas viagens durante o fim de semana. Pretendo visitar alguns lugares que, para mim, nao podem deixar de ser visitados antes de voltar ao Brasil.

Metas:
  • Passar um fim de semana em Amsterdam
  • Passar um fim de semana em Barcelona
  • Passar um fim de semana em Berlim
  • Passar um fim de semana na Escocia
  • Passar um fim de semana emLisboa
  • Passar um fim de semana em Roma

3. Eu vou ser menos estressado

Sempre tem uma promessa impossivel e nao podia faltar uma na minha lista. Eu sou um cara estressado. Ponto. E frequentemente bem ranzinza também. Me falta um pouco desse espirito surf-zen-budista de Jah que sem duvida me impediria de morrer de infarto aos 45 anos. Boa hora para começar a me educar nesse sentido. As metas aqui sao mais dificeis de determinar, pois sao extremamente subjetivas. Elas implicam em mudanças de comportamento edevem ter um impacto direto sobre a minha qualidade de vida e bem-estar pessoal, o que as torna bem peculiares.

Metas:
  • Manter uma relaçao amistosa com meus vizinhos de residência. Procurar me integrar com eles.
  • Conhecer novas pessoas, pois a maior parte dos meus conhecidos em Paris foi embora.
  • Sair mais. Ir mais vezes a boates.
  • Aprender a dançar alguma coisa. Nota: sei que vou me arrepender desta meta.
  • Dedicar ao menos 2h por semana ao slackline ou ao malabarismo.
  • Dedicar ao menos 2h por semana ao saxofone.
  • Retomar o estudo de auto-hipnose e voltar a aplicar para combater a insônia.
  • Iniciar o estudo de budismo e zen. Aplicar os conceitos aprendidos se possivel.
  • Deixar sempre uma cervejinha na geladeira, pois ninguém é de ferro.

Agora ta na rede e eu nao tenho mais como fugir. Quando estiver em Paris vou me lembrar de que eu compartilhei essas "obrigaçoes" com vocês e me sentirei moralmente obrigado a segui-las.