A vida com 400€

O primeiro mês acabou com uma despesa que eu ainda não tive coragem de contabilizar, mas que eu tenho certeza de que foi muito alta. Quando eu tiver mais tempo e, sobretudo, coragem eu o farei e discutirei aqui. Por ora, tenho outras coisas (boas) para falar.

Ontem me juntei com meu amigo Thiago, carioca que estuda na Unicamp e meu companheiro na Fanfrale, para discutir. Ele teve a oportunidade de morar só em Campinas durante mais de dois anos e tem experiência em gerenciamento doméstico. Uma experiência semelhante à que eu tive na Marinha, mas mais profunda. Resolvemos comprar nossos víveres juntos e tentar comer em casa com mais freqüência. Ontem fizemos nossas compras, após uma extensa pesquisa de preços nos dois supermercados em que costumamos comprar. Fizemos uma refeição lauta e depois colocamos alguns gastos na ponta do lápis (ou melhor, na tela do iPhone dele). Adiante segue um resumo.


Os gastos com a casa

Como já disse aqui outra vez, meu aluguel é 220€ sem a ajuda da CAF e os gastos com água estão inclusos. A conta de energia é uma taxa mensal fixa baseada numa estimativa de consumo e ao fim da locação os locatários podem ser reemborsados ou obrigados a pagar uma diferença. Para o meu apartamento essa taxa é de 55€ e eu divido com o meu coloc. Ou seja, eu tenho um gasto mensal fixo de 245,50€, digamos 250€, até eu conseguir a ajuda da CAF. Guardem esse número por enquanto.


O transporte

O custo de se deslocar em Nantes varia muito. Um tíquete de 1h custa 1,50€ se você comprar na rua ou 0,90€ se você comprar junto ao BDE, na escola. Existem bilhetes de 24h individuais e bilhetes de 24h para quatro pessoas. Antes de pegar o bonde é sempre interessante fazer um pequeno cálculo para descobrir se não é razoável comprar um tíquete um pouco mais completo. Além disso, existem os planos mensais e anuais, os quais fornecem uma carteirinha que dá livre acesso a todo o sistema de transporte da cidade.

E, é claro, é possível viajar ilegalmente. Entretanto, isso nunca foi algo conveniente para mim e espero que para aqueles que venham para cá isso nunca seja considerado como uma opção. Por isso, eu resolvi comprar o plano anual, o que me custou 225€. Aqui vão algumas contas:


Se eu saio duas vezes no fim de semana (lazer) e mais uma vez durante a semana (compras ou problemas a resolver) eu gasto:

6 tíquetes 1h = 5,40€ (no BDE)

Considerando que o ano tem 52 semanas o gasto total é de 280,80€, que é superior aos 225€ do plano anual.


Eu tenho necessidade de pegar o bonde todas as quintas para fazer esporte, pois pratico escalada do outro lado da cidade. Além disso eu saio todos os fins de semanas e geralmente saio mais duas vezes por semana, uma para fazer compras e outra para resolver problemas de burocracia. O plano anual para mim é bem interessante e só o fato de viajar com o espírito tranquilo e sem malandragens já me deixa feliz. Além disso, não vou ter mais gastos com transporte durante um ano.


A comida

Já disse aqui antes que uma refeição no restaurante universitário custa 2,90€. No entanto, o restaurante não funciona no domingo e na noite de sábado. Caso eu fizesse todas as onze refeições semanais possíveis lá o meu gasto seria de 127,60€. Arredondemos para 130€.

A parte mais interessante do cálculo vem agora. Ontem eu e o Thiago fizemos a conta de quanto nossa refeição custou. Exageramos nas quantidades para dar uma margem de segurança. Além disso, a refeição foi bastante farta, embora não tenha havido sobremesa. Custo total individual: 0,72€. Se incluirmos uma fruta como sobremesa (nossa referência foi uma maçã) o valor sobe para 0,80€. Alopremos e digamos que a refeição custe 1,00€. Se comermos todos os dias em casa o nosso gasto seria de 60,00€.

Entretanto, não é sempre possível fazer isso. Há dias em que estamos cansados, ou que não há tempo, ou que temos outro compromissos. Digamos que esses casos totalizem oito por mês. Corrigindo os gastos com comida segundo esse raciocínio: 76,80€. Digamos que seja 80,00€.


O celular

Começo dizendo que realmente queria comprar um iPhone. Mas meu juízo e minha carteira me convenceram de que arcar com os 200€ de custo do aparelho mais os 38€ mensais do plano não são pro meu bico. Pesquisei e decidi que vou comprar um aparelho de 1€ com um plano de 22,90€. Ele me dará direito a 40 minutos de ligação por semana mais SMS ilimitados depois das 17:00. Não é muito, mas resolve meus problemas.


Colocando tudo junto

Se fizermos as contas:


Bolsa: + 430€
Transporte: - 0€
Casa: - 250€
Alimentação: - 80€
Celular: - 23€
___________________
Receita: + 77€ (tá azul! u-hu!)


Evidentemente não vão sobrar 77€. Existem os gastos invisíveis, aqueles que a gente sempre esquece de contabilizar. Tem o cafezinho que eu compro pra aguentar a aula de Análise Numérica, tem o café da manhã, tem a cervejinha do fim de semana, um cinema aqui e acolá. Ainda assim, isso é uma situação razoalvemente confortável. Basta ser disciplinado e é possível não entrar no vermelho. Além disso, eu tenho a sorte de ter uma família que pode me ajudar numa eventualidade, algo que eu espero que não aconteça. Por fim, quando a ajuda da CAF vier eu vou ter uma graninha a mais e vou poder viajar e gastar um dinheiro com coisas pra mim.


O índice BMSL

Devo confessar que eu me empolgo muito com esse tipo de coisas. Fazer o planejamento doméstico, ver o dinheiro render, fazer boas compras... Nisso eu me identifico bastante com o Thiago e nós temos umas discussões bastante interessantes a respeito. Surgem idéias de planilhas e mais planilhas, planos de gastos e mil outras coisas. Ontem soltei meio de brincadeira a idéia de fazer um índice de inflação com os produtos que a gente compra. Rimos e tal. Mas agora estou levando a história a sério. Estou disposto a criar o índice mensal de inflação Bezerra Modolo Santana Leal e disponibilizar aqui.

