Paris

Eu andei olhando uns posts antigos e me deparei com o primeiro que eu publiquei aqui no blog. Nele eu dizia que ao chegar em Paris para fazer correspondência de trem achei tudo muito bonito, mas nao senti que aquela seria minha casa.

Praticamente um ano depois, vejo que Nantes nunca foi minha casa, como eu disse num dos posts sobre o novo apartamento. E so agora sinto ter um lar em Nantes. Depois de quase 11 meses por la eu decidi fazer meu estagio em alguma outra cidade, pois sabia que se eu ficasse eu sufocaria e nao aguentaria começar um segundo ano na mesma cidade sem mudar de ares. E ca estou eu em Paris. A capital evidentemente é muito maior e tem muito mais coisa para fazer, mas o principal motivo para eu ter vindo foi rever meus amigos e isso eu ja havia dito antes.

E amanha eu deixo a cidade luz para voltar pra Nantes. As ultimas seis semanas foram especiais, embora eu tenha escrito muito pouco aqui no blog e nao tenha tirado uma unica fotografia sequer, a despeito de trer trazido a câmera.

Durante um mês e meio eu me submeti a um enduro fisico. Descobri que meu corpo é capaz de carburar alcool e fast-food em proporçoes pantagruelicas. Dividi um quarto de 9m2, onde eu dormia numa cama de armar, com metade do corpo enfiado debaixo de uma mesa, pois nao havia outro lugar para colocar a cama. Raras foram as vezes que eu dormi num colchao. Passei por noites deliberadamente insones. Senti na pele os prazeres e dores de uma vida boêmia e desregrada.

Durante um mês e meio eu senti os espinhos de ser um iniciante face às dificuldades do meu estagio. Foi bastante duro trabalhar com programaçao de iPhones, algo completamente novo para mim, ainda que eu gozasse de bastante flexibilidade de horarios e prazos. Algumas vezes cheguei até a ter pesadelos onde um iPhone e um monitor cheio de linhas de codigo incompreensivel apareciam. Saboreei o sucesso de fazer um aplicativo que funcionasse apos um mês de trabalho, para logo em seguida embarcar no desafio do aplicativo seguinte.

Durante um mês e meio dei um mergulho no Brasil. Comi churrasco e feijoada, com direito até a farofa. Conheci muita gente. Cantei pagode. Tomei caipirinha (com cachaça 51). Digo mais, isso foi uma imersao ans minhas raizes nordestinas. Integrei um grupo de menos de meia duzia de nordestinos que sozinhos eram responsaveis por mais da metade de todas as palhaçadas e brincadeiras da roda. Saudade desse nosso jeito moleque de cearense sintetizavel numa unica interjeiçao ("yeiiiiiiiiiiiii"). Saudade também de poder falar as girias da minha terra com o meu sotaque e no meu ritmo sem passar pela estranheza de ser o unico a fazer isso.

Durante um mês e meio procurei viver minhas aventuras. Em uma aposta numa mesa de bar, fiz um camarada correr nu ao redor do gramado da Cité Universitaire apos ter virado (quase!) um litro de cerveja branca. Ele aceitou pagar a aposta ainda que eu nao tenha virado toda a caneca e eu resolvi acompanha-lo no pagamento por solidariedade. Duas criaturas branquelas numa corrida louca e esbaforida, cuecas nas maos e sebo nas canelas, arrancando aplausos de conhecidos e estranhos entre uma passagem e outra dos seguranças.

Durante um mês e meio as aventuras me procuraram, mesmo quando eu nao as procurei. Andei de carro de policia pela primeira vez e também fui pela primeira vez a um tribunal. Isso depois de ter sido agredido por dois desses tipos marginais oriundos do processo desastroso de descolonizaçao e da politica de imigraçao mal conduzida da França. No final eu sai ganhando: tenho historia pra contar e talvez tenha 1000 euros no bolso no fim do mês que vem como indenizaçao por danos morais e fisicos. Antes que alguém pergunte, eu estou bem e nao aconteceu nada.... =)

Durante um mês e meio acompanhei o drama dos meus amigos, que tiveram seus estagios abruptamente interrompidos por uma decisao autoritaria e pouco clara da UFC, ainda que toda a legislaçao estivesse em favor deles. Momentos nos quais muitos partilharam prantos e reminiscências, enquanto aqueles que ficam sentiam precocemente a ausencia dos que partirao. E Paris parece ficar mais cinza sem um nordestino para alegrar a Maison des Arts et Métiers.

Durante um mês e meio historias pequenas e grandes. Um desfile militar sob a chuva. Uma multa injusta da concessionaria de transporte publico. As caminhadas voltando pela madrugada. As cançoes (afinadas ou nao) acompanhadas pelo violao, que passou praticamente esse tempo todo com uma corda faltando. As "cagadas de pau". Os jogos da copa. Os vinhos de 2 euros. Os vinhos de 4 euros acompanhados pelos queijos de 2 euros. Os desolés nas portas dos bares. As caminhadas pelas ruas mais estreitas e desconhecidas que podiamos encontrar.

Obrigado a todos que tornaram esse periodo tao especial. Esta lista certamente exclui alguns, pois minha memoria ainda nao é digital, e com alguns eu tive muito mais contato do que com outros. Alguns dos citados sequer falam português e nunca verao o blog (dois deles porque eu acho que nao tem internet na prisao), mas agradeço ainda assim. A lista nao obedece a nenhuma ordem especifica.


Residentes da Maison des Arts et Métiers e agregados:
Alexis
Alice
Ana Luisa
Arielly
Bruno
Carlos Breno "CB"
Edson
Ewerton
Fernando
Francisco "Cet Homme" Jonas
Guillaume
Isabella
Jean Patrick
Johann
Ju
Luique
Luiz "Doro"
Marcel
Nathan
Pedro "Master"
Rafael
Regina
Romulo
Sofia
Tamires
Thaisa

Pessoal de Nantes e agregados:
Adrian
Flavio
Ielena
Igor
Natalya
Ricardo
Vladimir

Maison des Industries Adro-Alimentaires (MIAA) e agregados:
Ana
Barbara
Erika
Iuri
Lais
Larissa
Pedro

Outras escolas:
Carlos
Dani
Estevao
Eugénie
Luiz Fernando
Monise
Odile
Raul
Rodrigo

Penitenciaria de Paris:
Wilfried BRANDENBERGER, pela cabeçada no nariz
William GEHRINGER, pela canetada no cou
E pela indenizaçao que vocês vao pagar
=)

Hospedagem de bixos

Nao sei quantos dos bixos de Nantes estao na comunidade Orkut do Duplo Diploma 2010, entao repito aqui para quem por ventura nao tenha visto. Se alguém estiver precisando de hospedagem aqui vai uma lista dos veteranos que se dispoe a hospedar e a partir de quando, junto com os os respectivos contatos:

Angelo (06 01 37 25 92): a partir do dia 29
Flavio (06 17 37 20 54): desde ja
Kaique (06 46 49 51 89): a partir do dia 27
Thiago (06 37 18 97 81): a partir do dia 29

Se alguém souber de mais pessoas interessadas e que nao tenham acesso à este blog ou sei la o que, por favor repassem os nossos contatos.

Abraço

Guia de bixo, o post definitivo

Um dos meus objetivos com este blog era dar o maximo de informaçoes possiveis a quem quer que venha fazer intercâmbio aqui na França. Por isso existe a coluna "guia de bixo" por aqui.

Mas estava eu aqui fuçando na internet e terminei achando um documento Associaçao dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na França. Trata-se de um guia com 130 paginas de informaçao sobre os mais variados aspectos da vida de um estudante na França que faz meu bloguinho parecer brincadeira de criança.

Vou continuar fazendo meus posts de guia de bixo, mas recomendo fortemente para quem tiver tempo (e disposiçao) dar uma lida no documento.

14 de julho

Em 1789 os revolucionarios tomaram a Prisao da Bastilha e o dia da empreitada, o 14 de julho, tornou-se a data da festa nacional francesa.

E aqui estava eu em Paris , curtindo meu feriado, encontrando os amigos... Resolvi assistir ao desfile militar na Avenida Champs Elysées. Nada de especial em assistir a um defile militar, na verdade. Mas essa experiência toda tem sido uma fonte inesgotavel de frases do tipo "aqui foi a primeira vez que eu fiz..." e eu resolvi adicionar à lista:

"Foi na França a primeira vez que eu participei de um desfile militar como expectador"


Apos oito anos desfilando e mais metade desse periodo abominando quase qualquer coisa de origem militar, eu resolvi quebrar o jejum. Fui para avenida com meus amigos da Escola, alguns deles de passagem e outros estagiando como eu. Vi tudo o que eu ja conhecia, mas dessa vez pelo outro lado da cerca.

Alguns fatos merecem ser observados:
  • O calor é o mesmo do lado de fora e, embora nao estivesse trajando um uniforme de gala, a proximidade da multidao potencializava o efeito...
  • Falando em multidoes: estar no meio de uma multidao na França durante o verao pode ser uma experiencia traumatica para o seu sistema olfativo.
  • Para conseguir um bom lugar no publico é necessario sofre quase o mesmo tanto que o pessoal que desfila, mas sem o glamour de ser aplaudido.
Conclusao: tirando as semanas de preparaçao para o desfile e todo o sofrimento da vida militar, é muito mais confortavel desfilar que assistir ao desfile.

Intrigante mesmo foi o quanto o desfile me agradou. Apos uma longa espera sob o sol, o desfile começou ao mesmo tempo em que o céu começou a desabar em toneladas de chuva. Melhor pra mim, pois enquanto as pessoas se abrigavam eu ia conseguindo um local cada vez melhor para assistir (e roupas que rapidamente foram de molhadas a encharcadas).

Primeiramente aconteceu o desfile da Aeronautica, mas sob nossas cabeças. Pelo menos 50 aeronaves passaram sob a avenida, sendo o primeiro grupo formado por nove caças que pintaram as cores da França com fumaça sobre os Champs Elysées. Foi realmente deslumbrante, ao menos para um apaixonado por aviaçao como eu, ver a silhueta de um Rafale passar sobre mim e escutar o ronco das suas turbinas.

Em seguida, um regimento de cavalaria com ao menos 100 cavaleiros e uma banda montada inclusa abriram o desfile de terra. Eles foram seguidos de grupamentos de exércitos de naçoes africanas convidadas para o desfile. Todas elas ex-colonias francesas comemorando 50 anos de independencia.

Os grupamentos se seguiram, um a um, sem obedecer a uma ordem precisa de Marinha-Exército-Aeronautica-Policia-Bombeiros como no Brasil. Escolas de cadetes, grupamentos de montanha, alunos de escola de engenharia... O que se percebia logo de cara é que dentre todas as forças os bombeiros sao os mais admirados por aqui e foram os unicos que foram consistentemente aplaudidos.

O desfile a pé se encerrou com a Legiao Estrangeira, a tropa que eu mais queria ver. A Legiao marcha na cadencia de uma cançao deles, bem lenta, bastante particular... Eles marcham numa velocidade muito inferior à de todos os demais grupamentos e, por essa razao, eles fazem um percurso menor para nao atrapalhar o desfile. Eu dei o azar de me posicionar antes do local de entrada da Legiao e a unica coisa que eu vi deles foi as nucas.

O regimento de cavalaria passou mais uma vez, desta vez anunciando o desfile motorizado. Foi muito interessante ver os carros, os blindados e os tanques, mas confesso que nao me empolgou tanto quanto o desfile a pé.

Findo o desfile em terra, novo desfile no céu. Diversos esquadroes de helicopteros passaram sobre a avenida e sob uma chuva assustadoramente grossa. Apos a passagem do ultimo grupo de helicopteros, o sol deu as caras (obrigado, Murphy) e um derradeiro helicoptero passou la no alto projetando para-quedistas. cada um deles trazia uma bandeira de um dos paises africanos convidados.

