Promessas para Paris 2011

Post escrito com teclado francês. Perdoem-me pela ausência de alguns acentos. Tudo sera corrigido um dia, ou nao.

Sabe aquelas promessas de fim de ano que você nunca cumpre? Pois é, este post é mais ou menos isso. O grande problema dessas promessas é que nos a fazemos para nos mesmos e ai a auto-indulgência é bem grande.

Tenho uma série de planos para quando estiver em Paris... Sao meus ultimos meses na França, embora eu quisesse fazer um estagio mais longo. Entretanto, a politica da UFC em relaçao aos estudantes em intercâmbio esta se tornando cada vez mais intransigente (para nao dizer burra) e eu terei que fazer um estagio com a duraçao minima possivel. Portanto, quero utilizar bem esse tempo, bem como a chegada da primavera e do verao, para colocar algumas necessidades e desejos em dia.

Para nao cair na espiral da auto-indulgência e esquecer meus planos antes do fim da primeira semana eu decidi publica-los. Fica mais dificil escapar de uma promessa quando outras pessoas estao cientes dela. Considere isso como um mecanismo que eue stou experimentando para ser mais disciplinado. Aqui vao as promessas.


1. Eu vou cuidar da forma fisica

Eu detesto correr. Detesto com todas as minhas forças. Acho um exercicio chato, desinteressante. Ainda mais que é preciso correr mais de 20 minutos (em geral uns 40 minutos) para que o exercicio seja efetivo. Passar quase uma hora da minha vida correndo é um suplicio enorme.

Entretanto, eu tinha uma boa condiçao fisica quando deixei a Marinha. Nada formidavel, mas aquele foi o auge da minha forma. Deixando de lado os obvios beneficios estéticos e as consequêncis sobre o meu ego, aquilo me fazia um bem danado. Em seis anos eu perdi, com bastante eficiência diga-se, todo o condicionamento que eu consegui em um ano de sacrificio revigorando o corpo no exercicio além de acumular um buchinho de chopp e alguns pneuzinhos. Por que nao aproveitar o tempo bom e os parques parisienses para retornar à boa forma?

Metas:
  • Correr no minimo três vezes por semana em sessoes de no minimo 40 minutos
  • Recuperar a marca de 2400 m em menos de 12 minutos
  • Recuperar a marca de 8 barras em posiçao supinada
  • Alcançar a marca de 5 barras em posiçao pronada
  • Alcançar a marca de 40 flexoes de braço consecutivas


2. Eu vou viajar


Viajar sempre foi muito desestimulante quando a origem da viagem era Nantes. Apesar de ser a quarta metropole francesa, Nantes sofre uma deficiência terrivel de voos low cost pro exterior, uma necessidade basica de todo estudante estrangeiro avido de viagens. Para sair do pais é necessario antes desembolsar no minimo 50 euros (preço da passagem de ida e volta em trem de Nantes a Paris) para chegar em um aeroporto bem servido de voos de baixo custo. Isso sempre foi um fator desencorajador para fazer viagens para lugares mais afastados. Além disso, para uma viagem dessas valer a pena era necessario que fosse longa, o que me desagrada. Eu começo a me sentir desconfortavel apos 4 ou 5 dias de viagem e acho que isso é o mimite para mim.

Enquanto estiver em Paris estarei mais proximo de um bom aeroporto e sera muito mais facil fazer pequenas viagens durante o fim de semana. Pretendo visitar alguns lugares que, para mim, nao podem deixar de ser visitados antes de voltar ao Brasil.

Metas:
  • Passar um fim de semana em Amsterdam
  • Passar um fim de semana em Barcelona
  • Passar um fim de semana em Berlim
  • Passar um fim de semana na Escocia
  • Passar um fim de semana emLisboa
  • Passar um fim de semana em Roma

3. Eu vou ser menos estressado

Sempre tem uma promessa impossivel e nao podia faltar uma na minha lista. Eu sou um cara estressado. Ponto. E frequentemente bem ranzinza também. Me falta um pouco desse espirito surf-zen-budista de Jah que sem duvida me impediria de morrer de infarto aos 45 anos. Boa hora para começar a me educar nesse sentido. As metas aqui sao mais dificeis de determinar, pois sao extremamente subjetivas. Elas implicam em mudanças de comportamento edevem ter um impacto direto sobre a minha qualidade de vida e bem-estar pessoal, o que as torna bem peculiares.