Hoje escrevi os produtos que nós temos que comprar sempre. Devo lembrar que sempre fazemos nossas escolhas baseadas no preço por unidade de massa ou volume e procuramos sempre o produto mais barato, salvo quando a qualidade baixa torna inviável o consumo, o que é extremamente raro aqui na França. São esses os valores que entram nas nossas pesquisas de preço, não os valores unitários. Aqui vai a lista que eu fiz:

Higiente pessoal:
Pasta de dente
Escova de dente
Fio dental
Lâmina de barbear
Sabonete
Sabonete para as mãos
Shampoo
Condicionador
Desodorante

Produtos de limpeza:
Papel higiênico
Detergente
Esponja
Água sanitária
Sabão em pó
Sabão em barra

Frutas:
Maçã
Laranja
Banana
Ameixa
Pêra
Kiwi
Uva

Carnes e peixes:
Steak
Atum
Mortadela
Salsicha

Legumes e verduras:
Ervilhas
Milho
Cenoura
Espinafre
Batata
Tomate
Cebola
Alho
Alface

Ovolactos:
Ovos
Leite
Queijo
Iogurte
Manteiga

Outros:
Arroz
Massa
Cereal matinal
Geléia
Mel
Nutella
Pão
Molho de tomate

Ainda estou maturando a idéia, pensando em como vou fazer o índice. Espero publicar o primeiro índice dentro de duas semanas, mas não posso dar certeza. Espero também ter disposição para continuar esse trabalho e que isso ajude os outros que virão.

Pornic

Final do outono, algumas árvores de Nantes começam a se pintar de ouro e púrpura. Tudo muito bonito, evidentemente. E tudo frio, e ainda vai piorar. Todas as manhãs aqui são um belo exercício de força de vontade para se levantar no escuro e no frio.

E então no fim de semana alguém dá a idéia: "vamos à praia?". E fomos. Destino: Pornic, uma praia no Pays de la Loire, pertinho de Nantes. Partimos num grupo de cinco pessoas: dois brasileiros, um francês, uma francesa e a russa. Ela é legal quando não tem mil pessoas adulando. Por 2€ a cabeça pegamos o ônibus para Pornic e chegamos em uma hora e meia.

O programa era eminentemente farofeiro e por aqui isso não é problema algum. Paramos em uma padaria e em um supermercado e enchemos uma caixa de papelão com nossos víveres: pão, presunto, queijo, manteiga, patê, alface e tomate. Compramos também uma bola de tênis de 30 cm de diâmetro, a mais apropriada que encontramos para jogar volley. A cidadezinha é pequena e depois de umas fotos na frente da igreja descemos um quarteirão e chegamos na praia.



"E a praia? Como é a praia na França, Angelo"? Eu respondo: é diferente. Tem coisas melhores e tem coisas piores. De vantagem eu conto direto as águas calmas e cristalinas e a paisagem estonteante com direito a muitas árvores e construções antigas.





As desvantagens: água fria e pessoas feias seminuas. A água não era absurdamente fria, mas era preciso um bom tempo para se acostumar. Além disso, nadar era bem difícil: por algum motivo a temperatura me atrapalhava na hora de respirar. Ainda assim nadei até uma bandeirinha até longe e voltei, aos trancos e barrancos, mas voltei.

Depois de algum tempo a fome bateu. Fizemos a nossa refeição mega-improvisada e o gosto estava sensacional. E com a comida veio o sono, a preguiça... Resolvemos fazer uma pequena sesta e ao acordarmos descobrimos que o sol aqui também queima, menos que no Brasil, mas queima.

Após algumas horas, arrumamos as coisas e voltamos para Nantes. Pegamos um mega engarrafamento e para nos distrairmos aprendemos alguns trava-línguas em russo. Saldo do passeio: nove horas numa praia muito legal e a certeza de que eu quero voltar lá outras vezes.

Visita de Nantes: estilo BDA

Tarde de sábado, período naturalmente consagrado para fazer compras para a casa e outros e dar conta de alguns afazeres domésticos. Havia uma visita de Nantes organizada pelo BDA agendada que não me interessava muito, pois já havia batido bastante perna pela cidade.

Cá estava eu, na minha humilde e desconfortável caminha, tentando recuperar as horas de sono perdido quando uma sirene começa a tocar no corredor. Gritos, alertas e um louco (do BDA, é claro) chamando pelo megafone todos os residentes para a visita de Nantes. Vá lá, depois dessa eu não dormiria mesmo, resolvi dar o braço a torcer.

A visita era na verdade uma gincana. Os EI1 deveriam formar equipes e cada equipe deveria seguir um itinerário, revelado aos poucos à medida em que íamos resolvendo charadas e encontrando pistas pela cidade. Além disso, cada equipe devia levar consigo uma máquina fotográfica para tirar fotos dos lugares e provar que de fato esteve lá e também para tirar fotos originais e divertidas, que seriam objeto de uma competição. Outra parte da gincana era procurar e trazer os objetos mais engraçados e interessantes encontrados no caminho, infelizmente minha equipe desconhecia essa parte da brincadeira e não trouxemos nada. Cada equipe deveria também ter uma deficiência, algo para atrapalhar o deslocamento. A nossa era carregar doze garrafas de água mineral de 1,5l cada sem que pudéssemos beber. Outra equipes deveriam usar saias ou rabos de rato.

Heis uma foto da nossa equipe. Havia cinco nacionalidades distintas: francesa, brasileira, russa, japonesa e húngara.



Cada equipe recebeu dois envelopes e o primeiro deveria ser aberto imediatamente. Nele havia o primeiro destino da aventura. A carta era assinada por Phileas Fogg, o próprio, e ele rogava insistentemente que cumpríssemos o percurso em menos de cinco horas, uma vez que ele havia apostado uma quantia considerável em nossa vitória. Cada equipe tinha destinos iniciais diferentes e o nosso foi a Catedral. Situada no centro da cidade e destacada por sua altura e arquitetura, a Cathédrale Saint-Pierre-et-Saint-Paul é um dos pontos turísticos mais conhecidos de Nantes.

Lá chegando, abrimos o segundo envelope, também "enviado" por Phileas Fogg. O segundo destino era o atelié do grupo Machines de l'Île, um grupo de teatro de rua que utiliza marionetes gigantes em suas atrações e é extremamente reconhecido por aqui. O seu ateliê é um dos pontos turísticos mais visitados de Nantes, se não o mais visitado, e lá é possível pagar para dar uma volta no mais conhecido dos seus marionetes, o elefante. Lá encontramos alguns membros do BDA, que nos fizeram dançar uma coreografia ridícula antes de nos dar o terceiro envelope, sempre assinado pelo astuto Fogg, e que deveria ser aberto apenas no terceiro ponto. E o tal ponto onde nós deveríamos ir era lugar redondo e com uma fonte...





Redondo e com uma fonte? "Place royale!" eu gritei de imediato. A praça é o coração da cidade e é um dos lugares que eu visitei pelas minhas andanças na primeira semana. A praça é circundada de prédios e no seu centro há uma fonte com estátuas, algo bem clássico. Chegamos lá e nos deparamos com outras equipes tomando banho na fonte e tirando fotos. Era uma parada dura de vencer e eu e outro brasileiro resolvemos fazer algo um pouco mais louco para render uma foto melhor. Tiramos uma foto "bebendo" a água que saia de uma das estátuas. De fato a água só entrava na nossa boca, mas não engulíamos.