Na entrada do metro, no meio da multidao que tentava deixar o lugar eu vi que meu celular tinha entrado em coma... Fui com o pessoal do até um McDonald's e pegamos (muita chuva) saindo do metro. Ressucitei o meu aparelho com a ajuda do secador elétrico do banheiro. para completar o programa de indio, voltamos de onibus porque o metro inundou com tanta agua.

Retornei à Maison des Arts et Métiers, onde estou hospedado, e descansei praticamente a tarde inteira e o começo da noite. Meus colegas planejaram de ir à Torre Eiffel para ver a tradicional queima de fogos, marcada para as 23:00. Horario previso de chegada: 20:30. Eu ja estava farto de muvuca por aquele dia e decidi ir com o pessoal da ENSAM para um local mais afastado, mais calmo e onde poderiamos chegar mais tarde. Confesso que eu fiquei com inveja da galera da Centrale que foi para perto, pois foi espetacular. De onde estavamos vimos que foi fantastico, mas tenho certeza que para aqueles que estavam aos pés da torre a experiência deve ter sido no minimo arrebatadora...

penso que agora entendo porque eu desaconselho o Reveillon em Paris. Acho que porque eu esperava ver na virada do ano um espetaculo comparavel ao que eu vi ontem...

Mudanças de endereço!!!! 2

No segundo dia de estagio eu estava tao ou mais ferrado quanto no anterior. O ponteiros do relogio pareciam estar parados. Sensaçao terrivel...

Pelo menos o trabalho me poupou de ver a maior parte do papelao que o Brasil fez nas quartas de final da copa do mundo. Jantei o resto da sopa do dia anterior (boa como sempre) e terminei a arrumaçao da mala. A "bagunça residual" do quarto foi devidamente encaixotada e enfiada debaixo da cama.

Eu deixava Nantes. Nao é que eu nao goste dela, mas eu tinha uma sensaçao de que eu precisava tirar férias. Férias dela. Eu ja passaria dois meses estagiando, entao queria ao menos passar esse tempo todo em uma cidade que pudesse me oferecer mais. Dai a razao de eu ter pedido ao meu chefe para estagiar em Paris.

Aqui eu estou sendo hospedado por um amigo meu da Federal do Ceara e companheiro de PET (Programa de Ensino Tutorial), o Romulo. Ele e o Nathan, igualmente ex-petiano e colega da equipe de aerodesign Aeromec, sao os dois alunos da engenharia mecanica da UFC que vieram na mesma epoca que eu para a França para fazer o programa Brafitec. Eles estudam na ENSAM (Ecole Nationale Superieure des Arts et Métiers) e moram na Laison des Arts et Métiers, dentro dum complexo residencial estudantil ao sul de Paris chamado de Cité Universitaire.

Meu estagio aqui consiste em desenvolver um aplicativo iPhone para relatar perturbaçoes numa linha de onibus de Nantes. Ele tem a grande vantagem de ser um trabalho intelectual e nao "braçal", como é o esperado para esse primeiro estagio. O grande problema é que eu nao sou familiarizado com a linguagem e as ferramentas necessarias para fazer o problema. E, pasmem, ninguem na minha empresa é. Eu fui contratado para aprender a fazer o serviço e ensinar antes de ir embora. Segundo meu chefe isso é infinitamente mais barato do que contratar alguem para fazer o serviço, coisa que ele também faz, mas com a vantagem adicional (para mim) de ser um estagio. Ele diz que nao é dramatico se eu nao conseguir terminar e que isso é até esperado.

Eu gozo de uma série de privilégios no trabalho. Explico-me. A funçao do escritorio em Paris é servir como local de reunioes com parceiros de nivel nacional e, via de regra, ninguém trabalha aqui. Isso significa que eu fico sozinho no escritorio. Isso também me da o direito de nao vir ao escritorio se eu quiser, salvo esporadicamente para ver se tudo esta em ordem, e trabalhar em casa. A unica condiçao é que eu faça o meu trabalho.

Eu tento me forçar a vir, para criar uma rotina de trabalho. Infelizmente na minha primeira semana eu tive alguns dissabores com o sistema de transporte publico de Paris. O pagamento do meu passe de transporte mensal nao funcionou e enquanto eu aguardava a fatura do meu cartao pra saber se ela tinha sido descontada ou nao eu usei tiquets de metro normais. Apos duas viagens de ida e volta sem problema algum, fui bloqueado numa catraca no terceiro dia. Uma fiscal da empresa disse que eu estava ilegal, que aqueles tiquetes nao valiam para aquela regiao e que eu deveria pagar 25 euros de multa (a recusa em pagar a multa implicava em pagar uma multa posterior de 47 euros). Bingo! Tirei a sorte grande. Isso, juntamente com a dificuldade do estagio, me abateu profundamente na semana passada.

O meu humor melhorou um pouco depois de uns dois dias de boemia, mas sobretudo depois de encontrar o Igor. Ele é um colega meu da Centrale Nantes, um expoente niponico da Engenharia de Computaçao da Politécnica da USP (mais brevemente: POLI). Enquanto eu tentava explicar a minha dificuldade para ele, eu subitamente entendi uma série de conceitos que nao havia entendido antes. Ainda assim, eu nao consigo sair do canto. A linguagem é extremamente complexa e o proprio Igor confirmou isso, mas pelo menos agora eu sou capaz de decifrar varias linhas de codigo que antes nao tinham sentido algum para mim.

A vida segue em Paris, numa atmosfera muito mais elétrica que a de Nantes. A cidade é extremamente cosmopolita e rica e eu nao me canso de certas coisas daqui. Uma delas é contemplar a Torre Eiffel, coisa que eu fiz duas vezes na semana passada... A minha vida desregrada dos primeiros dias vai entrando nos trilhos e tudo vai se ajeitando.

Mudanças de endereço!!!!

Fim do semestre, periodo louco, mil provas, dez mil trabalhos, todo mundo arrancando os cabelos... Além de todos esse problemas academicos impostos pela escola uma série de outros problemas de ordem pratica nos tiram do sério.

Era uma quarta feira, as ultimas provas aconteceram pela manha. E chegada a hora de se mudar. Depois de infinitas viagens carregando moveis na cabeça e dentro do bonde, chega um momento em que ano da mais e um carro se faz necessario. Optamos por alugar uma caminhonete para fazer a fase final da mudança: levar a geladeira, e a maquina de lavar e esvaziar os apartamentos de cada um na residencia.

Uma tarde e uma noite para comprar a geladeira e mais outros moveis que faltavam e a madrugada miou ao mesmo tempo em que esvaziavamos nossos quartos. Foram inumeras as viagens feitas, pois a caminhonete so tinha espaço para duas pessoas. Eu e o Vladimir nos revezavamos no banco do carona enquanto o Thiago dirigia para la e para ca. Quando chegavamos no apartamento novo, nos limitavamos a jogar o conteudo da caminhonete na garagem e deixar a organizaçao para depois. A Katinka ajudou no começo, mas depois se colocou à margem. Agravante: o meu estagio e o do Vladimir começariam na quinta, no dia seguinte, e ja estava claro que nao dormiriamos.

O meu estagio seria em Paris, mas eu deveria fazer os deois primeiros dias em la Chapelle sur Erdre. So na sexta à noite eu iria a Paris. E isso era outro problema a ser resolvido: além da mudança de endereço em Nantes, eu deveria fazer minhas malas para passar dois meses em Paris. Para isso eu precisava organizar o meu quarto o minimo possivel, encontrar tudo o que me seria necessario em Paris e, ai sim, organizar minha mala. Foi por isso que na ultima descarga da caminhonete (às 6:30) o Thiago e o Vladimir voltaram e eu fiquei no apartamento. Durante meia-hora eu tentei loucamente por alguma ordem no cenario de guerra que era o meu quarto outrora vazio. Esforço vao. Fui para o estagio com uma noite de sono cortada da minha vida e uma bagunça imensa por organizar.

Evidentemente, trabalhar nessas condiçoes nao foi nada agradavel. O dia se arrastou e eu nao produzi absolutamente nada. Fico feliz que ninguem tenha me visto (ou me repreendido) enquanto eu dava micro-cochilos. Voltei para casa no fim do dia e recomecei a oraganizaçao. A Katinka chegou logo em seguida e começou no quarto dela. O Vladimir ligou dizendo que estava chegando e me pediu para comprar cerveja para comemorarmos a mudança. Eu falei que ele estava louco, que eu precisava trabalhar no dia seguinte, que eu precisava fazer minhas malas. Apos alguns poucos minutos de discussao, evidentemente, eu parei o que estava fazendo e fui comprar a bendita cerveja...

A Katinka foi embora por nao lembro qual motivo e ficamos eu e o Vlado por la... Cadeiras na varanda, pés sobre o parapeito, cervejas na mao. A bagunça e uma mala semi-feita ainda me esperavam no quarto, mas a nuvem de sono que pairava em cima dos meus olhos estava se dissipando. Era impossivel nao se deleitar com aquele momento: aquele apartamento era finalmente nosso. Passamos algumas horas ali, jogando conversa fora e esvaziando garrafas. Falavamos da vida, dos nossos planos pro segundo ano, de como estavamos preparando nossa casa para receber visitas dos novatos, de como o nosso primeiro ano tinha se passado. Bebiamos cerveja e tomavamos sopa russa, preparada na cozinha improvisada às nossas costas.

O Thiago chegou mais tarde, depois de muita enrolaçao e atraso (como sempre), mas a tempo de tomar as ultimas garrafas da noite. Ja passava de 3:00 da manha e o peso da vigilia da noite anterior se fazia sentir novamente. Arrumei mais algumas coisas e dei boa noite aos caras. Me deitei na minha cama, no meu colchao e dormi minha primeira noite na nossa casa. Ao me levantar de manha, o Thiago dormia o sono dos justos na cama dele e o Vladimir saia pro estagio. Finalmente tomavamos posse do apartamento.


P.S.: Eu nao desaprendi a escrever. Eu estou usando um teclado padrao frances (AZERTY), que é bem diferente do padrao americano ao qual estamos habituados (QWERTY) e por isso o texto esta assim; carecendo de acentos.

Residência no segundo ano: post prático

Estou feliz. Massa, mas isso não te ajuda muito, não é, caro novato? Então discutamos um pouco essa aventura que é achar residência pro segundo ano.


Locação ou colocação?

Uma das primeiras perguntas a ser respondida é se você quer morar sozinho ou com colegas (colocação). Há três anos todos os alunos brasileiros de Duplo Diploma moravam em apartamentos individuais. Há dois anos todos moravam sozinhos, exceto três que moravam em colocação. No ano passado apenas dois moravam em apartamentos individuais. Na minha turma todos vão morar em colocação.

Para habitar em colocação é necessário achar um imóvel cujos proprietários estejam dispostos a assumir esse tipo de locação. As opções mais populares geralmente são os apartamentos no centro, pois permitem vivenciar o clima da cidade. O trajeto diário até a escola pode ser um ponto contra, mas nada que seja realmente incoveniente. A colocação é bem interessante, pois você tem que aprender a compartilhar e a conviver com pessoas que você não conhece há mais do que um ano. Isso, evidentemente, tem prós e contras e depende da sua afinidade com as demais pessoas e a sua predisposição para morar com "desconhecidos".

A colocação parece ser uma tendência, mesmo entre os franceses, mas não é uma unanimidade. Aqueles que prezam a individualidade podem ser seduzidos pela idéia de morar sozinho. As possibilidades são inúmeras: alugar um estúdio em praticamente qualquer lugar da cidade, morar em um foyer (banheiro e cozinha compartilhados) ou em uma residência universitária cheia de gente na mesma situação. Morar sozinho não significa necessariamente morar isolado e pode sim ser uma boa oportunidade de fazer amigos, sobretudo nas residências universitárias. Para procurar um estúdio o procedimento é basicamente o mesmo que procurar um apartamento para colocação. Já as residências universitárias são normalmente reservadas através de órgãos de apoio aos estudantes, como o CROUS.