Metas:
  • Manter uma relaçao amistosa com meus vizinhos de residência. Procurar me integrar com eles.
  • Conhecer novas pessoas, pois a maior parte dos meus conhecidos em Paris foi embora.
  • Sair mais. Ir mais vezes a boates.
  • Aprender a dançar alguma coisa. Nota: sei que vou me arrepender desta meta.
  • Dedicar ao menos 2h por semana ao slackline ou ao malabarismo.
  • Dedicar ao menos 2h por semana ao saxofone.
  • Retomar o estudo de auto-hipnose e voltar a aplicar para combater a insônia.
  • Iniciar o estudo de budismo e zen. Aplicar os conceitos aprendidos se possivel.
  • Deixar sempre uma cervejinha na geladeira, pois ninguém é de ferro.

Agora ta na rede e eu nao tenho mais como fugir. Quando estiver em Paris vou me lembrar de que eu compartilhei essas "obrigaçoes" com vocês e me sentirei moralmente obrigado a segui-las.

Stage Ingénieur

Se você lembra da maneira como eu consegui meu estágio do primeiro ano e acha que foi inusitada (se não lembra, relembre aqui), sente-se na sua cadeira, pegue algo para comer e prepare-se para ler o que vem por aí.

Uma história cheia de reviravoltas, despedidas, encontros casuais, futebol, álcool, tatuagens, romance e mais álcool.


Um verão em Paris

Como não podia deixar de ser, minhas histórias começam com um (longo) preâmbulo e esta aqui não é diferente. Em julho do ano passado eu me mudei para Paris para fazer o meu estágio operário. Seriam dois meses na capital francesa, explorando a boa vontade e hospitalidade do Rômulo, que topou dividir o quarto de 9 m² dele comigo por esse tempo todo. Acho que a nossa sina é dividir espaços exíguos, pois uma vez tivemos que dividir por quatro dias uma barraca de supostos dois lugares durante o Encontro Nacional do Programa de Educação Tutorial (ENAPET).

Cheguei em Paris numa sexta feira, já perto da meia-noite. Numa recepção super efusiva, o Rômulo, o Nathan e o Luíque, meus colegas da UFC, conseguiram rasgar minha bermuda no fundo ao me lançarem repetidas vezes para cima. Estava lá também o Carlos Breno, mais conhecido como CB, um camarada de Colégio Militar que eu não via há séculos. Eu disse que a vida é feita de encontros, mas às vezes alguns desencontros valem a pena de serem contados. Eu e o CB viemos para a França na mesma época, mas ignorávamos os rumos um do outro. Por acaso ele era colega do Rômulo e do Nathan em Paris. Quase seis meses depois de instalado em Nantes eu descubro com o Rômulo que o CB estava lá. Tivemos vários desencontros, pois ele estava sempre viajando nas épocas em que eu podia ir pra Paris, mas finalmente nos encontramos naquela sexta feira. Detalhe: ele partiria em definitivo para o Brasil no dia seguinte.

No gramado da Cité Universitaire, a galera reunida em torno do violão e da garrafa de vinho resgatando reminiscências, contando causos, aproveitando os últimos momentos em que aquele grupo de bom humor abençoado estaria completo pela última vez. O resultado foi bastante previsível: enquanto conversávamos bebíamos e bebemos muito. No dia seguinte, acordamos todos com uma bela ressaca.


E viva a copa do mundo!

Sol a pino no sábado, o CB no avião e a gente com gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Um amigo nosso que estudava em Marselha e estava de Paris de passagem, o Rodrigo, nos propôs irmos a um bar que ele conhecia para assistirmos um jogo da Copa do Mundo, que estava rolando na época. A velha história de curar ressaca com mais álcool.

O bar era bacana, ficava no térreo de um albergue enorme e era frequentado majoritariamente pelos hóspedes do albergue: estudantes estrangeiros. Isso dava ao lugar um clima descontraído e agradável. Chegamos cedo para conseguir um lugar estratégico perto do bar e da TV e começamos a terapia de cura de ressaca através de cerveja branca de trigo. O jogo começou (Argentina X Inglaterra) e o bar lotou.