Com metade das calças molhadas e boa parte da camisa também eu acompanhei o meu grupo até o ponto seguinte. Tivemos que perguntar para outros grupos, pois nossa chefe perdera a terceira carta enquanto íamos para a praça. A pista agora era difícil: devíamos achar um pub irlandês no centro da cidade. Existem centenas de lugares para beber por aqui e um pub irlandês é apenas mais um deles, mas encontramos. Lá, a atendente nos deu um pacotinho de biscoitos LU. Isso quer dizer Lieu Unique (Lugar Único), uma tradicional fábrica de biscoitos de Nantes.

E lá fomos. A antiga fábrica não funciona mais, virou algo entre museu e casa de espetáculos. A sua arquitetura se destaca, sobretudo pela torre na fachada. Havia membros do BDA por lá organizando uma competição. O objetivo era dar três biscoitos LU para cada representante de equipe e ver quem conseguia comer mais rápido. Fui o representante da minha equipe e venci o duelo com outra equipe. Foi muito fácil para quem é acostumado a comer quatro Creams Crackers de uma só vez (valeu, Franklin e nossas partidas de Burro!). Próxima parada: Chatêu des Ducs de Bretagne.







As coisas no castelo foram bem rápidas, logo sabíamos para onde deveríamos ir. Apesar de o castelo ser um dos pontos que eu visitei na minha primeira semana em Nantes, é sempre muito surpreendente ver uma construção do tipo bem no centro de uma cidade. Pegamos a carta na livraria/loja de bugingangas do castelo e Phileas Fogg avisava que iríamos para a última etapa da nossa jornada: o Museu de Belas Artes.

A essa altura já estávamos bem cansados e não havia muita disposição para visitar o museu. Tiramos a foto comprobatória e seguimos para a Escola, com uma parada rápida para tirar fotos toscas e se molhar mais um pouquinho.



Entregamos nossas fotos pros caras do BDA para que eles pudessem julgar e decidir quem era a melhor equipe. Houve prêmios em várias categorias: imbecil, melhor foto, trash, petit LU, prêmio geral e outras que eu não entendi. Nossa equipe ganhou o terceiro lugar na categoria trash pela foto em que bebíamos água na fonte e o primeiro lugar na categoria petit LU, concedida para a equipe cujo representante comesse mais rápido os biscoitos (valeu, Franklin!!!).

Para resumir, o nosso itinerário foi:



B) Catedral
C) Elefante
D) Place Royale
E) O pub irlandês
F) Lieu Unique (LU)
G) Chatêu des Ducs de Bretagne
H) Musée de Beaux Arts

Répas fillot-parrain

Em português : refeição entre afilhado e padrinho. Outra tradição muito legal. Trata-se de uma troca de gentilezas: primeiramente o padrinho convida seu(s) afilhado(s) para um jantar no seu apartamento e os afilhados retribuem oferecendo um jantar em suas casas em outro dia. A primeira parte do evento foi hoje e novamente fui para a casa do meu padrinho.

Lembrem-se que os alunos do segundo ano raramente alugam apartamentos sozinhos, então o jantar inclui afilhados de várias pessoas e, voilá, outra oportunidade de fazer amigos e se integrar. E de fato foi o que ocorreu. Eu já conhecia alguns dos afilhados dos colocs do meu padrinho, mas os outros EI1 presentes eu não conhecia. Infelizmente meu co-fillot, o outro afilhado do meu padrinho, não estava presente porque foi para Bordeaux encontrar a namorada. Segue a foto do grupo:



O menu foi bem interessante. Para beber: cerveja, limonada, curaçao blue, pastis e suco de laranja. O jantar foi mexicano: nachos com guacamole como entrada e tacos como prato principal. O jantar foi ótimo, muita gente legal, música (na caixa e ao vivo) e conversa animada. De estrangeiros havia um EI2 alemão e eu e um chinês de EI1. Dois dos veteranos faziam parte da equipe que montou as duplas de padrinhos e afilhados e eles nos contaram que um programa de computador foi usado para formar as duplas baseando-se nos dados que constavam nas fichas. Além disso, a namorada do meu padrinho fez um estágio na Bahia como voluntária em obras de saneamento rural e fala português razoavelmente bem e deu pra bater um papo bem legal.

Para finalizar uma foto minha com meu parrain Jean-Baptiste e o famoso rato vesgo.

Appartathlon

Mais uma tradição da Escola, e mais uma vez algo extremamente criativo. O nome pode não parecer muito evidente, mas é a fusão de appartement e marathon. A idéia é a seguinte: os EI1 devem formar grupos e percorrer a cidade para visitar os veteranos em seus apartamentos. Uma peculiaridade daqui é que não há vagas na residência no segundo ano, então forçosamente os alunos alugam apartamentos pela cidade, sobretudo no centro.

Na noite de ontem os grupos receberam as cartas. Uma delas era uma lista com uma série de apartamentos de veteranos, o "nome" do apartamento, os (apelidos dos) colocatários e o endereço. A outra carta era um mapa feito no Google Maps para que pudéssemos localizar os apartamentos no labirinto de ruas que é Nantes fora dos eixos de circulação do bonde. Cada grupo tinha uma lista de prioridades: uma série de dois ou três apartamentos escolhidos aleatoriamente e que deveriam ser visitados. Após cumprir essa etapa cada grupo era livre para ir onde quiser. Evidentemente, houve grupos que se considerou livre antes de cumprir a imposição da lista. Eu resolvi me integrar a um grupo que queria seguir o itinerário e ver aonde o acaso nos levaria.

Visitamos cinco apartamentos ontem. Visitas rápidas, evidentemente, uma vez que a maratona começou às 20:00 e o último bonde passa às 00:30. No entanto, deu para conhecer bastante gente. O nome "maratona" é bastante válido. Nantes tem apenas um arranha-céu, um prédio comercial. Todos os outros prédios têm menos do que cinco andares e raramente têm elevador, dessa forma os aluguéis mais baratos são os dos apartamentos do alto. Dentre todos os apartamentos visitados apenas um não era no último andar. Haja perna!

Voltando à maratona: não me lembro o nome de todos os veteranos que visitei e nem seria importante citar aqui. O que eu acho mais interessante é que o segundo apartamento da lista era o apartamento do meu padrinho e a visita foi muito legal. Todos os colocatários eram muito gente fina. O nome do apê era "Coloc's Copie". O nome tem uma justificativa: eles transformaram uma das salas de banho numa câmara escura. Lá dentro havia uma fotocopiadora e cada visitante deveria copiar uma parte do corpo e colar na parede da sala. Eles disponibilizaram uma caneta hidrográfica para desenhar algo na parte copiada caso o visitante quisesse. Nem preciso dizer que a parede estava repleta de bundas. Havia também uns poucos seios (com sutiãs e pouco nítidos), dois ou três rostos e um pé. Eu copiei meu peito junto com meu pingente (um apito feito de osso e com pirogravuras muito interessantes). Desenhei uma bandeira do Brasil também, mas na cópia só saiu meu pingente e um fundo preto.