Onde achar o apartamento?

A opção mais popular para conseguir um apartamento é tentar substituir uma colocação de veteranos. Isso é feito através de um acordo com o proprietário e assim que os veteranos deixarem o imóvel o contrato dos novos locatários começa. A grande vantagem disso é pegar um apartamento conhecido e com referências dos veteranos. No entanto, é preciso prestar atenção ao tal do acordo, que muitas vezes é simplesmente verbal. Meu grupo pegaria uma casa para cinco pessoas num bairro extremamente bem localizado, a meio caminho entre a escola e o centro. Tínhamos um acrodo com os proprietários, mas eles decidiram colocar outro grupo no nosso lugar sem ao menos ter a decência de nos avisar. O motivo nós descobrimos pouco depois: xenofobia.

Se pegar uma colocação de veteranos não for possível é necessário procurar um apartamento. O ideal é procurar anúncios de particulares, pois é mais barato e menos burocrático. Recorrer a agências imobiliárias dá acesso a um leque maior de opções mas é mais caro, pois além da caução ao proprietário é necessário pagar uma taxa extra (e bem salgada) para a imobiliária.

Nós utilizamos outra opção, que desconhecíamos até então. Existe aqui uma agência imobiliária chamada Logéka. Ela tem muitos anúncios, pois diferentemente das demais agências ela não cobra taxa para os proprietários anunciarem sus imóveis. Isso evidentemente tem um porém: os locatários têm que pagar 160 euros para ter acesso a lista de imóveis disponíveis com o contato direto dos proprietários, mas sem ter sequer certeza de que vão achar algo que lhes interesse. É perigoso, mas oferece a vantagem de tratar diretamente com os proprietários sem ter que pagar taxas pra uma agência imobiliária. Demos sorte e encontramos um apartamento muito bom e que nos agradou muito.


Como mobiliar?

Se você conseguir um apartamento mobilhado, ótimo. Se não, é um pouquinho mais trabalhoso, mas não é impossível. De qualquer forma, mobilhado ou não, todo mundo termina comprando móveis. O que se faz habitualmente é comprar móveis dos veteranos. Costuma ser num preço justo e eles têm necessidade de vender antes de ir embora, então é conveniente para todo mundo.

As outras opções são comprar móveis novos em lojas especializadas (IKEA, Conforama, etc...). O chato de comprar móveis novos é que eles são caros, mas o investimento pode ser em parte recuperado na revenda no fim do segundo ano.

Optamos por procurar primeiro móveis usados. A primeira alternativa que pensamos foram as feiras "vide grenier" (esvazia sótão, algo como as feiras de garagem que vemos tipicamente nos filmes americanos). Para comprar móveis os "vide grenier" revelaram-se um fiasco, mas mostraram-se muito úteis para comprar outras coisas para a casa como louças, cortinas, luminárias, roupa de cama, etc...

A melhor opção para nós, no entanto, foi o site leboncoin.fr. Lá você pode encontrar mil tipos de coisas de segunda mão, inclusive móveis. Como nesta época tem muita gente se mudando a oferta de móveis é bem grande e não é raro encontrar móveis de qualidade vendidos a preços baixos por que os donos precisam vender logo. Até agora não copramos um único móvel novo e basicamente todos foram conseguidos através desse site. O incoveniente é que geralmente o transporte dos móveis é por conta dos c transportados à moda "lombo de jumento" pelas ruas desta pacata cidade e diante dos olhares supresos e por vezes incrédulos dos habitantes. Os últimos três dias foram bem movimentados e rodamos uma boa quilometragem com móveis nas nossas cabeças ou fazendo malabarismo para enfiar tudo dentro do bonde.

E quando as minhas forças e as do Thiago estavam se exaurindo, o Vladimir, um monstro incansável e de força descomunal, continuava carregando o peso nas costas. Inacreditável.


Como conseguir um fiador?

A maior parte dos proprietários exigem um fiador para a assinatura do contrato. Esse papel normalmente cabe aos pais, algo que não pode ser feito no nosso caso. A opção que resta aos estrangeiros então é procurar um fiador em uma instituição de apoio aos estudantes. Na associação de alunos da nossa escola conseguimos o contato para encontrar um fiador com o governo da região. O inconveniente é que a burocracia é muito grande e por isso algumas imobiliárias não aceitam esse procedimento.

Se você der uma choradinha, disser que o fiador do governo é muito difícil de conseguir e que a agência está enchendo o seu saco é provável que você consiga um fiador com a própria associação de alunos. Nós resolvemos insistir com o fiador do governo, mas alguns colegas cosneguiram o fiador na escola.


Basicamente essas são as principais questões a serem consideradas. Se lembrar de algo mais eu colocarei por aqui.

Espero que isso seja útil para vocês durante a mudança!

Residência no segundo ano: post emocional

Foi difícil, mas conseguimos um apartamento. Foi um processo longo e cheio de percalços, incluindo a dissolução do grupo inicial de locatários, um acordo verbal descumprido por proprietários de um apartamento que nos interessava (desconfiamos seriamente de xenofobia) e uns bons momentos de desespero. Finalmente, no início deste mês conseguimos o apartamento.


Verdade seja dita, ele não corresponde à nossa idéia inicial para a moradia do segundo ano. Esperávamos morar em algum lugar entre o centro e a escola e de preferência com um jardim. Terminamos encontrando um apartamento a três paradas do centro, mas na direção oposta à escola. Somos entre os estrangeiros aqueles que morarão mais longe. Falando em estrangeiros, esqueci de falar logo de cara que a nossa colocação é formada exclusivamente de estrangeiros. Um cearense, um carioca (Thiago), um russo (Vladimir) e uma húngara (Katinka).

Achar o apartamento, pagar um seguro, dar um cheque caução, mobilhar, conseguir um fiador, instalar internet, religar a energia elétrica... É tanta coisa que em pouco tempo nos estressamos e temos a impressão de que vamos enlouquecer. E logo em seguida somos arrebatados por outro sentimento, uma alegria imensa: fomos nós que encontramos o apartamento, somos nós que o estamos mobilhando, nós que resolvemos os problemas. Uma sensação de responsabilidade, mas de independência também.

Isto é outro indício, entre tantos outros que essa jornada vem mostrando, da chegada da idade adulta. E ao mesmo tempo a valorização de tudo isso, não é o apartamento que nós queríamos, inicialmente mas é o NOSSO apartamento e cada parede, cada canto passa a ser valorizado. Aos poucos o cheiro do carpete se torna familiar, a fachada virada para o sul, a vizinhança. Vamos nos acostumando a chamar o lugar de "chez nous" (nossa casa), algo que causava estranheza no início mas que agora vai se tornando cada vez mais palpável à medida que os móveis vão sendo comprados e montados. O lugar começa a realmente ficar com a nossa cara e pensar nele passa a ser algo alentador.



Não sei por que, mas meu quarto na residência nunca me fez sentir como se estivesse em casa. Ele sempre me pareceu um quarto alheio. Meu quarto no apartamento novo é diferente. Eu sou capaz de passar uma boa meia hora sentado no carpete de um quarto vazio imaginando onde vou pôr a cama, a escrivaninha, as luminárias e é impossível reprimir um sorriso.

Começo a ficar chato com meu lenga-lenga e meu caso de amor com esse apartamento. Terminemos este texto com fatos. O apartamento se localiza na Ile de Nantes, ilha onde fica boa parte do centro empresarial de Nantes, ao lado do centro da cidade e bem próximo da fronteira sul com as cidades da região metropolitana (ver mapa). Temos 85 m² de área habitável no nível superior, distribuídos em três quartos, uma sala de estar (transformada em quarto), uma pequena sala de jantar, uma cozinha, um WC e uma sala de banho. No térreo uma garagem para dois carros que será aproveitada para os mais diversos fins: garagem de bicicletas, depósito, área de serviço e o lugar onde eu vou colocar minha máquina de remar para que eu e o Vladimir nos exercitemos.

Desculpem-me por este texto meloso e obrigado por me deixarem (ou não) compartilhar isso com vocês.

Aos novatos de Nantes e de outras cidades também, saibam que vocês são muito bem-vindos e que poderão nos visitar quando quiserem.

É isso aí!






Eurão!

Vamos tirar um pouco a poeira deste blog com um post bem útil pro pessoal que vem aqui pra Nantes.

Nestes últimos dias eu tive a sorte de poder conhecer outros brasileiros estudando aqui em Nantes em outras escolas. A maior parte deles mora em uma residência universitária próxima daqui, a Flesche Blanc.

Conversa vai, conversa vem, falando com o Pedro da ENITIAA (escola de engenharia agro-alimentar) descobri o "Eurão". É esse o apelido que a brasileirada dá a um programa de auxílio aos estudantes que acontece todas as quintas feiras numa outra residência universitária próxima, a Violette.

A idéia do "Eurão" é simples: os organizadores recebem doações de supermercados, geralmente produtos com data de validade quase chegando, e repassam aos estudantes. Cada estudante paga um euro para ir ao local da distribuição e pegar uma quantidade racionada de cada artigo. É isso.

Eu fui e devo dizer que as coisas lá não são ruins. São artigos com data de validade pro dia seguinte ou até mesmo pro dia da distribuição, mas em perfeitas condições de consumo. Vagem, cenoura, brócolis, bananas, leite, margarina, manteiga, salsichas, iogurte, arroz, macarrão, pão... Tudo por apenas um euro.

Sinceramente, taí um negócio que vale a pena ser experimentado.

A partida do EI2s

É passado o feriado de páscoa, a primavera chega a seu auge... E os veteranos vão embora. O quarto semestre é curto, pois é necessário fazer o "stage ingénieur", de duração de 4 meses. Do começo de maio até o começo de setembro, que é quando vocês, meus caros bixos, chegarão a escola ficará entregue a nós, os EI1.

É um tempo de despedidas, talvez até de tristeza para alguns... mas também é um tempo para fazer negócio, por que não? E foi o que aconteceu comigo... O Marco, um veterano nosso, pôs um anúncio na lista de emails vendendo uma bicicleta mais uma série de equipamentos por 100 euros e roupas de ski por 50 euros. Havia também uma raquete de tênis e algumas bolas. Três mais oito, noves fora... Fiz umas contas e estava valendo a pena. Eu já queria uma bicicleta há algum tempo e uma seria extremamente últil para vir para a escola no segundo ano. E quanto às roupas de ski, elas não estavam caras e eu já garantiria o equipamento para ir no ski da Fanfrale e no ski da escola no ano que vem. Fechei negócio. E o Igor pegaria o equipamento de tênis.

Chegando lá na casa dele encontrei o apartamento virado de cabeça para baixo. Quando a hora da mudança chega as coisas são assim mesmo... Estávamos eu, o Igor e o Adrian, cada qual procurando algumas coisas para si. Depois de dar aquela averiguada básica nas coisas ele me pergunta "você quer roupa?". Hum, por que não? Catei algumas peças de roupa que me interessavam.

Mas as coisas não pararam por aí....

"Você quer um quadro branco?"
"Você quer uma bandeira do Brasil?"
"Você quer livros?"
"Você quer...?"
"Você quer...?"

O Marco disparava as perguntas a queima roupa. Ele buscava desesperadamente achar um novo dono para cada item que não estava à venda na casa dele, mas que ele não poderia levar com ele. Caso contrário o destino seria o lixo. E isso acontecia inclusive com algumas maravilhosas canecas de vidro de um litro que ele trouxe da Oktoberfest. O espírito "lixeiro" começou a tomar conta de mim. Para completar a confusão, o Carlitos, que morava no mesmo apartamento, me pergunta "você tem saco de dormir"? Pois bem, agora tenho. Uma máquina de remar jazia no chão, tinha sido jogada no lixo pela vizinha deles e supostamente ela voltaria para lá... Não mais.

