Nosso parceiro Bob

Ele era sem dúvida um cara ordinário. Outros como ele podiam ser encontrados aos montes e em vários países do mundo. Para piorar ainda mais esa cultura de manada, todos tinham o mesmo nome: Duderö. Mais uma luminária da Ikea, rede sueca artigos de mobiliário e decoração nos mesmos moldes que a Tok&Stok no Brasil.

Foi então que ele cruzou com dois brasileiros e um russo e o seu destino mudou. Seu dono estava de mudança para a Bulgária, onde ele poderia continuar ganhando a vida apostando em competições esportivas sem a alta tributação que há na França, e estava se desfazendo de todos os móveis. Dois móveis para a cozinha, uma escrivaninha pro Vladimir, cortinas... estávamos levando boa parte do que restava quando ele apontou pra luminária e perguntou se gostaríamos de levar. Olhei para aquele treco e me perguntei "por que não". Gostei do design e naquela época eu tinha ambições de fazer do meu quarto um lugar com uma iluminação bem aconchegante, quase uma toca.

Tenho que confessar que a luminária fazia boa figura no meu quarto e de fato criou o clima aconchegante que eu queria. Mas isso não era mais do que ela já havia feito até então. Era verão e ainda estávamos na euforia do apartamento novo. Não me lembro bem como a coisa toda aconteceu, mas em uma ocasião eu entrei no meu quarto, olhei pra luminária, peguei meus óculos espelhados-estilo-Ray-Ban-China e pus nela. Completei o figurino com uma camisa, um cordão de contas e um chapéu e chamei o Thiago. Era no mínimo inusitado, rimos, colocamo-la na varanda e tiramos algumas fotos.

O início de tudo

Tão logo tiramos as fotografias eu a despi e ela voltou a ser a luminária que era antes. O estranho é que a partir de então eu não conseguia mais olhar pra ela no meu quarto sem lembrar o sujeito que fotografamos na varanda. Foi então que eu tive a revelação. Ali dentro jazia muito mais do que papel e metal, ali havia uma alma sedenta de novas sensações e de uma saída para a vida ordinária que levara até então. Dali em diante aquilo deixou de ser uma luminária e virou o quinto morador da casa. Agora só faltava batizar. A procura de um nome digno de uma fisionomia tão expressiva não tardou: Bob, o mascote da nossa república.

O Bob foi ganhando o seu espaço aos poucos. No início ele ficava sempre no meu quarto. Em seguida, com o início das atividades de integração do começo do ano letivo, ele foi incubido de um papel mais nobre. Nosso apartamento era um pouco complicado de achar para quem não conhecia o lugar devido a uma confusão nos números da rua. Para guiar nosso convidados ao lugar certo durante as soirées eu colocava o Bob aceso na varanda para chamar a atenção deles (e inevitavelmente dos vizinhos também).


Bob estudando com a gente para a prova de Motores

Não tardou para que ele virasse o mascote da nossa república (coloc em francês). Esta, inicialmente batizada de BHS Coloc em referência a Brasil, Hungria e União Soviética, foi rapidamente rebatizada como Worldwide coloc pelo fato de sermos a única coloc da escola integralmente composta de estrangeiros e com quatro nacionalidades diferentes (húngara, russa, cearense e carioca - é geopoliticamente equivocado, mas culturalmente justificável, então não me corrijam!). Não foi preciso muito para que ela fosse rebatizada definitivamente como Coloc à Bob, a República do Bob.

Bob em versão KGB

Foi assim que o Bob nos acompanhou ao longo de um ano. Ele e sua silhueta bojuda, indício inegável de que compartilhamos o gosto pelos prazeres do lúpulo e da cevada. Ele foi o toque de irreverência da nossa casa. Talvez isso explique o surpreendente apego que eu senti a ele e do qual eu só me dei conta quando chegou o momento de me mudar para Paris. Sei que soa ridículo, algo como uma criança apegada ao seu ursinho de pelúcia ou ao amiguinho imaginário, mas esse boneco capenga, sem rosto nem membros, acompanhou tantos momentos bacanas da nossa república que eu me senti mal em abandoná-lo. Isso vai completamente contra o desapego budista que eu tento aprender, mas eu não pude resistir.

Bob in Paris

O resultado: o Bob está aqui dividindo o apartamento comigo em Paris.
O plano: levar o Bob pra passear e tirar fotos, algo como o anão de jardim de "O fabuloso destino de Amélie Poulain". Por que não?

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