Guia de bixo, o post definitivo

Um dos meus objetivos com este blog era dar o maximo de informaçoes possiveis a quem quer que venha fazer intercâmbio aqui na França. Por isso existe a coluna "guia de bixo" por aqui.

Mas estava eu aqui fuçando na internet e terminei achando um documento Associaçao dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na França. Trata-se de um guia com 130 paginas de informaçao sobre os mais variados aspectos da vida de um estudante na França que faz meu bloguinho parecer brincadeira de criança.

Vou continuar fazendo meus posts de guia de bixo, mas recomendo fortemente para quem tiver tempo (e disposiçao) dar uma lida no documento.

14 de julho

Em 1789 os revolucionarios tomaram a Prisao da Bastilha e o dia da empreitada, o 14 de julho, tornou-se a data da festa nacional francesa.

E aqui estava eu em Paris , curtindo meu feriado, encontrando os amigos... Resolvi assistir ao desfile militar na Avenida Champs Elysées. Nada de especial em assistir a um defile militar, na verdade. Mas essa experiência toda tem sido uma fonte inesgotavel de frases do tipo "aqui foi a primeira vez que eu fiz..." e eu resolvi adicionar à lista:

"Foi na França a primeira vez que eu participei de um desfile militar como expectador"


Apos oito anos desfilando e mais metade desse periodo abominando quase qualquer coisa de origem militar, eu resolvi quebrar o jejum. Fui para avenida com meus amigos da Escola, alguns deles de passagem e outros estagiando como eu. Vi tudo o que eu ja conhecia, mas dessa vez pelo outro lado da cerca.

Alguns fatos merecem ser observados:
  • O calor é o mesmo do lado de fora e, embora nao estivesse trajando um uniforme de gala, a proximidade da multidao potencializava o efeito...
  • Falando em multidoes: estar no meio de uma multidao na França durante o verao pode ser uma experiencia traumatica para o seu sistema olfativo.
  • Para conseguir um bom lugar no publico é necessario sofre quase o mesmo tanto que o pessoal que desfila, mas sem o glamour de ser aplaudido.
Conclusao: tirando as semanas de preparaçao para o desfile e todo o sofrimento da vida militar, é muito mais confortavel desfilar que assistir ao desfile.

Intrigante mesmo foi o quanto o desfile me agradou. Apos uma longa espera sob o sol, o desfile começou ao mesmo tempo em que o céu começou a desabar em toneladas de chuva. Melhor pra mim, pois enquanto as pessoas se abrigavam eu ia conseguindo um local cada vez melhor para assistir (e roupas que rapidamente foram de molhadas a encharcadas).

Primeiramente aconteceu o desfile da Aeronautica, mas sob nossas cabeças. Pelo menos 50 aeronaves passaram sob a avenida, sendo o primeiro grupo formado por nove caças que pintaram as cores da França com fumaça sobre os Champs Elysées. Foi realmente deslumbrante, ao menos para um apaixonado por aviaçao como eu, ver a silhueta de um Rafale passar sobre mim e escutar o ronco das suas turbinas.

Em seguida, um regimento de cavalaria com ao menos 100 cavaleiros e uma banda montada inclusa abriram o desfile de terra. Eles foram seguidos de grupamentos de exércitos de naçoes africanas convidadas para o desfile. Todas elas ex-colonias francesas comemorando 50 anos de independencia.

Os grupamentos se seguiram, um a um, sem obedecer a uma ordem precisa de Marinha-Exército-Aeronautica-Policia-Bombeiros como no Brasil. Escolas de cadetes, grupamentos de montanha, alunos de escola de engenharia... O que se percebia logo de cara é que dentre todas as forças os bombeiros sao os mais admirados por aqui e foram os unicos que foram consistentemente aplaudidos.

O desfile a pé se encerrou com a Legiao Estrangeira, a tropa que eu mais queria ver. A Legiao marcha na cadencia de uma cançao deles, bem lenta, bastante particular... Eles marcham numa velocidade muito inferior à de todos os demais grupamentos e, por essa razao, eles fazem um percurso menor para nao atrapalhar o desfile. Eu dei o azar de me posicionar antes do local de entrada da Legiao e a unica coisa que eu vi deles foi as nucas.

O regimento de cavalaria passou mais uma vez, desta vez anunciando o desfile motorizado. Foi muito interessante ver os carros, os blindados e os tanques, mas confesso que nao me empolgou tanto quanto o desfile a pé.

Findo o desfile em terra, novo desfile no céu. Diversos esquadroes de helicopteros passaram sobre a avenida e sob uma chuva assustadoramente grossa. Apos a passagem do ultimo grupo de helicopteros, o sol deu as caras (obrigado, Murphy) e um derradeiro helicoptero passou la no alto projetando para-quedistas. cada um deles trazia uma bandeira de um dos paises africanos convidados.

Na entrada do metro, no meio da multidao que tentava deixar o lugar eu vi que meu celular tinha entrado em coma... Fui com o pessoal do até um McDonald's e pegamos (muita chuva) saindo do metro. Ressucitei o meu aparelho com a ajuda do secador elétrico do banheiro. para completar o programa de indio, voltamos de onibus porque o metro inundou com tanta agua.