Eu, o Adrian e o Igor saímos carregados do apartamento deles. Dentro do bonde atraíamos olhares. Não é sempre que se vê três malucos levando tanta tralha.

Ao chegar na residência eu contei brevemente sobre o "Bazar do Tio Marco" para o Thiago. Eu não consegui trazer tudo de uma vez só e voltaria lá nos dias seguintes e o Thiago resolveu ir também para catar algumas coisas para ele também. Aqui vai a pequena lista do que eu sozinho peguei. Atenção, apenas eu:


Pacote de equipamento de ski (50 pilas):
- 2 óculos de ski (um doado para o Thiago)
- 2 pares de meias de frio
- 1 par de luvas de ski
- 1 calça de ski


Pacote de equipamento de ciclismo (100 paus):
- 1 bicileta de 21 marchas
- 5 câmaras de pneu
- 1 bomba de encher pneu
- 2 correias elásticas
- 2 correntes anti-furto
- 2 lanternas embarcáveis
- 1 kit de ferramentas portátil
- 1 capacete
- 1 par de luvas de ciclista
- 2 toucas de ciclismo
- 1 short de ciclista
- 1 calça de ciclista
- 1 jaqueta impermeável
- 1 mochila de ciclista
- 2 garrafas esportivas
- 1 segunda pele para o torso


Contribuir para o reaproveitamento de itens usados e diminuir a quantidade de lixo no planeta (não tem preço):
- 1 bolsa de esporte (usada para trazer as tralhas e que terminou virando doação também)
- 1 bolsa estilo pasta de livros
- 2 camisas sociais
- 1 camisa gola polo com as cores da Mangueira (para finalidades fanfarrísticas)
- 1 bermuda
- 1 saco de dormir
- 1 bandeira do brasil
- 1 kit de pedras semipreciosas brasileiras (doado para o Thiago)
- 1 protetor labial usado pela metade
- 1 cacto
- 1 caneca de 1L "emprestada" da Oktoberfest
- 1 ficha de secagem da lavanderia da residência
- 1 ficha de lavagem da lavanderia da residência
- 1 guia turístico de Praga
- Le père Gorjot, livro de Balzac
- Vários clips de papel
- Várias tachinhas para quadro de cortiça
- Moedas de países diversos
- 1 caixa com sachês de chá de vários sabores
- 1 caixa de caldo de carne
- 1 caixa de caldo de frango
- 1 caixa de caldo de legumes
- 1 colchão para fazer abdominais
- 1 máquina de remar...

É... Acho que foi só isso mesmo. Posso estar esquecendo uma coisinha ou outra, mas o principal é isso. Os meninos levaram outras coisas também, mas não lembro quem exatamente ficou com o que, então não vou separar os pertences:

- Várias canecas da Oktoberfest
- 1 livro de Kafka em alemão
- 1 mapa mundi da Airfrane mostrando as suas principasi rotas (2,50 m de comprimento)
- 1 paletó
- 1 calça de ski feminina
- Vários sacos de dormir
- 1 ficha de lavagem da lavanderia da residência
- 1 ficha de secagem da lavanderia da residência
- 1 raquete de tênis
- 3 bolas de tênis
- 1 luminária esférica
- 1 boné de frio (parecido com o do Chaves)

E isso não é tudo! O Roberto, o nosso eminente músico riograndense, deixou-me o violão dele. Gratuitamente. Com uma condição: que eu passe também gratuitamente para um outro novato no ano que vem. Excelente negócio. E eu confesso que já fazia tempo que eu estava louco para tocar violão de novo.

Mas isso tudo, é claro, tem um custo. Vocês conseguem imaginar o efeito que a chegada dessas coisas todas teve sobre o meu minúsculo quarto de 9 m²? Aqui vão algumas fotos do meu quarto.

A primeira foi tirada numa longínqua tarde de setembro, quando não havia absolutamente nada no apartamento e eu dormi num colchão sem colcha, usando um moleton como travesseiro e um casaco como cobertor:


A segunda foi tirada depois do bazar dos veteranos. Para dormir eu tirava as tralhas de cima da cama e jogava no chão. Ao acordar, eu jogava as tralhas de volta na cama para poder ter onde pisar:


Finalmente, a última sequência foi tirada depois de eu ter organizado todo o caos que estava por aqui:



Pouce d'Or parte 5

Um pequeno preâmbulo

Sim, você leu corretamente. Desta vez, no entanto, não há nada de caronas, de cartazes toscos feitos em papelão nem travessias alucinantes a 150 km/h na periferia de Paris. Mas nem por isso a história que vou contar aqui é menos sem noção.

Durante a competição, uma mulher, que havia experimentado pegar carona pela primeira vez havia pouco tempo, resolveu quebrar também o tabu de dar carona ao ver uma dupla vestida de coletes fluorescentes na beira da rua. Curiosa, ela perguntou do que se tratava e, voilà, ela descobriu o que era o Pouce d'Or.

Não tenho idéia de quem era a dupla, mas a mulher participa de uma ONG da cidade de La Chapelle sur Erdre, região metropolitana de Nantes, chamada de Solidarités Écologie. O objetivo da organização é desenvolver projetos concretos de sustentabilidade na comunidade.

Um dos projetos em curso chama-se Autostop Participatif (Carona Participativa). Os motoristas participantes do projeto colam um pequeno adesivo laranja no retrovisor direito do carro, o que permite a sua identificação pelos pedestres. Estes acenam e pedem uma carona. Pela quantia de 50 cêntimos por 10 km o pedestre embarca e segue viagem. Muitas vezes os motoristas dispensam os passageiros da taxa. Foi em uma ocasião assim que a protagonista dessas histórias, chamada Marianne, pegou sua primeira carona beirando os quarenta anos de idade.


Debatedor? Eu!?

Ok, concordo que até então isso é uma história ordinária, mas vamos aos fatos. A Solidarité Écologie realizaria um debate sobre sustentabilidade no trânisto no dia 5 de maio. O evento contaria com a presença de representantes do poder público e coordenadores de projetos de sustentabilidade. Foi então que a Marianne lembrou da dupla que ela havia conhecido e resolveu entrar em contato com a escola, mandando um email para o presidente do clube que organiza a competição. Dentro de um debate tão sério o papel dos competidores do Pouce d'Or provavelmente seria contar anedotas e quebrar o gelo.

O presidente então nos reenviou há pouco mais de um mês o email recrutando três voluntários e eu me prontifiquei. Da noite pro dia eu virei debatedor em uma mesa-redonda sobre transporte e sustentabilidade. Interessante, não? Junto comigo iria o Raphaël, a minha torcida de um homem só no WEI. O cara é super empolgado com o assunto e já tem um histórico respeitável de viagens de carona.

Uma média de idade... peculiar.

Chegamos ao local marcado, uma sala pública administrada pela prefeitura, com alguns minutos de antecedência. Lá já estavam alguns dos organizadores, um grupo de senhoras. Fato imediatamente constatado por mim e pelo Raphaël: excetuando-se a Marianne todas as outras senhoras haviam passado dos sessenta anos. Em seguida chegam mais dois senhores e a soma das idades dos presentes passou fácil dos 300 anos. Seguiu-se uma breve discussão sobre quem havia pego a chave da sala na prefeitura. Ninguém. Aquilo não estava parecendo a ocasião mais própria para contarmos a história de uma centena de jovens inconsequentes atravessando a Europa de carona.

Ficamos ali no frio do lado de fora da sala enquanto outras pessoas, quase todas organizadores ou debatedores convidados do evento chegavam. Assim chegou o conselheiro geral da cidade, algo como o presidente da Câmara de Vereadores no Brasil. Chegou montado em uma bicicleta com auxílio elétrico o diretor de uma empresa que oferecia soluções inovadoras em transporte sustentável, a Transway. Naquele grupo que já beirava vinte pessoas apenas duas não eram nem organizadores nem debatedores convidados. Se aquilo deveria ser um evento aberto ao público então estava sendo um fracasso. Mais parecia uma reunião rotineira da associação.

O frio piorava e ninguém chegou com a chave. Foi então que o diretor da Transway sugeriu fazer a reunião numa sala na sede da empresa dele. E lá fomos nós.

O debate

A reunião começou com uma explicação sobre o projeto Autostop Participatif e em seguida falou o Conselheiro Geral sobre o site de covoiturage (palavra para definir a ação de dar carona a pessoas que façam o mesmo percurso que você) mantido pelo Conselho da região.

E chegou a nossa vez de falar. Explicamos a competição, contamos anedotas e prendemos a atenção do pessoal por muito mais do que os dez minutos que haviam previsto para nós. Mostramos para alguns deles, ex-caroneiros, que ainda era possível pegar carona e fazer disso uma experiência enriquecedora. De modo geral, a receptividade à nossa participação no debate foi imensa.

Próximo da fila: o nosso anfitrião, Nicolas, o diretor da Transway. Apesar de ter visto o link para o site da empresa dele nos emails que a ONG nos enviara eu nem corri atrás de saber o que era. Foi só no debate que eu descobri do que se tratava. A Transway criou uma rede social, como o Orkut e o Facebook, para facilitar covoiturages. Ao invés de ligar pessoas por comunidades ou vínculos de amizade, como é o caso do Orkut, o critério é o caminho feito para o trabalho todos os dias. Isso permite aos usuários encontrar pessoas que façam o mesmo trajeto diariamente e compartilhar um carro com elas, evitando assim o número de veículos em circulação.

Para estimular o uso da rede foi criado uma espécie de programa de milhagens. Os usuários ganham pontos quando dão uma mãozinha ao meio ambiente. Esses pontos podem ser trocados por prêmios, sendo o melhor uma bicicleta com auxílio elétrico. E você deve estar se perguntando de onde vem o dinheiro para fazer tudo isso. A grande sacada é que a Transway conhece os hábitos diários das centenas de pessoas cadastradas no site: para onde vão e como vão. Essas informações são transformadas em estatísticas ("N pessoas do bairro A vão de carro até a empresa B no bairro C", por exemplo). A prefeitura de Nantes financia o projeto para ter acesso a essas informações, que permitem-na fazer um diagnóstico preciso do seu sistema de transporte público e então corrigir algumas das falhas. Genial, não?

É, eu e o Raphaël também achamos genial e num breve cutucão de cotovelo veio a pergunta "será que eles contratam estagiários?". Descobriríamos em breve, pois naquele momento assistíamos a uma apresentação do projeto que inspirou o Autostop Participatif e que havia sido posto em prática em outra cidade.

Por que não?

Por que não tentar? Por que não se a cada email que eu mandava para uma empresa eu era respondido com uma negativa, isso se me respondessem. Confesso que eu não me sentia tão cara de pau pra chegar no sujeito e pedir um estágio. Isso evidentemente não parecia ser o caso do Raphaël. Terminada a palestra ele começou a conversar com o Nicolas e após uma breve puxada de saco ele disparou a pergunta a queima-roupa. Resposta:
"Sim, me interessa contratar estagiários. Tomem meu cartão. Me enviem seus CVs"

Não precisava mandar duas vezes. No dia seguinte enviei meu CV. Na réplica ele me perguntou as datas em que eu poderia fazer o estágio. Na tréplica ele me deu o sim. Remuneração de 417 euros por mês, a mínima para um estagiário, para trabalhar durante dois meses no desenvolvimento de um aplicativo Iphone da rede social criada por eles. Alguns deslocamentos para Paris estavam previstos. Nada mal, visto que muitos dos meus colegas franceses conseguiram estágios não-remunerados.

Coloquei algumas coisas na balança. A escola solicita um estágio de duração mínima de um mês. Um estágio de dois meses tomaria todas as minhas férias. Eu sairia das provas, passaria dois meses trabalhando e voltaria para a dureza da escola sem ter um tempinho de descanso. E para completar, mal sairia da cidade. Resolvi arriscar e perguntei se eles tinham uma filial em Paris e se eu poderia ficar por lá. Por quê? Porque dois meses em Paris definitivamente não é a mesma coisa que dois meses em Nantes. Paris é muito maior e há muito mais coisa para fazer. Além disso, tenho um grande amigo estudando lá. Por que não tentar? Eu já ouvira tantos "nãos" nas últimas semanas mesmo... Mas dessa vez eu ouvi um sim, o meu segundo em menos de dois dias.