Lá pela terceira cerveja (que tinha 500 ml) eu notei uma menina encostada no bar junto com um grupo de umas cinco pessoas. Cruzamos olhares. Isso aconteceu mais algumas vezes durante o jogo. Eu simplesmente estava adorando aquele joguinho de gato e rato e a situação estava ficando interessante. A garota me chamava a atenção: vestida de preto, com um decote generoso e uma pata de urso tatuada em casa seio.

Eu, na minha timidez e desconcerto habituais com mulheres, não sabia o que fazer e à medida que o jogo se aproximava do fim ia ficando mais nervoso. Aos 35 do segundo tempo, sem metáforas futebolísticas, eu resolvi agir. Pisquei um olho pra ela. Caro leitor, eu sei que isso é cliché. Cara leitora, eu sei que você nunca cairia no papo de um sujeito que pisca um olho para você. Mas funcionou. Ponto. Ela sorriu, eu me levantei, passei do lado dela e com um gesto de cabeça pedi pra ela me acompanhar pra um canto mais reservado. Ela me pediu pra esperar alguns minutos com um gesto de mão.

Nos encontramos pouco depois e começamos a conversar. Conversávamos em francês, mas ela tinha um sotaque bizarríssimo que ficou claro assim que ela disse que era canadense. Eu disse que estava com alguns amigos e que depois do jogo iríamos ao centro da cidade para aproveitar as liquidações de verão e perguntei se ela não queria vir conosco. Quer conquistar uma mulher? Chame-e para fazer compras com você. Ela topou, mas disse que precisava da autorização da mãe, que estava no grupo de pessoas que a acompanhavam. Eu disse que me encarregaria disso e juntei o máximo de cara-de-pau e coragem para falar no tom mais galeanteador possível:

- Bom dia, eu sou o Angelo. Acabei de conhecer a sua filha na fila do banheiro e gostaria de saber se você pode cedê-la uma tarde para fazermos um passeio em Paris.
- Oi, Angelo. Pra mim tudo bem, mas com uma condição: ela tem que dormir em casa hoje, ok?
- Sim, senhora.
- Veja bem: ela TEM QUE DORMIR HOJE LÁ EM CASA. Entendido?
- Perfeitamente. =D

Tabarnak! Uma imersão na cultura canadense (ou algo assim)

Nota: Os trechos terminados com "***" foram censurados por terem conteúdo explícito de sexo, drogas e escargots e para preservar a faixa etária do blog (próprio para menores de 81 anos). Algumas passagens foram adaptadas graças a metáforas bem colocadas, enquanto outras foram sumariamente suprimidas. Se você deseja conhecer a história completa terá que esperar a versão completa sem cortes que eu lancerei quando for famoso e podre de rico ou quando todas as pessoas envolvidas nesta história forem incapazes de me processar por uso indevido de imagem.

Para preservar a identidade da menina e evitar que curiosos fuxiquem no meu facebook, chamarei-a pelo apelido dela: Do (pronuncia-se Dô). A mãe dela é instrutora de massagem terapêutica e autora de alguns livros sobre o assunto. Ela estava na França junto com o marido, padrasto da Do, dando um curso e divulgando o último livro dela. A Do participa dos workshops, pois ela domina as técnicas, embora não seja instrutora, e assim ela ajuda a mãe. Eles estavam hospedados na casa de uns amigos franceses não muito longe do albergue. Os donos do apartamento estavam viajando e deixaram as chaves com eles.

Partimos então eu, ela e meus amigos para o centro da cidade comprar roupas. Leia-se: meus amigos foram comprar as roupas deles e me deixaram lá acompanhando-a enquanto ela rodava as lojas atrás de algo para comprar. Nos reencontramos em seguida e eles disseram que gostariam de voltar para a casa e tomar um banho, mas que voltariam para o bar para assistir a partida da noite, que eu não lembro mais como era. Acompanhei a Do pra casa dela, de onde deveríamos partir para o bar.