É incrível como a Escola é plena de tradições para integrar os alunos, sejam dentro de suas turmas ou entre elas. Incrível como uma escola com relativamente poucos alunos (em torno de 1000 na gradação) tem tantas tradições, clubes e associações interessantes. É algo que na UFC, com suas dezenas de milhares de alunos, existe muito timidamente. Outra coisa que também é interessante lembrar: o aqui trote é crime e é severamente punido. Os veteranos são sempre super-receptivos e nada aqui me faz lembrar as irracionalidades às quais eu fui submetido na Marinha.

WEI!!!

WEI
Um pequeno aperitivo desta postagem:
- Nádegas e barrages de culs
- Uma praia paradisíaca
- Algo pra lembrar da terrinha
- Como deixar uma mulher insuportavelmente chata
- Duas horas de filosofia
- A influência de Borat na moda banho
- Uma costela e um nariz quebrados
- Um chinês dançando break
- Como comer NA bunda de alguém



No último fim de semana ocorreu o WEI (Week-end d’Integration), sem dúvida o evento mais esperado do período de integração. Todos os EI1 (Éleves-ingénieurs première anée, ou seja, alunos do primeiro ano) tinham vaga garantida, bastava pagar. Caso sobrassem vagas, o que de fato aconteceu, os EI2 e EI3 poderiam ir também. Como em todos os anos, o destino deste WEI era uma surpresa até a hora da chegada. Saímos na madrugada de sexta feira e chegamos em Seignosse, cidade a 57 km da fronteira com a Espanha, às 10:00 da manhã. E, igualmente como em todos os anos, era expressamente proibido elvar bebidas alcóolicas.


A partida

Partimos em cinco ônibus, cada um administrado por algum grupo de alunos do segundo ano: BDE1, BDE2, BDS, BDA, Fanfrale e Equipe de organização do WEI. Como é tradição, o WEI é palco para uma guerrinha entre os membros de cada ônibus, o que inclui competições esportivas, gritos de guerra, confecção de bandeiras, mister bus, miss bus e outros. O mais importante de explicar são os "outros", já que os demais são quase auto-explicativos.

Não sei se já falei aqui, mas os alunos das École Centales têm uma predisposição enorme para tirar a roupa. Infelizmente apenas os homens. Os caras corromperam uma música infantil (Gentille Allouette) e a transformaram numa canção para incitar o strip-tease. Eu já tinha presenciado isso algumas vezes, mas o WEI foi o recorde. Seguindo esse raciocínio, um dos critérios de vitória dos ônibus era a "presença de espírito". Toda vez que algum ônibus passava perto de um aglomerado de outros alunos os organizadores dentro gritavam "Barrage de culs à droite (ou à gauche)". Peço encarecidamente que a tradução fique por parte do leitor. Quando isso acontecia, os homens do lado em questão baixavam suas calças e colavam a bunda na janela. Show de bola, hein?

Ainda durante a partida cada ônibus devia eleger a sua Miss e o seu Mister. Os critérios são um pouco obscuros e eu não entendi direito. Um louco do meu ônibus cismou que eu devia participar e durante a viagem ele foi minha "torcida organizada de um homem só". Terminei participando da competição, mas não ganhei. A Miss do ônibus foi ela, claro, a russa...



A chegada

Chegamos no local, uma espécie de resort com vários bangalôs. Cada bangalô foi ocupado por cinco pessoas obedecendo a divisão dos ônibus. Não tive muita sorte e terminei ficando com gente que não conhecia e era até um pouco chata. O único com quem eu simpatizei foi o meu torcedor fiel.

Fomos informados ainda no ônibus de que a organização zelaria para que práticas não condizentes com a moral cristã não fossem realizadas nos bangalôs. Quem aí acha que deu certo?

De imediato fomos para a praia, quase 400 pessoas. E a praia não devia em nada a nenhuma praia brasileira. Ouso até dizer quer era melhor do que muitas delas. Havia até gente tomando sol completamente pelado quando chegamos lá.

Após o almoço rolaram as olimpíadas: futebol, voley, rugby e cabo de guerra. Não sei quem ganhou, mas pouco importa.



A primeira soiréé

Quando voltamos nos deparamos com a quadra coberta de espuma. Havia uma máquina que vomitava litros e litros de espuma enquanto um DJ comandava a festa. No começo eu estava meio receoso de entrar, mas tenho que confessar que foi uma das coisas mais divertidas que eu já fiz na vida.

Banho tomado, hora de comer. Quem dera fosse fácil assim... O reifetório era segmentado: EI2 e EI3 de um lado e EI1 do outro. Enquanto comíamos sempre tinha alguém que se levantava para cantar alguma canção de provocação. A mais comum é: "Les EI1 sont des petits garçons(Os EI1 são menininhos)", que deve ser respondida da mesma maneira, mas usando "EI2" no lugar de "EI1". Descobri também que o pão, elemento presente em todas as refeições daqui, também serve para ser atirado nos veteranos.

Havia também inúmeras canções que eu não conseguia compreender, mas todas notavelmente pornográficas. E pra variar, uma sessão inteira de alluetes. Nessa história, cada refeição não durava menos do que trinta minutos.

Após o jantar me juntei com uns brasileiros. Um deles, do segundo ano, estava com uma garrafa de cachaça Ypióca made in Fortaleza. Um gostinho pra lembrar da terra... Cheguei na soirée já meio torto do vinho do jantar e da cachacinha com os amigos para beber mais alguns litros de cerveja vagabunda.

Na soirée, entre outras coisas, ocorreu a eleição de Mister e Miss WEI. Advinhem quem ganhou o prêmio de miss? Sim, ela, a princesa siberiana capaz de descongelar as calotas do planeta. ¬¬ Tiraram a mulher do alto de um pedestal e colocaram em um foguete e deram condições para que ela se tornasse uma chata. Segue o diálogo dela com um brasileiro:


- Meus parabéns!
- Obrigada! Mas pelo quê?
- Pela sua eleição como Miss WEI.
- Ah sim! Isso! É que você sabe, eu já ganhei tantos prêmios que fica difícil saber a razão dos parabéns.



¬¬²

A noite terminou depois de eu ter passado duas horas falando de religião, filosofia e a origem do universo com alguns franceses. Como eu consegui isso? Não sei, mas jamais duvidem dos poderes do álcool.




O segundo dia

A manhã do segundo dia começou com uma ressaca braba e a constatação de que eu cheguei no meu bangalô após fazer um trekking no mato, pois meus tênis estavam cheio de lama. Primeiro alimento do dia: uma bela duma lata de Redbull. Fui para o refeitório e logo pro meu dia começar legal me deparo com a cena grotesca de um bando de EI3 vestidos à moda Borat. Pra completar, eles deitavam nas mesas de barriga para a cima e ficavam "engatinhando" enquanto cantavam a música do Homem-Aranha.

A canção mais cantada no dia, no entanto, foi:


J'était soul hier soir
Je suis soul ce soir
Et se tout va bien
Je serai soul demain matin

Eu estava embriagado ontem à noite
Eu estou embriagado hoje à noite
E se tudo correr bem
Estarei embriagado amanhã de manhã



Criativo... Gostei. Uma das poucas canções não pornográficas e a única que eu entendi sozinho.