Da próxima vez que alguém me perguntar o que é que eu ganhei por rodar 2400 quilômetros pela Europa só pegando carona num período de 40 horas eu posso estufar o peito e dizer:

"Um estágio!"

Aos bixos... E aos bixos dos meus bixos... E assim por diante

Venho por meio deste texto falar de algo muito sério. Ignoro a quantidade de futuros centraliens que lêem o meu blog. A questão é que apesar de todos os meus textos que não tem nenhuma utilidade prática direta, eu escrevo uma boa quantidade de textos úteis e que podem lhes ajudar.

Pois é, vocês acham que eu faço isso por caridade? Por peninha? Eu não trabalho de graça, não! E agora, que alguns de vocês já devem estar arrumando suas malinhas para vir para cá, eu quero o pagamento. É isso aí mesmo que vocês leram. Eu quero o pagamento por meus serviços tão diligentemente prestados neste blog.

O pagamento, entretanto, é simples. Não é financeiro. Não é doloroso. Não é vergonhoso, a não ser que exista alguém do seu lado neste momento. Levantem-se, ponham a mão direita no peito e leiam em voz alta:


Eu, (Seu nome completo), como intercambista juro solenemente (pausa solene para acentuar a solenidade do juramento):

Que abrirei meu espírito para as experiências que o intercâmbio me proporcionará, para novas culturas e pensamentos. Livrarei meu coração de todo preconceito e tudo o que atente contra a tolerância e o conhecimento do próximo. Procurarei aprender o máximo possível e aceitarei que nem sempre esse aprendizado é acadêmico.

Juro igualmente que, apesar da distância do lar e as saudades dos entes queridos, manterei meus olhos abertos para apreciar o valor dos amigos que farei no além-mar e que estarei lá para ampará-los assim como eles estarão lá para me amparar.

E acima de tudo, na minha condição de selecionado para o Programa Duplo Diploma, juro (a pausa aqui é maior porque a solenidade é maior):

Fazer o que estiver ao meu alcance para ajudar meus futuros bixos, jamais lhes negando informação que eu venha a possuir ou conhecimento que eu possa transmitir. E que o farei de bom grado e independente de cor, credo ou universidade de origem. Ajudá-los-ei da mesma forma em que gostaria de ter sido ajudado.

Juro que se meus veteranos em sua totalidade ou parcialmente não houverem me ajudado a contento ou assim eu o julgue eu manterei meus votos de solidariedade e camaradagem em relação aos meus bixos.

Juro que instruirei meus bixos a fazerem o mesmo com seus bixos e estes com os bixos dos meus bixos, perpetuando este ciclo de boa fé por gerações e gerações de duplo-diplomandos. Zelarei para que os valores contidos neste juramento sejam seguidos e, se necessário for, submeterei meus bixos ao mesmo juramento tal como estou sendo submetido agora por um dos meus veteranos.
É isso aí, galera. Doeu? Não? Que bom. Espero que vocês cumpram isso. Se não cumprirem a Providência lhes punirá com um castigo equivalente a:
  • 78 espelhos quebrados
  • 256 passadas debaixo de uma escada
  • 365 cruzadas com gatos pretos
  • 1036 cervejas tomadas antes de brindar (e a ressaca proveniente de quantidade proporcional de cervejas)
  • Se você gosta de cerveja, substituir por um terço do volume em destilado ou o mesmo volume de champanha ou vinho
  • Se você gosta de todas as bebidas supracitadas, substituir por gasolina ou acetona
Juízo, hein!

Inverno de 2010: Luxembourg

Tamanho não é documento

Não é de admirar que o nome do país que possui a maior renda per capita do mundo comece por Lux. Luxemburgo, ou em francês, Luxembourg, é uma miniatura de país espremida entre a Alemanha, a Bélgica e a França e divide raízes culturais latinas e germânicas. Sua economia, contemporaneamente falando, se desenvolveu em torno da indústria siderúrgica. A empresa Acelor, líder mundial do setor, é luxemborguense (ou era, antes de ser vendida pro indiano Mittal). O país é um Grão Ducado trilíngue (francês, alemão e luxembourgois) e laico, apesar de ser predominantemente católico.

As origens da formação do país remontam ao século X, quando Sigfried, o Conde de Ardennes erigiu um forte no rochedo de Boch. O tal rochedo, uma ponta de pedra que despenca vertiginosamente em direção ao rio Alzette, que corre lá embaixo no fundo de uma garganta. Por causa de sua localização privilegiada, naturalmente defendida por um penhasco em três lados, o castelo tornou-se uma fortaleza inexpugnável. A cidade expandiu-se na direção do único lado do castelo que requeria a construção de muralhas para ser protegido. Luxembourg tornou-se uma espécie de oásis da engenharia militar durante a Idade Média, algo como o que hoje representa Barcelona ou Berlim para a arquitetura moderna.


Começando a visita

Como de habitude, fizemos um reconhecimento a pé. A cidade era agradável, mas logo descobrimos que também era cheia de altos e baixos e andar a pé era bem cansativo. O mapa que pegamos no Ofício de Turismo sugeria uma rota de passeio a pé, mas logo descobrimos que caminhos curtos não necessariamente significam caminhos fáceis. Muitas vezes dois pontos separados por uma pequena distância no mapa estavam a metros e metros de altura de diferença.

O nosso passeio começou pelo centro da cidade. Logo no início passamos pela frente do palácio grã-ducal, onde um sentinela fazia uma monótona rotina de trinta passos para um lado, meia-volta e trinta passos para o outro. O nosso passeio nos conduziu por ruas sinuosas no centro da cidade e em seguida ao fundo da garganta onde corre o rio Alzette. Passei a me pergunta se as escarpas de Berne eram realmente tão altas assim, pois olhando a cidade ali de baixo eu me sentia um anão. As pontes de Luxembourg, bem menos numerosas que as da capital suíça, também eram estonteantemente altas e longas.

Paramos para almoçar em um restaurante português. Luxembourg é a maior colônia de imigrantes portugueses na Europa. Aproveitei para falar um pouco a língua pátria, embora eu não entendesse um décimo do que os caras no bar falavam... Aliás, Luxembourg tem essas particularidade: 37% da população é estrangeira. O mais interessante é que apesar disso ela mantém sua identidade nacional e um dos indícios disso é a persistência na utilização da língua deles, mesmo pelos jovens (um jovem nos abordara mais cedo em luxembourgois).


Nem tudo são flores

A relação com a minha companheira de viagem já vinha se deteriorando, como vocês viram no último post. Devo dizer que a coisa piorou substancialmente em Luxembourg. Não foi gradualmente, foi de uma vez. Ela passava uma boa parte do tempo procurando McDonald's para usar a rede wifi de lá para enviar um trabalho que ela deveria entregar na volta às aulas. Eu não me importava, pois até me permitia descansar um pouco do ritmo frenético que ela queria impor ao passeio. Mas essas idas ao McDonalds ficaram cada vez mais frequentes e eu começava a me irritar.

No domingo, último dia da nossa viagem, resolvemos ir pela manhã a um bairro mais afastado onde se localizam alguns prédios que pertencem à União Européia. Havíamos visitado o lugar na noite anterior, mas desejávamos vê-lo à luz do dia. O clima estava feio, mas relativamente estável quando saímos. Chegando lá, porém, a situação piorou, o chuvisco virou chuva e o vento nos arrastava. Eu me colei a uma parede para me proteger, mas a Tonia seguiu. Tentei convencê-la a ficar, mas não teve jeito. Seguimos. Uns 500 m adiante ela reclamou do tempo e eu me surpreendi.

- Se isso te incomoda assim, por que você não ficou no abrigo em que eu achei?
- Que abrigo?
- Aquele em que eu fiquei quando a chuva piorou.
- Você não disse nada.
- Disse, mas você quis continuar.
- Pode até ter sido, mas é que eu não escuto bem quando estou com capuz.

Como se precisasse escutar algo para entender porque eu não queria avançar... Agora estávamos ali, molhados até os ossos e morrendo de frio. A estanqueidade do meu sapato tinha ido pro espaço e tudo o que eu sentia nos pés era uma espécie de mingau feito do que um dia foi o entressola.

Voltamos ao centro da cidade pela tarde e nos abrigamos em museu. Francamente, não aproveitamos nada do acervo e não estávamos nem um pouco no humor de visitar museus. Estávamos lá muito mais para nos abrigar da tempestade do que para ver obras de arte. Encontramos por acaso o Alberto (espanhol) e o Felipe (chileno), dois veteranos nossos que estavam de passagem por Luxembourg aguardando o trem para voltar para casa. Eles vinham da Bélgica e fariam uma correspondência ali. Descobrimos que eles pegariam o mesmo trem que nós.

Nos separamos, pois a Tonia queria ir no McDonald's para ver se os colegas de grupo dela tinham gostado do trabalho que ela enviara. A tempestade havia piorado. O vento havia derrubado galhos, quebrado janelas, disparado alarmes de carros, estava um inferno. Ela inventou de pegar uma rua estreita que nos levaria até a lanchonete, mas eu rapidamente observei três pesados mastros de aço que sustentavam bandeiras de propaganda e no mesmo instante percebi o que ia acontecer. Parei. Enquanto ela avançava um dos mastros caiu com o vento. Eu mandei ela voltar, pois acreditava que os outros dois cairiam também. Ela virou-se pra mim e fez um gesto de "não estou escutando, pois estou de capuz". E, tal qual a cotia que cuida do rabo do macaco, eu fui atingido por um fragmento grande de uma placa do McDonald's que havia se quebrado há pouco. O vento projetou a placa no meu tornzelo, fazendo uma incisão de 1 cm na minha perna. Confesso que naquela hora eu me arependi de não ter deixado aquele mastro esmagar aquela cabeça loira.

Depois de ver os emails dela, voltamos para o albergue e ficamos prontos para partir. Era pouco menos que 15:00 e o nosso trem sairia às 17:30. Eu insisti para sairmos mais mais cedo, pois não sabia se aquela tempestade poderia piorar. Ela arredou pé e quis ficar no albergue fazendo as correções que os colegas dela sugeriram para o trabalho... Não adiantou argumentar. Saímos às 16:50, e apenas depois de eu insisttir muito para sairmos 10 minutos mais cedo do que ela queria. Chegamos na estação às 17:07 e no telão estava marcado que o nosso trem tinha sido cancelado por causa do mau tempo.

Corremos pro balcão, onde fomos atendidos por uma funcionária pantipática e pouquíssimo prestativa. Ela nos sugeriu insanamente de tentar pegar o trem que ia para Paris às 17:10 (já eram 17:08). Óbvio que não conseguimos. Remarcamos para o trem seguinte. O grande problema é que o tempo era bem apertado e mal dava para chegar em Paris, trocar de estação e pegar o nosso trem para Nantes, o último da noite. Se ele atrasasse, já era. Nantes só no dia seguinte. Os nossos veteranos, mais precavidos do que ela, chegaram mais cedo e pegaram o trem das 17:10.

O que não sabíamos é que essa chuva na verdade era a tempestade Xynthia, que arrasara a costa oeste da França horas mais cedos e que agora se deslocava para o leste, onde estávamos. Ela deixou um rastro de caos por onde passou, inclusive no sistema ferroviário. Eu me queixei, disse que era uma pena tudo isso, pois eu precisava estar em Nantes no domingo à noite. Sabe-se lá porque, a louca se sentiu ofendida e perguntou o que eu queria que ela fizesse num tom muito hostil. Quando eu fui tentar explicar que eu não estava reclamando dela, ela repetiu o comportamento infantil que ela já tinha mostrado em Berne: virou a cara e ficou repetindo a mesma coisa em voz alta para não me ouvir.