Retornei à Maison des Arts et Métiers, onde estou hospedado, e descansei praticamente a tarde inteira e o começo da noite. Meus colegas planejaram de ir à Torre Eiffel para ver a tradicional queima de fogos, marcada para as 23:00. Horario previso de chegada: 20:30. Eu ja estava farto de muvuca por aquele dia e decidi ir com o pessoal da ENSAM para um local mais afastado, mais calmo e onde poderiamos chegar mais tarde. Confesso que eu fiquei com inveja da galera da Centrale que foi para perto, pois foi espetacular. De onde estavamos vimos que foi fantastico, mas tenho certeza que para aqueles que estavam aos pés da torre a experiência deve ter sido no minimo arrebatadora...

penso que agora entendo porque eu desaconselho o Reveillon em Paris. Acho que porque eu esperava ver na virada do ano um espetaculo comparavel ao que eu vi ontem...

Mudanças de endereço!!!! 2

No segundo dia de estagio eu estava tao ou mais ferrado quanto no anterior. O ponteiros do relogio pareciam estar parados. Sensaçao terrivel...

Pelo menos o trabalho me poupou de ver a maior parte do papelao que o Brasil fez nas quartas de final da copa do mundo. Jantei o resto da sopa do dia anterior (boa como sempre) e terminei a arrumaçao da mala. A "bagunça residual" do quarto foi devidamente encaixotada e enfiada debaixo da cama.

Eu deixava Nantes. Nao é que eu nao goste dela, mas eu tinha uma sensaçao de que eu precisava tirar férias. Férias dela. Eu ja passaria dois meses estagiando, entao queria ao menos passar esse tempo todo em uma cidade que pudesse me oferecer mais. Dai a razao de eu ter pedido ao meu chefe para estagiar em Paris.

Aqui eu estou sendo hospedado por um amigo meu da Federal do Ceara e companheiro de PET (Programa de Ensino Tutorial), o Romulo. Ele e o Nathan, igualmente ex-petiano e colega da equipe de aerodesign Aeromec, sao os dois alunos da engenharia mecanica da UFC que vieram na mesma epoca que eu para a França para fazer o programa Brafitec. Eles estudam na ENSAM (Ecole Nationale Superieure des Arts et Métiers) e moram na Laison des Arts et Métiers, dentro dum complexo residencial estudantil ao sul de Paris chamado de Cité Universitaire.

Meu estagio aqui consiste em desenvolver um aplicativo iPhone para relatar perturbaçoes numa linha de onibus de Nantes. Ele tem a grande vantagem de ser um trabalho intelectual e nao "braçal", como é o esperado para esse primeiro estagio. O grande problema é que eu nao sou familiarizado com a linguagem e as ferramentas necessarias para fazer o problema. E, pasmem, ninguem na minha empresa é. Eu fui contratado para aprender a fazer o serviço e ensinar antes de ir embora. Segundo meu chefe isso é infinitamente mais barato do que contratar alguem para fazer o serviço, coisa que ele também faz, mas com a vantagem adicional (para mim) de ser um estagio. Ele diz que nao é dramatico se eu nao conseguir terminar e que isso é até esperado.

Eu gozo de uma série de privilégios no trabalho. Explico-me. A funçao do escritorio em Paris é servir como local de reunioes com parceiros de nivel nacional e, via de regra, ninguém trabalha aqui. Isso significa que eu fico sozinho no escritorio. Isso também me da o direito de nao vir ao escritorio se eu quiser, salvo esporadicamente para ver se tudo esta em ordem, e trabalhar em casa. A unica condiçao é que eu faça o meu trabalho.

Eu tento me forçar a vir, para criar uma rotina de trabalho. Infelizmente na minha primeira semana eu tive alguns dissabores com o sistema de transporte publico de Paris. O pagamento do meu passe de transporte mensal nao funcionou e enquanto eu aguardava a fatura do meu cartao pra saber se ela tinha sido descontada ou nao eu usei tiquets de metro normais. Apos duas viagens de ida e volta sem problema algum, fui bloqueado numa catraca no terceiro dia. Uma fiscal da empresa disse que eu estava ilegal, que aqueles tiquetes nao valiam para aquela regiao e que eu deveria pagar 25 euros de multa (a recusa em pagar a multa implicava em pagar uma multa posterior de 47 euros). Bingo! Tirei a sorte grande. Isso, juntamente com a dificuldade do estagio, me abateu profundamente na semana passada.

O meu humor melhorou um pouco depois de uns dois dias de boemia, mas sobretudo depois de encontrar o Igor. Ele é um colega meu da Centrale Nantes, um expoente niponico da Engenharia de Computaçao da Politécnica da USP (mais brevemente: POLI). Enquanto eu tentava explicar a minha dificuldade para ele, eu subitamente entendi uma série de conceitos que nao havia entendido antes. Ainda assim, eu nao consigo sair do canto. A linguagem é extremamente complexa e o proprio Igor confirmou isso, mas pelo menos agora eu sou capaz de decifrar varias linhas de codigo que antes nao tinham sentido algum para mim.