Pela tarde: futebol de sabão, corredor inflável para deslizar e paintball. Deslizei várias vezes, era muito divertido. A idéia era correr e saltar em uma calha inflável molhada e deslizar o mais longe possível, houve até quem conseguisse percorrer os dos
doze metros do brinquedo. Participei do paintball também, mas cada pessoa só tinha direito a quinze minutos. Consegui levar um tiro no dedo (logo o cotoco) e saí do jogo com o dito cujo levantado de dor, mostrando pro time adversário.

Quando o brinquedo de deslizar passou a ter mais areia do que água, resolvi ir pra praia. Passei muito tempo lá, mas praia é praia e eu não tenho o que contar que vocês não conheçam. Na volta aconteceu uma pequena tourada. Me recusei a ver, pois não gosto de ver um bicho sendo feito de brinquedo por um punhado de zés-cagões. Um dos participantes foi pisoteado pelo touro e teve uma costela quebrada. Não vou dizer que fiquei feliz por isso, mas confesso que pena eu não tive.

Falando em ossos quebrados, pouco depois disso, na hora do jantar um EI1 escorregou, caiu de cara no chão e quebrou o nariz. Essas pessoas que bebem e esquecem que a gravidade existe...



A segunda soirée

Após mais um jantar com mil canções que eu não entendia, franceses embriagados mostrando a bunda e pães voadores, ocorreu a segunda soirée. A organização havia pedido que todos fossem com camisas brancas. O tema da festa era "Matadores de aluguel": cada pessoa devia pegar um contrato de "assassinato" e nele constava o nome da pessoa que deveria ser morta, seu bangalô, seu ônibus e a qual turma pertencia. Aquele que conseguisse "matar" seu alvo deveria pegar o contrato do "falecido" e continuar a "matança". O objetivo era tornar-se o maior serial killer da noite. Para isso, cada pessoa recebia junto com o contrato uma pistolinha d'água. Sacaram o porquê das camisas brancas?

Durante a festa houve o concurso de dança e bandeiras dos ônibus. Cada equipe devia apresentar uma coreografia e as bandeiras, que haviam sido pintadas durante a tarde. Quase todas as bandeiras eram explicitamente pornográficas, mas a nossa (BDE1) ao menos era subliminar. A bandeira do Staff WEI mostrava um ônibus sodomizando outro, pintado com as cores das outras equipes.

A noite foi animada por um DJ e pela Fanfrale, que se alternavam ao longo da festa. A cena da noite foi um chinês, um dos poucos que compareceram ao evento, dançando break.


O fim

Na tarde de domingo, após as procedimentos de check-out, o pessoal da organização conclamou as equipes finalistas (Fanfrale e BDS) para a prova final: a prova do Flan (uma espécie de pudim). Para tanto, fizeram uma pequena demonstração. O pudim deveria ser poscionado sobre o corpo de alguém, deveria ser mordido por outra pessoa e passar de boca em boca seguindo um percurso até ser cuspido na última pessoa.

Um cara da equipe do BDS achou por bem que o melhor lugar para colocar o pudim era entre as nádegas. Quando a prova começou, outro cara foi lá é comeu na bunda dele. Prestem atenção no frase! Ele comeu NA bunda do outro.

Saldo do WEI: todo mundo rouco de tanto gritar, com a garganta doendo, olheiras profundas, mas feliz. Valeu demais a pena. No mais, nádegas a declarar!!!

A burocracia de partida

Logo no começo uma das maiores dificuldades é se adaptar ao modo francês de resolver as coisas. Principalmente quando se trata de burocracia. O sistema aqui pode ser muito confuso para um estrangeiro e não é raro errarmos ou fazermos mau negócio por causa do desconhecimento e/ou dificuldade com a língua. Algumas coisas devem ser resolvidas e eu vou tentar explicar detalhadamente.



Conta bancária
Você não é ninguém até que você possa dar dinheiro aos outros. Quase todo contrato que se faz aqui exige um RIB (Relevé d'Identité Bancaire). Além disso, existem muitos pagamentos que não são feitos senão por cheque, sobretudo cauções. Para abrir a conta é necessário:
- Cópia do passaporte
- Cópia do visto
- Comprovante de matrícula
- Comprovante de residência

Os comprovantes de matrícula e de residência só são recebidos pelos estrangeiros quando chegam na escola e recebem o apartamento.



Seguros
É sem dúvida a parte mais chata. Aqui existe seguro para tudo e muitos deles são obrigatórios.

1) Seguro saúde (Assurance maladie ou Serurité Sociale): É obrigatório e deve ser pago ao governo francês. O custo é de 198€ por ano e é pago à École para que a Diretoria de Relações Internacionais trate com o governo. O seguro ajuda em alguns custos de saúde, mas não todos. Em alguns casos é necessário pagar uma parte do tratamento. Os bolsistas da Egide são isentos.

2) Seguro saúde complementar (Assurance mutuelle complementaire): Não é obrigatório, mas é altamente recomendável. Esse seguro paga algumas das despesas não cobertas pela Assurance maladie. Para fazê-lo é necessário recorrer a seguradoras particulares, sendo a mais popular aqui a SMEBA. O custo varia dependendo da cobertura. O plano mais simples é 78€ por ano e o mais completo é 456€ por ano. Existe a opção de pagar mensalmente ou de uma batelada só.

3) Responsabilidade civil (Responsabilité Civile): Não basta um seguro para quando você se ferrar, é preciso ter um seguro pra quando você ferrar os outros. Isso é o seguro de responsabilidade civil. Para os estudantes é obrigatório que o seguro cubra os sinistros que possam ocorrer durante os estágios e é extremamente importante verificar isso antes de fechar o contrato, do contrário será necessário fazer outro seguro ou arcar uma recisão contratual. Muitos bancos oferecem esse seguro como cortesia para a abertura da conta. O banco onde eu abri a conta oferecia, mas acho que por alguma confusão na hora de marcar o formulário eu escolhi outra opção. Resolvi fazer na SMEBA, paguei mais caro por isso, mas me poupei da dor de cabeça de rever o contrato do banco. Além disso, era apenas 12€.

4) Seguro residência (Assurance habitation): É necessário para regularizar a situação com os proprietários da residência universitária. Os valores mudam bastante, pois depende do tipo de residência e da quantidade de colocatários. Alguns bancos oferem como cortesia, era o caso do meu. Mas como eu disse acima, eu fiz alguma besteira e perdi essa oportunidade. Procurei a SMEBA para fazer o seguro, o valor era de 39€ sem cobertura de furto e 51€ com cobertura de furto. Optei pelo plano mais completo, embora acredite que não terei problemas com isso.



Residência
Outra grande complicação. Para estar em situação regular é necessário preencher duas fichas, apresentar um RIB, apresentar uma cópia do visto, ter um seguro habitação e deixar um cheque-caução de 380€. Neste momento ainda estou irregular, pois nem o meu talão de cheques nem o meu cartão chegaram e para isso eles aceitam apenas cheque.