Nunca é tão ruim que não possa piorar

Breve: o nosso trem atrasou. Vinte minutos e nós não poderíamos atrasar um minuto sequer. Nossa correspondência em Paris parecia perdidas. Embarcamos e explicamos a situação para o fiscal do trem. Aproveitamos também para perguntar se havia algum atraso previsto na saída do trem que iria para Nantes, pois isso nos daria uma margem. Nada, trem na hora. Ele disse que sentia muito, mas que poderia conseguir gratuitamente um hotel para nós em Paris caso tivéssemos que pegar o trem no dia seguinte.

A Tonia disse que tinha uma amiga em Paris que poderia talvez nos hospedar, mas que ela não gostaria de incomodar. Eu falei então que se chegássemos num horário em que ainda houvesse esperanças de pegar o trem, nós partiríamos para a estação e tentaríamos. Caso contrário, pegaríamos o hotel que a empresa nos ofereceu. Cristalino, não é? Pois ela disse que estava "me entendendo com dificuldade", como se o que eu falasse não tivesse sentido nenhum.

Chegamos tarde. Ainda perguntei uma última vez se o trem que partiria para Nantes estava atrasado. Os funcionários responderam que ele sairia na hora, ou seja, dali a 10 minutos. Como precisávamos de 35 minutos para chegar à estação, consideramos o trem perdido e fomos para o hotel, que era em frente a estação onde chegamos.

Ela tomou o banho dela primeiro e em seguida eu tomei o meu. Enquanto eu estava no banheiro ela se comunicou com o Alberto e o Felipe, que ainda estavam esperando o trem para Nantes. Ele já estava 50 minutos atrasado e a cada dez minutos o atraso era atualizado. Se nós tivéssemos ido para a estação, nós o pegaríamos. Entretanto, como me disseram que ele estava no horário, eu não quis jogar fora o hotel. Foi uma decisão conservadora, sem grandes riscos. Quando ela soube disso, empacotou as coisas e saiu correndo feito uma louca. Eu disse que não conseguiríamos chegar a tempo.

E de fato não conseguimos. Após andar uma única estação de metrô, recebemos uma mensagem dos meninos dizendo que o trem tinha partido. Ela falou que estava mega decepcionada e que, se tivéssemos ido para a estação como ela queria teríamos conseguido pegar o trem. Eu pedi desculpas, disse que a culpa de a gente ter perdido esse trem era minha, afinal quem tinha insistido em tomar aquela decisão e não tomar riscos tinha sido eu. E ela falou:

- Sim. É SUA culpa. Se tivéssemos feito o que EU disse. teríamos conseguido.


Meu sangue ferveu. Desde o começo da viagem ela pedia desculpas por coisas bestas, insignificantes, tais como esquecer de pôr duas maçãs na bolsa dela para comermos mais tarde, ou escolher um caminho errado numa rua. Coisas realmente sem importância. Hoje eu acredito, e só agora vejo isso, que ela fazia isso só pelo prazer de ouvir um "O que é isso, Tonia? É claro que isso não é sua culpa". E agora, quando eu peço desculpas ela solta uma resposta desssas. E digo mais, optei por essa decisão porque ela me havia dito que não queria perturbar a amiga dela, o que fazia do hotel uma saída óbvia. Subitamente, todo o peso do nosso fracasso fora transferido para mim. E a briga começou, pois a minha paciência já tinha superado em muito qualquer expectativa.

Para piorar, o quarto do hotel tinha uma cama de casal. Situação desagrabilíssima. Durante a noite eu acordei e ela estava ocupando dois terços da cama. Eu estava de costas para ela e havia acordado com uma pancada nas costas. Achei que pudesse ter sido ocasional, enquanto ela se revirava dormindo. Ela estava então com os dois braços contra as minhas costas. Veio um segundo empurrão que me deixou ainda mais próximo da beira da cama. Aguardei. Veio o terceiro empurrão e eu tive certeza de que ela estava fazendo aquilo de propósito. Plantei os pés no armário na minha frente e estendi as pernas com força, empurrando ela pro outro lado da cama.


Acordamos bem cedo. Fomos para a estação emburrados e logo descobrimos que o nosso trem não estava aparecendo no painel eletrônico. Poucos segundos depois, foi informado pelo sistema de alto-falantes que o trem de 6:10 para Toulouse não estava aparecendo no painel por causa de um problema do painel, mas estava confirmado e aguardava na plataforma. Eu pensei "oras, o nosso trem é às 6:30 e pode estar sofrendo o mesmo problema". Resolvi discutir isso com ela:

- Você ouviu isso?
- Claro que eu ouvi! Eu entendo perfeitamente o francês.


Discussão encerrada. Eu não precisava seguir adiante para saber que aquilo não levaria a lugar nenhum. Virei as costas e fiz o que eu planejava propor a ela: perguntar a alguém da companhia de trem se o nosso trem estava com o mesmo problema do trem de Toulouse. Após 200 m de caminhada cheguei ao balcão e não encontrei ninguém, virei as costas e lá estava a Tonia cospindo fogo. Eu estava com os nossos bilhetes de trem no bolso e ela soltou os cachorros em cima de mim porque eu estava "prestes a deixá-la na estação depois de ter fugido com o bilhete dela". Parece que foi assim que ela interpretou as coisas. Chamou-me de estúpido e de mais um sem número de outros adjetivos nada lisonjeiros.

Finalmente, pegamos o trem. Ele realmente teve o mesmo problema do outro: o trajeto estava confirmado embora não aparecesse no painel. Esse foi o fim da nossa viagem. Nem preciso dizer que voltei atrás nos planos de morar com ela. Eu e o Thiago havíamos combinado de morar com ela e a Noémie, mas depois dessa creio que a convivência seria impossível...


Inverno de 2010: Berne

E o gato apontava para a estação. Deixamo-lo lá em sua vitrine, na sua siesta preguiçosa. Retiramos nossos bilhetes na estação e tomamos café por lá mesmo. Eu observei logo que entrei a movimentação de três policiais que passavam no saguão frequentemente. Quando fomos para a plataforma, lá estavam eles também. Entramos no trem e a viagem começou. Liguei o notebook para adiantar alguns trabalhos da escola e então vi os três entrando no vagão. Eles pediram a todos para mostrar seus passaportes. O policial que verificou o meu, a despeito de validade, visa e título de permanência, parecia meio indeciso e o segurou por um tempo consideravalmente alto sem esboçar nenhum sinal de decisão. Uma policial, a única do grupo, chegou, verificou meu passaporte e me liberou.

Depois disso, nenhum incidente. O nosso trem seguiu pelas paragens bucólicas do leste da França, numa direção mais ou menos alinhada com o norte. Durante quase toda a viagem margeamos um rio, cujo nome ignoro completamante.


Os anjos de Berne

Chegamos então em Berne, capital da Suíça, localizada na parte germanófona do país diferentemente de Genebra. A primeira cena que meus olhos captaram da cidade foi quando atravessamos uma ponte sobre o rio Aar, que corta a cidade mais ou menos na direção norte-sul, salvo no centro, que é circunscrito por uma pequena alça que o curso faz em direção ao leste. Da ponte ferroviária que atravessamos era possível ver outra, uns 300 metros adiante, de pedras brancas e com um grande e longelíneo arco que se estendia de um lado ao outro do vale. Acredito que a flecha de ambas as pontes devam estar a mais de 30 m de altura do nível do rio.

Foto publicitária mostrando o centro da cidade


Uma das pontes. Essa é pequena comparada à primeira que eu vi.

E aqui devo fazer um aparte. Acredito que descobri que eu amo as pontes, assim como eu amo os faróis. Talvez não só pelo feito de engenharia que os dois constituem, mas também por suas funções. A ponte liga, une, integra. O farol guia em direção ao porto e a águas tranquilas. Ambos são sinais de bom agouro. E quando, além de tudo isso, são também bonitos, não vejo motivo para não admirá-los.

Ainda que o meu discurso sobre coisas inanimadas feitas de pedra, cimento e aço possa desagradá-lo, querido leitor, permita-me insistir mais um pouquinho no assunto. Quando fui a Florença passei uma noite no albergue porque estava indisposto para sair com meus colegas. Lembro que na sala comunal havia algumas revistas e quadrinhos e resolvi pegar uma delas para treinar um pouco meu italiano (que a essa altura do campeonato me confere apenas uma boa compreensão de leitura). Escolhi uma chamada Damphyr, que contava a história de um caçador de vampiros balcânico, ele mesmo meio vampiro, entremeando um pouco com a história conturbada e violenta dos Balcãs. O tema dessa edição, por acaso, era pontes e as lendas que existem sobre elas.

Começo aqui meu terceiro parágrafo sobre meus gigantes inanimados de pedra para contar uma das lendas. Em determinado momento, o pai moribundo do protagonista conta como conheceu a esposa: em uma de suas incurssões pelos vilarejos do interior ele fez uma aposta com os nativos, afirmando que saltaria da ponte que havia por lá. O que o motivou foi a presença de uma jovem que estava na platéia. Detalhes. Vamos ao que interessa. Ele diz que enquanto mergulhava viu um anjo que segurava a ponte. No imaginário popular, as pontes de um arco só são obras impossíveis e que se mantêm de pé apenas por intercessão divina. Segundo essa lenda, a tal forcinha viria de um anjo, que seria maior e mais poderoso quanto maior fosse a ponte. Não posso dizer que acredito nisso tudo, mas também não posso negar que é uma lenda muito bonita.

Tudo isso para dizer o seguinte: se a tal lenda é verdadeira, Berne repousa sobre os ombros de uns anjos muito parrudos. E põe parrudo nisso. O Aar cava fundo em relação ao nível da cidade e ao redor do centro não são poucas as pontes que o atravessam. A maior parte delas é feita em um arco só, ou um grande arco central apoiado por dois arcos laterais. Uma arquitetura digna de nota.


A chegada

Descemos na estação, fizemos o controle de passaporte e seguimos em direção ao albergue, não muito longe dali. O albergue era de tamanho razoável, com uma sala comunal aconchegante, uma boa cozinha (e limpa) onde havia inclusive alguns gêneros comuns que todos os hóspedes podiam usar, notadamente macarrão e molho de tomate. E o principal: acesso gratuito de wi-fi na sala comunal. Perfeito. Outra coisa interessante: havia uma pequena estante com livros dos mais variados. Qualquer um deles poderia ser comprado com 3,00 francos suíços ou trocados por outro livro. Terminei comprando um (O nome da rosa - em inglês) para lidar melhor com um problema de convivência com a Tonia que se acentuou em Berne. Durante toda a viagem ela sacava continuamente o notebook dela para fazer alguns trabalhos da escola. Esse ato se repetia sobretudo dentro dos trens. Em Berne, no entanto, graças ao acesso à internet e ao mau tempo, que frustrou nossas expectativas de sair ao menos duas vezes, ela começou a fazer isso mais constantemente. Excetuando uns passeios a pé que fizemos no primeiro dia e a visita a museus, nós não saímos muito. Aquilo me irritava um pouco, pois eu estava bastante motivado para passear e ainda que quisesse sair sozinho, o tempo me impedia. Foi então que eu comprei o livro.

Felizmente, eu não tive muito tempo de lê-lo em Berne. Explico-me: numa ocasião, saindo do meu quarto às 22:30, ouvi um diálogo (quase um "gritálogo") em português no quarto da frente. Bati na porta e a conversação cessou. Quando eles abriram, perguntei se eles eram brasileiros e eles responderam que sim e se disseram aliviados, pois achavam que era alguém batendo para pedir silêncio. Eles, um carioca e um paulista na faixa dos trinta anos, não se conheciam antes e coincidentemente ficaram no mesmo quarto. Nas noites de chuva em que minha colega workaholic ficava lá no seu computador, eu batia papo com os dois.