A vida segue em Paris, numa atmosfera muito mais elétrica que a de Nantes. A cidade é extremamente cosmopolita e rica e eu nao me canso de certas coisas daqui. Uma delas é contemplar a Torre Eiffel, coisa que eu fiz duas vezes na semana passada... A minha vida desregrada dos primeiros dias vai entrando nos trilhos e tudo vai se ajeitando.

Mudanças de endereço!!!!

Fim do semestre, periodo louco, mil provas, dez mil trabalhos, todo mundo arrancando os cabelos... Além de todos esse problemas academicos impostos pela escola uma série de outros problemas de ordem pratica nos tiram do sério.

Era uma quarta feira, as ultimas provas aconteceram pela manha. E chegada a hora de se mudar. Depois de infinitas viagens carregando moveis na cabeça e dentro do bonde, chega um momento em que ano da mais e um carro se faz necessario. Optamos por alugar uma caminhonete para fazer a fase final da mudança: levar a geladeira, e a maquina de lavar e esvaziar os apartamentos de cada um na residencia.

Uma tarde e uma noite para comprar a geladeira e mais outros moveis que faltavam e a madrugada miou ao mesmo tempo em que esvaziavamos nossos quartos. Foram inumeras as viagens feitas, pois a caminhonete so tinha espaço para duas pessoas. Eu e o Vladimir nos revezavamos no banco do carona enquanto o Thiago dirigia para la e para ca. Quando chegavamos no apartamento novo, nos limitavamos a jogar o conteudo da caminhonete na garagem e deixar a organizaçao para depois. A Katinka ajudou no começo, mas depois se colocou à margem. Agravante: o meu estagio e o do Vladimir começariam na quinta, no dia seguinte, e ja estava claro que nao dormiriamos.

O meu estagio seria em Paris, mas eu deveria fazer os deois primeiros dias em la Chapelle sur Erdre. So na sexta à noite eu iria a Paris. E isso era outro problema a ser resolvido: além da mudança de endereço em Nantes, eu deveria fazer minhas malas para passar dois meses em Paris. Para isso eu precisava organizar o meu quarto o minimo possivel, encontrar tudo o que me seria necessario em Paris e, ai sim, organizar minha mala. Foi por isso que na ultima descarga da caminhonete (às 6:30) o Thiago e o Vladimir voltaram e eu fiquei no apartamento. Durante meia-hora eu tentei loucamente por alguma ordem no cenario de guerra que era o meu quarto outrora vazio. Esforço vao. Fui para o estagio com uma noite de sono cortada da minha vida e uma bagunça imensa por organizar.

Evidentemente, trabalhar nessas condiçoes nao foi nada agradavel. O dia se arrastou e eu nao produzi absolutamente nada. Fico feliz que ninguem tenha me visto (ou me repreendido) enquanto eu dava micro-cochilos. Voltei para casa no fim do dia e recomecei a oraganizaçao. A Katinka chegou logo em seguida e começou no quarto dela. O Vladimir ligou dizendo que estava chegando e me pediu para comprar cerveja para comemorarmos a mudança. Eu falei que ele estava louco, que eu precisava trabalhar no dia seguinte, que eu precisava fazer minhas malas. Apos alguns poucos minutos de discussao, evidentemente, eu parei o que estava fazendo e fui comprar a bendita cerveja...

A Katinka foi embora por nao lembro qual motivo e ficamos eu e o Vlado por la... Cadeiras na varanda, pés sobre o parapeito, cervejas na mao. A bagunça e uma mala semi-feita ainda me esperavam no quarto, mas a nuvem de sono que pairava em cima dos meus olhos estava se dissipando. Era impossivel nao se deleitar com aquele momento: aquele apartamento era finalmente nosso. Passamos algumas horas ali, jogando conversa fora e esvaziando garrafas. Falavamos da vida, dos nossos planos pro segundo ano, de como estavamos preparando nossa casa para receber visitas dos novatos, de como o nosso primeiro ano tinha se passado. Bebiamos cerveja e tomavamos sopa russa, preparada na cozinha improvisada às nossas costas.

O Thiago chegou mais tarde, depois de muita enrolaçao e atraso (como sempre), mas a tempo de tomar as ultimas garrafas da noite. Ja passava de 3:00 da manha e o peso da vigilia da noite anterior se fazia sentir novamente. Arrumei mais algumas coisas e dei boa noite aos caras. Me deitei na minha cama, no meu colchao e dormi minha primeira noite na nossa casa. Ao me levantar de manha, o Thiago dormia o sono dos justos na cama dele e o Vladimir saia pro estagio. Finalmente tomavamos posse do apartamento.


P.S.: Eu nao desaprendi a escrever. Eu estou usando um teclado padrao frances (AZERTY), que é bem diferente do padrao americano ao qual estamos habituados (QWERTY) e por isso o texto esta assim; carecendo de acentos.