Ajuda de aluguel (CAF)
Existem na França ainda alguns indícios do governo socialista de François Mitterand. Um deles é a Caisses d'Allocations Familiales (CAF). Trata-se de um órgão que concede ajuda financeira para o pagamento de aluguel. Para estrangeiros um dos documentos necessários é o Titre de séjour, uma espécie de visto estudantil de longa duração. Para fezer o Titre de séjour é necessário preencher um formulário entregue ainda no Brasil, quando recebe-se o visto na embaixada francesa, e enviar por correio para um escritório do serviço de imigração. Após alguns dias o escritório envia uma convocação para uma visita médica, que custa 55€.

Durante os primeiros dias nos disseram que a Direção de Relações Internacionais cuidaria disso por nós. No entanto, decidi enviar logo hoje por conta própria por ter achado os responsáveis da École demasiadamente morosos.

O meu aluguel aqui é de 220€, mas isso depende do apartamento em que você é alocado. Tive sorte de pegar um barato e, por outro lado, azar por ser pequeno. Com a ajuda da CAF esse valor pode chegar a 100€ ou menos.




Há muitos gastos no primeiro mês, sejam de taxas ou de materiais para a casa. Eu estimo que encerrarei setembro com uma despesa total de cerca de 1800€, contando gastos com alimentação e lazer. É interessante prever esses problemas e ter economias para servir de lastro.

Parrainage

Uma das primeiras coisas que fizemos quando chegamos aqui foi preencher uma ficha de parrainage, algo como apadrinhamento. Os padrinhos são alunos do segundo ano que devem nos orientar quando tivermos dúvidas quanto ao funcionamento da escola. Na ficha devíamos fornecer uma miríade de informações pessoais que seriam úteis para traçar nosso perfil e escolher o melhor padrinho para nós. Entre elas: qual o apreço pela música e pelas artes, quais clubes deseja participar, quais esportes deseja praticar e qual a aparência que deseja que o padrinho tenha (as opções eram Brad Pitt, Marlon Brando, Angelina Jolie, uma vaca leiteira e um nerd).

Os estudantes franceses fizeram o mesmo quando chegaram e, de posse das fichas, o Bureau des Éleves (BDE) determinou quais eram os pares de padrinho-afilhado. Hoje foi a cerimônia de apadrinhamento, acabei de voltar de lá. Não tinha certeza de como seria, mas achava que haveria um quadro com os nossos nomes e o nome dos respectivos padrinhos do lado. Ledo engano, era muito mais difícil do que isso, e muito mais inteligente e engraçado também.

No fundo do salão havia grupos de objetos separados pelas iniciais de nossos sobrenomes. Cada novato devia ir ao grupo de objetos que correspondia ao seu sobrenome e procurar um objeto identificado com o nome. É aí que começou a brincadeira, cada novato tinha que procurar o seu padrinho, que é a pessoa que deixou seu objeto lá. O negócio é chegar nos veteranos e sair perguntando se ele é seu padrinho e mostrar o objeto. Caso ele não conheça, você pode perguntar se ele tem idéia de quem seja. Raramente eles dão respostas diretas, é como uma caça ao tesouro. O mais interessante de tudo é que os veteranos também não sabem quem são seus afilhados e ficam lá esperando os calouros chegarem para conversar. O objeto funciona como uma senha para possibilitar o encontro. Nessa história a gente termina falando com um milhão de pessoas e fazendo amizade.

Os objetos eram os mais variados possíveis. Alguns que eu me lembro são: um copo, uma carta de baralho, uma lata de bolas de tênis, uma bacia, um bastão de hóquei, uma batata, um pepino, uma coroa, um travesseiro, vários tipos de chapéus e vestimentas. Alguns deviam ser devolvidos, outros eram um presente. O meu objeto era um ratinho cinza de pelúcia, muito simpático por sinal, e que agora me fita com um olhar meio vesgo do alto da minha estante. Eu soube de imediato que o meu padrinho ou madrinha era alguém do Bureau des Arts (BDA), pois o seu mascote é um rato. Os membros do BDA usam camisas gola polo cor-de-rosa e toda vez que eu perguntava para algum deles se era meu padrinho, a pessoa falava que não e me aconselhava a procurar alguém com camisa polo cor-de-rosa. Ninguém me dava uma característica física, algo palpável. Após algumas perguntas eu descobri que era um cara. E depois de muito andar uma menina do BDA fantasiada de vaca me disse que o meu padrinho estava usando uma bermuda de quadriculada e que tinha uma barbicha. Daí eu o encontrei. Ele estava de polo rosa, mas admitiu que havia tirado a camisa pra dificultar minha vida. Quando ele viu que estava ficando muito difícil a colocou de novo. De fato havia algum tipo de relação entre mim e ele. Foi fácil perceber que tentaram nos aproximar através do esporte. Ele praticou remo e atualmente pratica vela e na minha ficha pus que o remo era minha primeira opção e que a vela era a segunda.

Achei uma tradição realmente inteligente. Pena que esse tipo de coisa não acontece no Centro de Tecnologia da UFC. Acredito que uma das características que tornam uma instituição de ensino forte seja o elo que os estudantes criam entre si. Esse elo afetivo se estende à escola, pois ela foi o ambiente onde os laços foram criados.

O tonus

As festas aqui são conhecidas como tonus e ontem ocorreu a primeira. O tema era Chic'N Choc, ou seja, os participantes deviam ir trajados de forma chique, mas com um acessório choc. No meu caso o chique era o conjunto calça, sapato, gravata e camisa e o choc era um gorro, mas por algum motivo as pessoas achavam que minha gravata verde e azul era o tal acessório. A festa ocorreu numa boate a uns 7 km da escola e era possível comprar o ingresso junto com a passagem de ônibus. No entanto, quando eu comprei o meu só havia lugar no ônibus de 01:00, que era muito cedo para uma festa que começaria às 23:00. Resolvi que o melhor seria esperar até o bonde voltar a passar.

Antes da festa houve uma soirée aqui na residência. Algo meio como uma preparação para a festa. O ponche era liberado e eu francamente detestei, de forma que não bebi muita coisa. Às 23:00 fomos para a parada de bonde. Lotamos o transporte com aproximadamente 200 pessoas, das quais a maior parte estava completamente bêbada e cantando toda sorte pornografias impublicáveis. O engraçado é que pela manhã, durante a rentrée a diretora de comunicação da escola falou severamente que nós, estudantes da École Centrale de Nantes deveríamos nos portar civilizadamente e como cidadãos exemplares. As pessoas se entreolharam com aquela cara de "como vamos encher a cara"? Um vetereno nos contou que era simples, era só fingir que éramos alunos de outra escola. Dessa forma, quando a turba de centraliens entrou no bonde imediatamente começou a cantar "Audencia, allez! Allez! Allez"! Audencia é a escola de comércio e administração que fica do outro lado da rua.