Uma cidade de fontes

Como talvez você tenha notado, eu estou ignorando um pouco a ordem cronológica neste texto. Achei mais importante dar o panorama geral de como foi a estada, visto que isso foi mais relevante do que os passeios em si. Não que a cidade não valha a pena. É só que o aparte dos parágrafos anteriores vai ser bem útil no fim texto.

Como eu disse antes, fizemos alguns passeios a pé pela cidade. O centro histórico de Berne não é enorme e pode ser tranquilamente atravessado numa caminhada. Alguns detalhes pitorescos saltam aos olhos. O primeiro e mais evidente é a quantidade de fontes que há no centro da cidade. São pequenas construções, raramente excedendo quatro metros de diâmetro, e que estão quase sempre localizadas no centro de uma avenida. Para ser sincero, poucas me agradaram. Cada um das fontes estava indicada no mapa que pegamos no ofício de turismo. O outro detalhe, não tão evidente assim, mas que me atraiu foi a quantidade de lojas e dependências subterrâneas que existe no lugar. Basicamente, na frente de cada prédio existe um alçapão, atrás do qual uma escada conduz ao subsolo. Nesses porões instalam-se lojas, bares, depósitos e não raro, enquanto andávamos pelas calçadas cobertas, alguém saía ou entrava por um daqueles buracos.

O nosso mapa indicava outras coisas bastante interessantes. A que mais me agradou foi a localização de pontos propícios para tirar fotos panorâmicas. O custo para chegar em tais lugares normalmente era uma subida íngreme nas colinas que cercam a cidade, mas as fotos tiradas lá valeram a pena.
Vista em um dos pontos indicados no mapa.

Panorâmica tirada em outro dos pontos sugeridos.

Descendo de uma desssas colinas nós passamos pelo Parque dos Ursos, um viveiro onde moram doze ursos. O animal, que está no brasão da cidade, é também a origem do seu nome. Berna foi fundada em 1191 pelo duque Berthold V de Zähringen que, de acordo com a lenda, teria dado o nome a cidade após ter matado um urso (Bär em alemão). Infelizmente, os ursos estavam hibernando e não era possível vê-los. Maldito inverno...


Einstein e Berne

Albert Einstein, embora alemão de nascença, decidiu renunciar a sua nacionalidade por não concordar com as atitudes belicosas de seu país. Em seu lugar, assumiu a nacionalidade suíça, que manteve até o fim da vida. Einstein graduou-se na Escola Politécnica de Zurich, mas seu primeiro emprego foi no escritório de patentes de Berne. Foi nessa cidade em que ele passou o seu Annus Mirabilis (1905, o Ano Maravilhoso), quando ele postulou a Teoria do Efeito Fotoelétrico. Isso lhe valeria o no prêmio Nobel anos mais tarde.

No centro, o apartamento onde ele morava continua preservado. O mais interessante, contudo, talvez seja o Museu Albert Einstein, que funciona no mesmo prédio que o Museu da cidade. Decidimos visitá-lo, mas ficamos frustrados ao descobrir que a compra do ingresso para a exposição sobre Einstein era casada com a visita de uma exposição permanente do museu. A tal exposição, que se tratava de algumas múmias e uns poucos artefatos egípicios e árabes ocupava três salas e tinha um aspecto abandonado. O irritante foi não ter a opção de comrpar o ingresso apenas para a parte que nos interessava.

Museu da cidade de Berne e de Albert Einstein


O Museu Albert Einstein é relativamente grande e tem uma apresentação visual muito boa. A exposição segue a ordem dos eventos de sua vida, ou deveria seguir... Para nós não ficou claro o caminho que deveríamos seguir dentro do museu, visto a falta de indicações, e muitas vezes lemos os paineis fora da ordem cronológica. Oura coisa desagradável: embora existissem painéis explicativos em inglês, todas as plaquetas explicativas dos objetos em exposição eram em alemão e, portanto, incompreensíveis para nós. No entanto, é necessário destacar o mérito dos vídeos que explicavam conceitos da física para leigos e que eram exibidos em várias partes do museu.


A partida

Deveríamos partir de Berne a Luxembourg em covoiturage, que significa por alto uma carona paga. Existe um site que permite que motoristas em viagem e gente querendo pegar carona se encontrem. O negócio é lucrativo para ambos: o motorista ganha uma companhia para uma viagem longa e alguém com quem dividir o preço da gasolina e o viajante ganha o que ele mais quer, uma viagem barata.

Nossa "carona" deveria sair na sexta pela manhã e ir até Luxembourg. Ao menos era isso o que estava indicado no site. No entanto, ao contatarmos a motorista para a confirmação, ela disse que sairia no domingo. O site mostrava apenas a volta da viagem dela, que era a parte que nos interessava, mas com a data da ida. O chato foi que ela só nos disse isso em cima da hora, mesmo depois de tantos contatos anteriores. E descobrimos mais tarde que as informações estavam erradas no site por responsabilidade dela, pois o site normalmente mostra as informaçoes com precisão e aquela confusão talvez se devesse à falta de familiaridade com o sistema.

Chegamos então num impasse. As passagens de Berne a Luxembourg já eram caras quando procuramos comprá-las com antecedência. Nesse momento, então, elas estavam muito mais caras. Começamos a discutir uma solução e algumas cenas desagradáveis do nosso impasse em Genebra se repetiram. Explico-me. A Tonia pedia minha opinião sobre as mais variadas coisas na viagem, tais quais sugestões de visitas ou percursos a serem seguidos. Normalmente após eu dizer o que pensava ela falava algo do gênero "mas eu acho melhor de tal e tal jeito" e a minha opinião se perdia no vácuo. Tentava não me importar com isso, pois sei que tem gente que age assim naturalmente. Entretanto, quando estávamos com um problema ela também me perguntava o que eu achava que deveríamos fazer. A grande diferença é que nessas vezes não era uma opinião que ela queria, e sim uma solução pronta, precisa e rápida. Eu, que gosto muito de refletir antes de tomar qualquer decisão, tendia a mostrar as opções para ela para discutirmos juntos, mostrando os prós e os contras. Porém, ela interpretava esse comportamento como hesitação e ficava irritada.

Pois bem, as coisas tinham acontecido assim em Genebra e estavam se repetindo agora. Depois de alguns conflitos resolvi tirar o corpo fora e deixar ela fazer o que bem entendesse para depois não ter o direito de reclamar de mim. Terminamos então conseguindo uma covoiturage até Mulhouse (pronuncia-se Muluse) na França, de onde pegaríamos o trem para Luxembourg. Marcamos com o motorista para nos encontrarmos na estação. Dada a extensão da estação, uma construção longa situada numa esquina de uma avenida movimentada, eu resolvi enviar uma mensagem para ele assim que chegássemos lá indicando uma referência mais precisa. Atravessando a rua havia uma igreja e eu mandei uma mensagem mais ou menos assim: "estamos na estação e esperamos você na frente da igreja".

Como ele tardava a chegar, a Tonia resolveu ligar para ele para saber onde ele estava. Após um diálogo rápido, ela resolveu desligar mais ou menos assim:
"Ok, então. Nós saímos da estação e estamos te esperando na frente da catedral"

Eu me apressei para fazer ela corrigir aquela frase antes que ela desligasse. Aquilo não era uma catedral, era uma igreja. A catedral situava-se 1,5 km ao leste. E ele jamais entenderia o "saímos da estação" como um "passamos pela porta de saída e estamos te esperando na calçada em frente". A interpretação mais lógica seria "nós abandonamos a estação e agora estamos na catedral, a quinze quadras de onde estávamos" e perderíamos nossa carona. Eu tentei afoitamente interromper ela antes que ela desligasse, mas ela se sentiu incomodada e fez um gesto como quem espanta um mosquito. Ainda assim ela corrigiu o erro antes de desligar. Mas depois veio a bomba:
"Olha aqui. Eu não tenho nenhuma obrigação de entender de arquitetura de templos católicos. Isso daqui para mim é uma catedral e pronto."
Ok, eu admito que não entendo de arquitetura de templos mulçumanos, budistas ou judeus, por exemplo. O problema não era o que nós entendíamos por uma catedral, e sim o que o motorista entendia. E se isso comprometiria o nosso encontro com o cara, então era importante sim! Porém, quando fui tentar lhe explicar isso, ela fez uma coisa que me deixou extremamente irritado. Tal qual uma criança birrenta que quer porque quer ter a última palavra, ela virou a cara, fixou os olhos num ponto distante e começou a repitir loucamente os últimos argumentos que ela tinha usado para me impedir de ser ouvido. Resumindo: ela não queria admitir que estava errada e ponto. A partir desse instante as pequenas irritações que eu havia tido até então avultaram-se e manter o sangue abaixo da temperatura de ebulição passou a ser um desafio. Desafio que, naquele momento, eu consegui vencer. Mas a viagem continuaria e era impossível prever o que iria acontecer...

Inverno de 2010: Strasbourg

A viagem continua

É 22/02/10. Acordamos num apartamento vazio, pois a Marine havia acordado cedo para ir ao trabalho. Arrumamos a pouca bagagem que estava ainda em desordem e caminhamos algumas centenas de metros até a estação, onde pegamos o trem.

O tal trem fazia uma linha regional, pinga-pinga, parando em praticamente toda cidade no caminho. Embora sua velocidade de cruzeiro fosse bem menor que a de um TGV (Trem de Grande Velocidade), ele se deslocava num ritmo até bom. O problema foi a quebra desse ritmo a cada estação que chegávamos. O resultado: uma viagem de cinco horas. Eu nunca consigo dormir direito em viagens, sejam de trem, avião ou carro. Nesse caso eu dormi uns dois ou três intervalos de 15 minutos, um sono instável e irrequieto, apertado contra a poltrona do trem. Finda a viagem, eu estava um bagaço, completamente enfadado. A Tonya me questionava por que eu estava cansado, já que eu havia dormido. A fadiga era mais psicológica do que física propriamente.

Saímos da estação e procuramos uma mapa na praça em frente para acharmos a localização do hotel. Quando viramos de costas vimos que a estação era uma grande bolha de vidro. Descobrimos mais tarde que o prédio onde a estação funciona tem um valor arquitetônico importante e foi tombado. Por esta razão, decidiu-se protegê-lo com uma canopla de vidro que acabou por esconder a beleza do prédio. No caminho para o hotel passamos em frente a um vitrine de uma loja de telas e molduras e qual não foi a minha surpresa ao ver um gato entre dois quadros. A Tonya disse que era um ornamento, mas eu insisti que ele era real. Ao nos aproximarmos, ele virou a cabeça e nos fitou com uma expressão do mais puro tédio.

O gato da vitrine

Fizemos o check-in num hotel simples. Ainda assim, ele tinha boas vantagens que um albergue não oferece: um quarto para dois e um banheiro privado. Além disso, havia um pequeno nicho com uma pia e um fogão para servir de cozinha e louça limpa num armário. Isso nos seria de grande utilidade durante o tempo em que lá ficaríamos. Devidamente instalados, seguimos para a Place de La Republique, onde encontraríamos a Anaëlle, uma amiga nossa que mora na cidade. Se o nome não lhe soa estranho, possivelmente é porque você já o viu por estas páginas. A Anaëlle participou do Pouce d’Or, sendo ela e o alemão Tobias a dupla com a qual empatamos. Ela nos fez a gentileza de mostrar um pouco a cidade durante a tarde. Infelizmente, ela não poderia nem nos hospedar nem nos ciceronear no dia seguinte, pois partiria para a Bélgica pela manhã. Começamos o passeio acompanhando-a ao centro da cidade.