Fomos para o bar, assistimos o jogo inteiro e nada dos meus amigos chegarem. Eles ligaram dizendo que chegariam mais tarde, por volta das 22h00. Deu 23h00 e nada. Brasileiros... Fiquei lá com ela, fazer o quê? Deu meia noite e um pensamento súbito me passou pela cabeça: a que horas passavam o último metrô e o último trem para eu voltar pra casa? Fiz uma conta rápida e percebi que eu até consegueria pegar o último metrô para o centro da cidade, mas que eu jamais conseguiria pegar o RER (trem da região metropolitana de Paris) que me levaria para a Cité Universitaire. Planejava então ir ao centro e voltar a pé, uma caminhada de 7 km ou mais. Juro como tudo isso não foi premeditado. Eu realmente perdi a hora dos trens. Lembrem-se que eu era um novato em Paris e aquele era meu primeiro dia na cidade.

A Do então falou que eu não fizesse isso, pois era perigoso. Ela disse que a mãe e o padrastro dela não se importariam se eu dormisse lá no apartamento onde eles estavam, pois tinha acontecido um imprevisto. Eu hesitei, mas aceitei. Ela então falou "mas não vai acontecer nada hoje de noite, ok?". Por mim tudo bem, admito que a minha maior preocupação naquela noite era ter onde dormir e não se ia rolar gol nessa copa do mundo.

Chegamos lá e explicamos a situação pros pais dela. Conheci o padrasto, cujo humor irônico e disfarçado lembrou o do meu pai. Aquele humor que não revela se o autor está nos insultando ou brincando conosco. Eles disseram que estava tudo bem, abriram uma garra de vinho e um pacote de pistaches e ficaram conversando comigo na cozinha enquanto a Do ia tomar um banho. Sabatina básica: o que eu fazia da vida, o que estava fazendo na França, o que eu estava fazendo em Paris. Respondi tudo e ainda saquei algumas das minhas histórias engraçadas e sinto que conquistei a simpatia dos coroas.

A primeira promessa eu tinha cumprido, trouxe a garota em segurança para casa. A mãe dela não tinha do que reclamar. A segunda promessa eu cumpri (quase) integralmente.***


Amigo da família

Nada mal para o meu primeiro dia em Paris. Rendeu boas gargalhadas com meus amigos. O domingo veio sem maiores novidades e segunda feira eu parti para o meu primeiro dia de estágio em Paris, embora já tivesse trabalhado dois dias em Nantes. Depois do trabalho fui ver a Do. Ela disse que os pais dela não estariam lá na segunda-feira e então eu não teria que me comprometer a ficar quieto e não fazer algo.

Cheguei lá no apartamento e decidimos sair para comprar uma garrafa de vinho e passear pelo bairro. Saindo do prédio cruzamos com um sujeito que era amigo dos pais dela, um grego que segundo ela já tinha vivido na região amazônica e já tinha experimentado quase todas as drogas do lugar. Sujeito exótico, falava uns vinte idomas. Mal, mas falava. Ele tentava se comunicar comigo num português macarrônico e pelo pouco que eu pude compreender ele estava hospedado com uns "amigos meus do circo", mas naquele dia dormiria lá no apartamento porque "lá no circo o pessoal faz muito barulho". Ele subiu e nós fomos comprar o vinho. A Do ficou chateada, pois o cara frustrou nossos planos.

Ficamos então vagabundeando, nós e o vinho, às margens do canal Saint Martin. Trocamos figurinhas, falamos da vida, nos conhecemos. Mais tarde voltamos ao apartamento. Encontramos os três por lá, os pais e o grego. Fizemos uma sala e fomos pro quarto, mas quando estávamos começando nossa conversa *** o grego bateu na porta nos chamando para participar de um ritual de purificação da casa que ele faria na sala.

Lá fomos nós comportadíssimos para o ritual de purificação. O grego, de cueca, camiseta e um cordão indígina espalhava fragâncias aromáticas pela sala. Em seguida, ele nos fez esfregar um óleo com uma fragância forte como o gengibre na testa e nas mãos. A isso se seguiu a aspiração de uma fumaça oriunda de uma casca de árvore que ele dizia ser o Santo Daime. *** Finalmente ele sentou-se e começou a entoar cânticos em um embolado de português e idioma indígena ininteligível.

Findo o ritual, voltamos pro quarto. Finalmente teríamos um pouco de paz. Não sei se foi por causa do álcool ou por causa dos produtos naturais do grego, mas pela primeira vez na minha vida e na tenra idade de 23 anos me faltou assunto pra conversa. *** Confesso que dormi frustrado.