Muitas paradas, algums problemas com a polícia e diversos cidadões pacatos incomodados depois, chegamos. A boate era extremamente longe da parada e fizemos uma caminhada bastante considerável. O espaço era muito mais ou menos, mas confesso que me senti mais à vontade do que em uma boate brasileira. Por quê? Porque é impossível ficar com vergonha, porque sempre tem alguma pessoa fazendo algo muito sem noção do seu lado.

Já haviam me dito que os brasileiros fazem a festa aqui porque enquanto as francesas dançam, os franceses tiram a roupa e ficam brincando entre eles. Achei que era brincadeira. Não é. Os caras ficam se agarrando, sem beijos, mas se agarrando. Pegam na bunda uns dos outros, usam lingeries por cima da roupa. Há também os que tiram a roupa e ficam só de lingerie. Teve inclusive dois que tentaram me encoxar, mas não adianta dizer que é por causa do meu cabelo grande, pois eu tava de calça e gravata! Vi poucos franceses tentarem alguma coisa com as mulheres e a festa foi um prato cheio para os brasileiros, sobretudo os cariocas, pois esses não perderam tempo. Por outro lado, acho que as mulheres aqui da escola não vão querer mais nada com os brasileiros, pois nossa reputação forjada ontem pareceu não agradar.

Saí da boate às 3:00. Ainda tentei entrar no ônibus sem convite, mas não consegui. Para estrangeiros e mulheres era mais fácil, mas não garantido. Mas para mulheres estrangeiras era praticamente certo. Resolvi voltar a pé, com alguns brasileiros após fracassarmos. Cheguei na escola após duas horas e quinze minutos de uma longa caminhada num friozinho de 10 graus sem casaco ou moletom. O pessoal não tava muito contente, mas eu com meu lado Poliana pensava que isso jamais seria possível no Brasil por causa da violência.

Há ainda um pequeno fato que merece ser contado para encerrar essa postagem com um viés de humor. Enquanto eu e alguns outros voltamos a pé e outros (um francês e um alemão) voltaram correndo, um paulista decendente de japonês utilizou um artifício esperto: pegou um tíquete de bonde, uma nota de 5 euros, fez cara de criança abandonada, chegou no ônibus e disse macarronicamente "I not speak french". Resultado final: ficaram com pena e levaram ele. O mundo realmente é dos espertos.

Rentrée: quando a coisa começa.

Exatamente uma semana desde que eu não posto, mas não morri. De fato o que ocorre é que nos primeiros dias na residência a nossa atenção está sempre voltada para resolver os problemas da chegada... Ontem foi a rentrée oficial da escola. Isso quer dizer que ontem foi o dia em que o semestre começou para valer, os alunos novos foram acolhidos como uma turma (com direito a foto logo no primeiro dia) e os procedimentos comuns para nativos e estrangeiros começaram. No entanto, vale voltar um pouco no tempo, já que os franceses começaram a chegar bem antes.


A chegada
Os primeiros franceses chegaram no dia 04 de setembro, entre eles o meu colocatário(usuamente chamado de coloc). Tinha muito medo de pegar um cara desorganizado, beligerante e/ou chato. No entanto, tive sorte. O cara é um rapaz do interior, de uma cidade que não deve ser maior do que o meu bairro. Ele é organizado, amistável e dá indícios de que é uma pessoa fácil de se conviver. Para ele, porém, nem tudo são flores. Ele ficou extremamente feliz quando descobriu que o coloc dele seria brasileiro, pois acreditou que teria alguém para falar de futebol. Imaginem a decepção dele quando ele descobriu que eu sou o único brasileiro que não consigue manter uma conversa de mais de dois minutos sobre o assunto.

Ao longo dos dias mais franceses chegaram e os estrangeiros partilhavam entre si as impressões sobre seus respectivos colocs. No sábado, a maior parte já tinha chegado e aconteceu a soirée mousse, algo como "a noite da espuma". Eu já havia ouvido falar disso antes e já estava preparado para o que ia acontecer, mas minha reação foi completamente diferente do que eu imaginava.

No último andar da residência 2 (eu moro na 1), os franceses jogaram água e sabão no corredor. A idéia era correr, saltar e escorregar até o outro lado do corredor. Evidentemente após o consumo de bebidas alcóolicas. É uma coisa idiota, infantil e completamente louca. E eu fiz. Apenas dois dos brasileiros fizeram, para ser mais preciso. Acreditava piamente que eu jamais faria isso, mas fiz. A razão é simples: onde e quanto no Brasil seria possível fazer uma coisa dessas e ainda ser considerado normal? Eu tenho uma filosofia que consiste em fazer o máximo para criticar algo apenas depois de conhecer, mas isso não vale para drogas e muito menos para opções sexuais! Depois de quatro escorregadas no corredor (duas idas e voltas), alguns hematomas e um arranhão que me faz lembrar minha aventura toda vez que eu me encosto numa cadeira, eu retornei ao meu estado de sensatez habitual.



A turma
A minha turma, que aqui é chamada de promotion ou simplesmente promo é composta de 330 pessoas, das quais 30% são mulheres. Eles vêm de todos os lugares da França e tem sido muito fácil fazer novas amizades durante esses dias. Na realidade, agora é o momento da integração e quando todos os grupos estiverem cristalizados vai ser muito difícil conhecer outras pessoas. Ou seja, é preciso socializar-se a todo custo agora. Como meu objetivo é poder transitar entre vários grupos com liberdade, eu procuro conhecer o máximo de pessoas possíveis, homens e mulheres.

Acredito que eu seja o brasileiro mais enturmado com os franceses no momento. Passo boa parte do meu tempo com um grupo deles, que foi se agregando aos poucos ao juntar-se fragmentos de outros grupos e são pessoas com quem descobri afinidade imediata. Foi assim que conheci dois franceses que tocam gaita e temos trocado algumas figurinhas.

Foi por causa desse grupo que eu ganhei um apelido. Enquanto conversávamos sobre insultos nas mais diversas línguas, eles perguntaram quais os insultos em francês que eu sabia. Além dos clássicos eu disse que havia aprendido dois ao ler o romance "O estrangeiro" de Albert Camus em francês. São eles: saloud(imbecil) e charogne(carniça). Eles riam muito por eu ter dito este último e me falaram que isso é coisa de velho aqui, que se eu insultasse alguém dessa forma eu seria motivo de piadas. Não foi preciso insultar ninguém: no dia seguinte ao me apresentar a uma garota eu ouvi a frase "C'est toi l'Angelo charogne?".

Tenho observado também que os brasileiros são muito populares. Muitos já me disseram que a popularidade era sobretudo entre as mulheres, mas acho que a coisa não é bem assim. Estou me acostumando a ser cumprimentado por caras bêbados que eu não conheço e ser chamado pelo meu nome por eles. Isso acontece com outros brasileiros também.