Nós e nossa guia

Strasbourg é banhada pelo barrento rio Ill ("ih"-"ele"-"ele", caso a fonte não permite o bom entendimento do nome) , que se reparte em dois braços formando uma ilha. É nessa ilha que se encontra o centro histórico da cidade.Capital da Alsácia, região cuja possessão alternou-se várias vezes entre França e Alemanha até a anexação francesa definitiva após a Segunda Guerra Mundial, Strasbourg é um pequeno rincão de cultura germânica na França. Uma enorme parcela das placas da cidade estão escritas em francês e em alemão e a fronteira com a Alemanha não encontra-se mais distante que uma dezena de quilômetros. Suas principais especialidades culinárias são o choucrute, de origem alemã, e a tarte flambée, de origem francesa. Trata-se, portanto, de uma cidade dual, centro de uma região de transição entre dois países de cultura muito rica. E também de espíritos bem distintos: de um lado o calor latino, ainda que não mais que uma brasa apagada perto do calor brasileiro, da França e do outro a rigidez e severidade do povo alemão. Eis a Alsácia.

Como ponto de partida fomos ao ofício de turismo, que se localiza ao lado da catedral, coração da cidade. Se você me permite, caro leitor, gostaria de me deter um pouco descrevendo tal prédio. Ela é um colosso em arquitetura gótica, cuja única torre possui uma flecha de 142 metros de altura. Além dos ricos ornamentos, o seu exterior chama a atenção por sua tonalidade cor-de-tijolo. Comentei isso brevemente, pois aquele templo oscilando entre o vermelho, o rosa e o marrom destoava um pouco das demais catedrais francesas, que têm uma tonalidade mais próxima do branco e do creme. A Anaëlle me explicou então que isso se deve à composição do solo nas proximidades do rio, de onde foi extraído o material para construí-la. A partir de então passei a observar que ela não era o único prédio a apresentar aquela pigmentação. De fato, sendo esse um material de construção civil abundante na região, muitos outros prédios apresentavam a mesma coloração cor de barro.

A Catedral de Notre-Dame de Strasbourg

No interior da catedral, além de tudo o que se encontra normalmente em catedrais do gênero, duas atrações são bastante dignas de nota. Ambas se encontram no braço sul so transepto, que corresponde em quase todas as catedrais ao lado direito do altar, visto que os cânones desse tipo de construção prevêem uma orientação da nave no sentido Oeste-Leste.

A primeira atração é o pilar dos anjos, uma coluna esguia ornada com esculturas de anjos. A sua localização, no centro de uma abóbada, despertou dúvidas a respeito da acuidade dos cálculos feitos pelo arquiteto. Este afirmou, no entanto, que a coluna não tem nenhuma função estrutural, que a abóbada é capaz de sustentar seu próprio peso e que a razão do pilar estar ali era meramente ornamental. Pouco crente nessa declaração, um dos artistas responsáveis pelo interior da fachada esculpiu um pequeno busto numa parede próxima. O personagem, um homem de semblante algo preocupado, algo curioso, fita o pilar com uma mão no queixo como quem espera o momento de sua queda.

O Pilar dos Anjos

O vigia do Pilar


A segunda atração, localizada a poucos metros do pilar, é o relógio astronômico. Verdadeiro prodígio de relojoaria com mais de uma dúzia de metros de altura projetado e construído por Jean-Baptiste Schwilgué, a tal máquina mostra com precisão a posição em relação ao sol dos planetas conhecidos na época de sua construção, o dia do ano, o dia da semana, a estação do ano, a inclinação do eixo da Terra e os horários do nascer e do pôr do sol. Tal qual um grande relógio cuco, pequenos personagens indicam através de seus gestos a passagem de quartos de hora, meias-horas e horas completas. Diariamente, ao meio dia e meia, o relógio realiza um pequeno espetáculo, que eu explicarei mais tarde. Como prova do intelecto genial do seu criador, na passagem do ano 2000 um personagem nunca antes visto apareceu para marcar a passagem de tal data. Diz-se que a obra é tão genial que os soberanos da região decidiram perfurar os olhos de Schwilgué para que ele jamais criasse algo que pudesse realizar com aquilo, uma lenda que existe para outros relógios do gênero. Ainda assim, a estupidez e a crueldade humanas sempre encontram um jeito de dar provas de sua existência. Diz-se também que como vingança ele quebrou um mecanismo de sua obra de modo a impossibilitar algum modo de funcionamento de seus autômatos. Eu chuto que ele tenha quebrado algo que poria em marcha um automatismo ainda mais espetacular do que todos os outros vistos até então.

O relógio astronômico da catedral

Saímos então da catedral, onde vimos um tipo meio esquisito com jeitão de punk perambulava. Era um homem de grande estatura e aspecto truculento com cabeça raspada, piercing no lábio inferior, roupas pretas e botas de couro com um corte antiquado onde colares de guizos tintilavam a cada passo. Nós o víramos antes de entrar e o víamos agora uma vez caminhando ruidosamente na frente da catedral com os guizos em seus pés. Demos pouca atenção ao sujeito e ficamos conversando um pouco mais afastados. Foi então que um alaúde começou a soar melodicamente e uma voz feminina, uma voz poderosa de soprano, começou a cantar uma canção medieval. Nos viramos. O “punk” tocava o alaúde sentando em uma banqueta na frente da catedral. Isso era possível de ver da distância onde estávamos. No entanto, a origem daquela voz nos intrigava. Observando com mais atenção, reparamos que a boca do homem se mexia. Nos entreolhamos com um certo espanto e concordamos unanimemente que aquilo deveria ser uma gravação. Mas não era. Chegamos perto o suficiente para vermos que aquele cara grande e intimidador era a origem daquela voz inacreditável. A música se desenrolava, linda, e com os guizos nos pés ele marcava a cadência. Finda a primeira canção, ele agradeceu com voz masculina, grave e típica do que se pode esperar de um sujeito como ele e deu um sorriso como quem diz “peguei vocês”. Assistimos a mais duas canções e decidi contribuir com 50 cêntimos. O meu preconceito me pregou uma peça e tanto.


O "punk" em frente à catedral. Atenção pro cara no final do vídeo.


Continuamos nossa visita guiada. A Anaëlle nos conduziu ao bairro Petite France, antigo reduto dos artesãos curtidores de couro. Outrora o bairro mais pobre da cidade, marcado pelo ofício sujo e mal-remunerado dos tratadores de peles de animais, o Petite France é o hoje o bairro mais nobre de Strasbourg, onde localizam-se os restaurantes mais caros. Nessa região o rio passa por um desnível em torno de 1,80 m, o que demandou a construção de duas eclusas para permitir a navegação ao redor de toda a ilha. O curso d’água foi dividido em quatro canais paralelos. O primeiro canal, destinado à navegação, abriga uma das eclusas. Os três demais destinavam-se ao aproveitamento do desnível para mover moinhos. É ao redor desses quatro canais que se desenvolveu o bairro, formando uma pequenina Veneza. O lugar é cheio de casas de arquitetura alemã, aquelas com telhados agudos e estrutura de madeira exposta. O que eu não sabia, e que nossa guia explicou, foi a razão desse método de construção. Cada viga de madeira era numerada, assumindo uma posição bem definida na disposição da casa. Em seguida os vãos formados pela estrutura de madeira eram preenchidos com barro para formar as paredes. Isso permitia uma mudança relativamente fácil da casa, caso fosse necessário. Para tanto bastava destruir as paredes e transportar as vigas para a nova localização. Novas paredes seriam feitas com o barro abundante na região.

Petite France

A noite caía e a Anaëlle teve que nos deixar. Agradecemos e continuamos perambulando pela cidade. Jantamos num restaurante, onde pedimos uma tarte flambée. Ficamos surpresos com a quantidade que constituía uma porção individual e terminamos nossa refeição à força, pois não havia mais espaço para nada em nossos estômagos. Finalmente decidimos voltar para o hotel e continuar a visita no dia seguinte. Começamos então na manhã com um passeio de barco pelo rio. A maior parte dos tripulantes era um grupo de turistas italianos. Havia também uma boa quantidade de turistas alemães. A cada vez que passávamos por um prédio de interesse, uma reprodução automática descrevia-o em nossos fones de ouvido. Passamos pelos prédios vistos no dia anterior, ainda no centro histórico. Em seguida, seguimos à montante do rio, para uma parte mais recente da cidade. Lá, na extremidade do nosso percurso, passamos pela Parlamento Europeu, do qual Strasbourg é sede desde 1949. Um prédio moderno em aço e vidro, localizado na beira do rio.

Atracamos e logo em seguida fomos à catedral para a visita ao relógio. Todos os dias, ao meio-dia, um vídeo sobre a história e os detalhes do funcionamento do relógio é exibido e em seguida os visitantes assistem ao seu automatismo mais célebre. Na parte mais baixa do relógio, dois pequenos anjos rechonchudos testemunham a passagem dos minutos. A cada quinze minutos, um deles soa um sino e o outro vira uma ampulheta. São eles que iniciam o automatismo de meio-dia e meia. Mais ao alto a morte nos fita, uma caveira com uma foice numa mão e um fêmur na outra. Finda a participação dos anjinhos, a morte repercute um sino com um fêmur, enquanto uma criança, um jovem, um adulto e um ancião, representando o nascimento e morte de um novo dia, passam em sua frente. Esse automatismo serve para lembrar a efemeridade da vida e a necessidade de fazermos o bem a cada dia. Em um nível superior ao boneco da morte encontra-se uma imagem de Jesus Cristo. É ao redor dele que se desenrola a etapa seguinte do automatismo. Um a um os apóstolos passam na frente do messias. Em atitude reverente, eles se viram na direção do mestre quando estão em sua frente e ele os abençoa com um movimento de sua mão. Um galo, o autômato que se encontra na parte mais alta do relógio, bate as asas três vezes e canta ao fim da passagem do quarto, do oitavo e do décimo segundo apostólo, numa referência clara aos três cantos do galo que marcaram a negação de Pedro. Ao fim da procissão dos apóstolos, Cristo nos fita do alto e nos benze fazendo o sinal da cruz. Formidável.

Fomos jantar em um bar ali próximo e que produzia sua própria cerveja. Pedimos choucrute, mas ainda não recuperados do fasto jantar da noite seguinte optamos por pedir uma única porção. Não nos enganamos, aquilo nos saciou satisfatoriamente. Esses alsacianos comem que não é brincadeira...

Pela tarde fomos ao museu histórico da cidade. A tarifa era bastante baixa e nos dava direito a um áudio-guia para a visita. O interessante é que o aparelho funcionava automaticamente se orientando com a ajuda de sensores de posição a cada vez que passávamos na frente de uma atração específica. E era sempre uma gravação interessante, dinâmica e explicativa. O museu prezava pela interatividade também. Numa seção que falava sobre o reputação das fundições e dos ferreiros de Strasbourg, quatro elmos estavam à disposição dos visitantes para que eles experimentassem e conhecessem a sensação de usar aquela peça de armadura. Numa outra seção sobre as porcelanas da região, peças reais colocadas em caixas de acrílico com um buraco no centro convidavam os visitantes a tocá-las para sentir as texturas dos diferentes tipos de cerâmicas. Além disso, uma boa parte do museu se concentrava sobre a invenção da imprensa, que ocorreu em Strasbourg na época em que Guttenberg lá viveu.

Eu experimentando a réplica de um elmo antigo

Saímos do museu já com a noite caindo. Pausa rápida para voltar ao hotel, tomar banho e comer. Saímos então para uma seção de fotos noturnas, com abertura prolongada do obturador. A cidade estava muito pacata, assim como na noite anterior, denunciando uma vida noturna pouquíssimo movimentada. Retornamos então aohotel para nos preparar para a viagem do dia seguinte.

Acordamos, fizemos o check-out e seguimos para estação. Quando passamos pela loja de telas, lá estava o gato de novo entre os quadros. A única diferença é que agora ele estava virado para o outro lado, o lado para o qual seguíamos, como que indicando a boa direção. A cidade, tal como o gato, não mexeu muito enquanto estávamos lá. Ainda assim, a cidade, tal como o gato, me agradou bastante.