A semana foi se desenrolando assim. Acordava e ia pro trabalho e de lá saía para ver a Do e dormir por lá. Os dias que se seguiram foram menos traumáticos que os acontecimentos da segunda-feira e a conversa fluiu melhor. *** A verdade é que dos meus nove primeiros dias em Paris, apenas três eu dormi na casa do Rômulo. Conveniente para ambos, diga-se de passagem, pois ele não precisou dividir o cubículo dele com ninguém e eu dormia em cama de casal. Eu fui ficando amigo dos pais da Do e às vezes acontecia de eu ficar lá bebendo e cozinhando com eles enquanto ela fazia alguma coisa no quarto dela.

Um dia, talvez na quinta se eu me lembro bem, ela me aborda de supetão e me diz que a mãe dela me convidou para um jantar com eles e os alunos do curso de massagem. Fiquei bastante surpreso e quando encontrei a mãe dela mais tarde eu agradeci, disse que era muito gentil da parte deles e que eu não esperava aquilo. Ela me disse: "nós gostamos muito de você e você já é amigo da família".

No sábado então fomos para o jantar num restaurante próximo do mítico bairro de Montmartre. Os convivas eram na maioria franceses na faixa dos 45 anos. Havia também uma carioca e uma portuguesa. O cardápio era bom e pela primeira vez na vida e depois de quase 10 meses na França eu comi escargot. Como toda boa refeição realizada nas terras de Victor Hugo, o jantar foi regado a (muito) vinho.

Findo o jantar, eu tentei em vão pagar a parte que me cabia. A mãe da Do não permitiu e pagou por mim. Alguns dos convivas decidiram ir para um bar nas proximidades e nos convidaram a lhes acompanhar. A maior parte recusou e fomos apenas eu, a Do e mais quatro outros para um pub irlandês.


Quer emprego? Vá pro bar!

Começamos então uma curta soirée regada a cerveja Guiness. O papo se desenrolava preguiçoso e descontraído: os fatos ocorridos no curso de massagem, os jogos da copa do mundo, as exclamações de como a Do tinha crescido e agora era uma mulher.

Em um determinado momento um dos caras virou-se pra mim e perguntou sobre minha trajetória, como eu tinha parado ali e o que fazia. Falei do meu intercâmbio, do meu estágio, da escola onde estudava. Ele parecia interessado. Quando eu disse que estudava mecânica no Brasil ele me perguntou se eu tinha interesse em trabalhar na PSA, holding que controla as montadoras Peugeot e Citroën. Meus olhos devem ter brilhado quando eu disse que sim. Ele disse que tinha um amigo que trabalhava na PSA e que meu perfil talvez pudesse interessá-lo e pediu que eu lhe enviasse meu currículo por email para transmitir ao amigo. Anotei o email animado, mas incrédulo. Não sei se enviei o currículo no dia seguinte ou na semana seguinte, não importa. O importante é que eu mandei.

Estávamos então em meados de julho e o fim daquela semana idílica com a Do, que foi a primeira das minhas aventuras em Paris que fizeram daqueles dois meses os melhores do meu intercâmbio, chegava ao fim. Não tardou para que ela retornasse ao Québec. Mais de dois meses depois, em setembro, e ironicamente enquanto eu estava numa cama me recuperando de uma bebedeira do dia anterior eu recebo uma ligação. Uma voz feminina se identifica como funcionária do departamento de recursos humanos da PSA e me pergunta se eu ainda estou procurando estágio. Atordoado eu respondo que sim enquanto pesquiso na memória a ocasião em que eu havia me candidatado para a PSA. Eu não havia me candidatado e me lembrava bem disso, foi então que eu me lembrei subitamente da soirée no bar e do email.

Poucos minutos depois recebo uma ligação, mas dessa vez da parte de um responsável do departamento técnico de uma das fábricas da PSA. Ele disse que trabalhava na concepção de métodos de montagem de motores e caixas de marcha. Ele disse também que tinha interesse em me contratar, mas que ainda não conhecia os temas de estágio disponíveis para o ano seguinte e que eu teria que esperar até a validação dos estágios para que pudéssemos agendar uma entrevista.


O currículo voador

Muita coisa aconteceu. Os temas de estágio não forma validados na unidade onde o cara trabalhava e a entrevista, que deveria ter acontecido em outubro, ainda não tinha acontecido em dezembro. Ele acabou me enviando para uma colega de outra unidade, com quem eu comecei a tratar sobre o estágio. Finalmente conseguimos marcar uma entrevista no dia 31 de janeiro e me apresentei como manda o figurino, de paletó e gravata.