Na cerimônia de recepção cada aluno ganhou de presente uma bolsa e um pen drive de 2 Gb. Durante a tarde ocorreu uma visita pela escola e tivemos oportunidade de visitar alguns laboratórios. Tive sorte, pois visitei aqueles que estão mais ligados a engenharia mecânica. O primeiro, e o que eu mais queria visitar, foi o laboratório de mecânica dos fluidos. Lá havia um túnel de vento de circuito aberto muito grande, creio que de mais de 25 metros de comprimento, e uma seção de teste que eu estimo em 3 X 2,5 m. Havia outros três túneis de vento menores. O outro laboratório foi o de engenharia civil e materiais, que realiza pesquisas na área de resistência de materiais e crash tests automobilísticos, aeronáuticos e ferroviários.

Neste fim de semana ocorrerá o WEI (Week-end d'integration). É a última grande oportunidade de fazer amigos e trata-se de um fim de semana em bangalôs em alguma praia cuja localização é segredo de estado. Outra oportunidade foi o tonus.

Rez Max Schmitt, enfim!

Ontem (01/09/09) ocorreu a rentré. Todos os estrangeiros que participarão do Duplo chegaram pra receber as chaves de seus apartamentos. Eu peguei as minhas após uma rápida inspeção junto com o zelador. O apartamento é localizado no primeiro andar, serve para duas pessoas, tem dois quartos separados e uma cozinha e um banheiro comuns. É banheiro mesmo, não tem essa esculhambação de "salle de bain" e "WC", que é o padrão por aqui. Espero que meu colega francês, que chegará junto com todos os franceses na segunda feira que vem, não seja nem chato nem fedorento, muito menos ambos!

Depois da entrega das chaves aconteceu um "churrasco", já que um churrasco francês não merece ser escrito sem aspas. O evento foi organizado pelo Bureau des Étudiants (BDE), algo como um grêmio estudantil, e a comida era basicamente pão, salsicha (ou linguiça ou seja lá o que aquele troço era...), maionese e catchup. Para beber: suco de maçã, laranja, abacaxi, 12 frutas diferentes que eu não me lembro e ao mesmo tempo num suco só ou energético Burn. Estavam presentes no evento tanto veteranos quanto calouros. Eu tentei falar o máximo possível o francês e evitar ficar em rodinhas de brasileiros. Falei com um bom punhado de pessoas de nacionalidades diferentes. O caso mais engraçado foi quando eu falei com uma veterana da Hungria: quando eu disse que eu era de Fortaleza ela arregalou os olhos, riu e desconversou. Perguntei o que tinha acontecido e a resposta dela, que eu aqui resumo em poucas palavras, foi: "os brasileiros de Fortaleza que eu conheci eram todos uns galinhas". Eu já tenho uma reputação e tanto, para mal ou para bem, forjada pelos meus veteranos de Fortaleza...

Vou tentar fazer um panorama rápido dos estrangeiros da minha turma. A maior parte é composta de brasileiros. É extremamente fácil NÃO falar francês aqui, pois para todo lado que eu olho há brasileiros e rodinhas de brasileiros. É preciso fazer um esforço fenomenal para falar francês e por enquanto poucos são os que fazem, entre os quais eu me incluo. Tem até alguns poucos brasileiros conversando entre si em francês para não ficar falando direto o português.

Em seguida, o segundo grupo mais numeroso é de chineses. Alguns deles adotaram nomes ocidentais como Stella ou Paul para facilitar nossa vida, ainda bem. Eles também estão sempre em grupo e a maior parte fala sofrivelmente o francês. Não tenho nem idéia de quantos são também. Não parei para contar.

Há também dois japoneses, dois homens. Um deles fez o percuso de Vichy a Paris de bicicleta há duas semanas e foi destaque na imprensa francesa e tem jeito de ser meio louco, mas acho que isso era fácil de deduzir. Ambos são bem legais e falam bem o francês, ainda que tenham aquele probleminha conhecido com o "R" e com o "L". Eles me chamam de "Angerô".

Há ainda dois russos, uma mulher e um homem. O cara é engraçado e é sempre o que tem a iniciativa. Nos deslocamentos em grupo ele está sempre à frente. A garota, e o séquito de homens atrás dela, daria um belo objeto de estudo para aqueles que se interessam pela Teoria dos Jogos.

Há também dois mexicanos, que pouco falam, pouco se enturmam e falam um francês compreensível, mas com um sotaque marcadamente hispânico. Quem porventura escutá-los falando poderá achar que é espanhol, mas depois de prestar atenção às palavras é possível perceber que eles estão falando francês. Também latino, mas muito mais enturmado, um chileno de aspecto meio roots faz parte da turma.

Há um alemão de uma cidadezinha perto de Munique. Conversei um bom tempo com ele ontem. Antes de estudar engenharia ele era operário e eu acredito que ele seja o mais velho da turma. Ele anda muito com os brasileiros e sofre bastante quando a galera começa a falar português e esquecem que ele está ali.

Por fim, há uma húngara que veio de Budapeste com a família de carro depois de três dias de viagem. A família dela trouxe comida o suficiente para umas 3 pessoas por um mês. Ela está sempre com brasileiras e também sofre do mesmo mal que o alemão. Um detalhe: ela não estudava engenharia antes de vir pra cá, mas física.

Voltei para a residência e tive uma dificuldade incrível com o chuveiro e a banheira (sim, aqui tem uma banheira). Ao fim do banho eu tinha minha própria piscina particular dentro do apartamento. Não sei se foi por ter dormido às 5:30 da manhã no dia anterior para lavar roupas, ou pela quantidade de energéticos que eu tomei, mas eu estava sem sono quando o churrasco terminou. Depois de arrumar meu quarto saí da residência de madrugada e fiquei perambulando em volta dela, dentro do terreno. Boa parte do tempo olhei o céu daqui, para comprar com o do hemisfério sul. Durante esse tempo ouvi alguns barulhos e vi uns vultos no jardim. Me aproximei e vi que era um bichinho, um roedor, de uns 20 cm de comprimento, bem redondinho e cheio de espinhos. Vi também o que acredito ser um esquilo, mas passou rápido demais para que eu identificasse e a escuridão não ajudou.

Retornei ao meu apartamento e inventei de dar uma de machão: dormir só de bermuda, como fazia no Brasil. Depois de um tempo isso ficou impossível e mesmo agasalhado eu sentia frio. Dormia feito um charuto, com uma pate do corpo na cama e a outra apoiada na parede. Ainda durante a noite, eu resolvi que um travesseiro e um cobertor estariam entre minhas prioridades de compras de hoje.

Hoje tivemos uma apresentação rápida dos professores e funcionários que lidarão diretamente conosco. Também ficamos a par de todos os procedimentos burocráticos que devemos fazer e de todas as taxas que devemos pagar. Os bolsistas da Egide não precisam pagar quase nada. Por outro lado, eu, que tenho um terço da bolsa deles, e os bolsistas da Capes, que têm metade, devemos pagar taxas consideravelmente altas. C'est vraiment ennuyant!

Minhas primeiras impressões sobre a escola foram muito boas, a infraestrutura parece excelente. E só o fato de haver duas máquinas de café e chocolate quente (apenas 0,40€ o copo!!!) já vale pra estudar aqui. Hehehe. Brincadeira.