A entrevista logo se revelou pouco ortodoxa, não seguia o padrão que se espera de uma entrevista normal. A responsável me levou a uma sala de reunião e começou explicando detalhadamente onde o setor dela se encaixava na unidade e onde a unidade se encaixava na empresa. Ela fazia isso desenhando diagramas numa folha de papel, que ela virava para que eu, que estava sentado de frente a ela, pudesser ver o que ela estava escrevendo. Ela me disse que isso era pouco prático e que o melhor seria que eu sentasse ao lado dela para poder ver o que ela estava desenhando.

Ela me questionou sobre minhas experiências profissionais anteriores e pareceu particularmente interessada no meu período no Laboratório de Aerodinâmica e Mecânica dos Fluidos na UFC. Ela me pediu para explicar detalhadamente o meu trabalho lá. Cada minúncia parecia interessá-la, o que eu fazia, para que eu fazia, quem utilizava os resultados do meu trabalho e como eram utilizados. Quando eu terminei ela se limitou a dizer "eu queria ver se você era capaz de explicar algo complicado em francês" e escreveu algo num papel.

Quando a entrevista parecia chegar no fim ela olhou pro meu terno, deu um sorriso enviesado e disse:

- Imagino que você sabia que isso não é uma entrevista. Você não precisava ter vindo assim.
- Como assim?
- Você já foi selecionado antes de chegar aqui. Esse nosso encontro é mais para explicar como vai ser o seu trabalho. Você não sabia?
- Não, não sabia - eu respondi num tom de surpresa genuína.
- Você pode me explicar como o seu currículo chegou até mim?

Perguntinha capciosa. Eu contei uma história meio torta, mas que não era falsa. Tive que omitir os detalhes de como eu consegui o contato. Pareceu-me pouco profissional dizer que eu tinha conseguido o estágio bebendo num bar com um sujeito que eu mal conhecia e simplesmente disse que o cara foi "alguém que eu conheci durante meu estágio". Contei o percurso que eu conhecia do meu currículo, ou seja, que tinha ido parar nas mãos do chefe dela e que ele o repassou. Ela não parecia esperar por isso e disse:

-O seu currículo foi recomendado para mim pelo meu chefe. Por sua vez, ele recebeu a sua candidatura de outra pessoa, que também recomendou você. Até onde sabemos a primeira pessoa a recomendar-lo foi o diretor de operações da PSA com o Mercosul e ele se interessou pelo seu perfil. Ele nos pediu para que lhe contratássemos como estagiário para lhe treinar e eventualmente, caso você se mostre capaz, lhe contratar para trabalhar para a PSA no Brasil utilizando o que você vai aprender durante o seu estágio. Nós não tínhamos estágios disponíveis aqui para estudantes no seu nível (segundo ano de escola de engenharia) e tivemos que abrir uma vaga excepcional.

Pedido aos leitores

Sei que tudo isso parece fantástico (e é), improvável (e é) e mentira (não é!). Mas tudo o que aconteceu foi verdade (acredite se quiser!). Peço encarecidamente aos leitores que não abandonem o meu blog após essa história por acreditarem que eu larguei o estilo auto-biográfico/crônica/auto-ajuda e abracei a ficção ou a fantasia.

Essa história foi diretamente para o Top 3 de histórias mais insanas da minha vida, junto com o Pouce d'Or e a ocasião em que eu conheci uma prima minha durante um assalto a ônibus no Rio de Janeiro. Não preciso nem explicar a tag "sem-noção", pois ela é mais do que merecida.

Duas semanas depois da entrevista eu recebi um email da PSA dizendo que eu tinha sido recusado em um estágio. Foi um susto, mas eu olhei atentamente e reparei que era um estágio para o qual eu tinha me candidatado pela internet quase dois meses antes. O currículo que eu enviei era mais recente, completo e atraente que o currículo voador que rodou o mundo pelos corredores da PSA e o estágio proposto era menos desafiador. Aparantemente, competência não é tudo neste mundo... Sorte conta um bocado!

Abra as portas da sua vida para o acaso. Quem sabe acontece uma loucura dessas com você também.