Pouce d'Or Parte 1

Essa postagem é tão grande, mas tão grande, que merece um índice. Ok, exagerei. Mas aqui vão algumas expressões chave para dar uma idéia do que vem por aí.

* Uma tradição aventureira anual em sua sétima edição.
* Quase cinquenta duplas de aventureiros/malucos/perdedores
* Um saco de jujubas e um radical alimentar
* Uma banda de eletrofunk e o porte de substâncias psicotrópicas


Esse é o post mais longo da história do meu blog. Eu o havia publicado em uma lapada só. Resultado: ninguém leu. Uma pena, pois ele é muito interessante. Foi por isso que eu o fracionei em quatro. Espero que isso ajude!


1) Introdução

Pouce d'Or
significa literalmente polegar de ouro e é uma referência ao clássico gesto que as pessoas fazem para pegar carona. Trata-se de uma tradição da escola, uma competição que acontece anualmente desde 2003. O objetivo é viajar em dupla o mais longe possível em um fim de semana apenas através de caronas. Duplas de garotas são proibidas, pois fica muito mais fácil conseguir caronas e, além disso, pode ser perigoso. A pontuação é o número de quilômetros rodados tomando como referência o caminho mais curto possível, mais bônus, menos penalidades. Os bônus podem ser obtidos através de várias formas e eu me furto a escrever apenas as que eu me lembro e que são as mais engraçadas: ficar com o(a) motorista, pegar carona com um cego, pegar carona em um carro de luxo/esporte, pegar carona com um travesti. A penalidade é a perda de 100 km de percurso a cada hora de atraso, a contar das 08:00 da segunda feira, horário de início das aulas. A dupla é desclassificada se utilizar-se de transportes pagos (trem, avião, ônibus) para se deslocar entre as cidades ou caso se separe. O uso de coletes fluorescentes é obrigatório para as duplas que estiverem na estrada à noite e a permanência nas proximidades da barreira de segurança é fortemente desestimulada. Um estudo comprovou que a expectativa de vida de alguém que tenta pegar carona atrás da barreira é de vinte minutos. Para aqueles que tentarem pegar carona do outro lado da barreirra, má notícia: sete minutos de expectativa de vida.

A competição de 2009 bateu alguns recordes: foram 47 duplas inscritas, contra 30 no ano passado. Não consigo imaginar um bom motivo para tanta gente. Talvez tenha sido a vontade de bater o recorde estabelecido no ano passado pela dupla da namorada do meu padrinho: Lenz na Áustria. Eles tiveram a sorte de encontrar um carro com romenos voltando para casa. Eles atravessaram quase toda a Europa Ocidental em apenas um carro e a uma velocidade média de 150 km/h em cada percurso. Conseguiram voltar na noite de domingo e gozaram de uma boa noite de sono.

Eu resolvi participar do evento assim que soube de sua existência e de suas particularidades, na primeira semana de aula. Escolhi minha dupla já naquela época. Ele se chama Loïc, é francês, mora com um brasileiro e um outro francês e certamente tem um parafuso a menos. Acho que foi por este motivo que eu o convidei para ser minha dupla. Compramos o material para a viagem: uma lanterna, um mapa, coletes fluorescentes, frutas secas, compota, biscoitos, isotônicos, energéticos e bombons para oferecer para os motoristas. Nosso objetivo inicial era cruzar a fronteira da Polônia e voltar.


2) A Largada

A largada foi dada às 09:00 do sábado. O nosso plano era tentar pegar uma carona na periferia de Nantes com destino a Paris. Infelizmente muitas outras duplas tiveram a idéia de pegar carona no mesmo lugar e formamos uma longa fila de malucos com coletes fluorescentes ao longo da rua. Nós mostrávamos um cartaz com os dizeres "Paris" de um lado e "Angers/Le Mans" no outro. Além disso, exibíamos um saco de uma espécie de jujuba para oferecer aos motoristas.

De maneira geral, as duplas mistas conseguiam carona primeiro. Nós começamos a ficar cansados e o saco de jujuba rapidamente ficou pela metade. Apesar disso, ainda conseguíamos interagir com os motoristas e a maioria deles, ainda que não nos dessem carona, se divertiam com a cena, sorriam e acenavam. Próximo das 10:30 um carro finalmente parou para nós. Era um senhor por volta dos cinquenta anos que ia para Paris. Assim que entramos oferecemos as jujubas e recebemos um gélido "Eu não como isso. Tem açúcar demais".

Conversamos, explicamos o motivo de estarmos ali e a louca jornada que fazíamos. Ele perguntava muitas coisas sobre o Brasil e a conversa desenrolava-se de uma maneira bastante previsível, eu diria. Ele nos contou que era técnico em eletrônica e que trabalhava em uma fábrica de equipamentos de radioterapia. Quando o assunto câncer foi citado a conversa saiu completamente das veredas da previsibilidade.

Ele nos perguntou "Vocês conhecem o cloreto de magnésio?". Bem, de certa forma nós conhecíamos, sabíamos que era um sal, conhecíamos os elementos químicos componentes, mas não tínhamos muitas noções do seu uso. Ele nos disse que o magnésio é fundamental para a manutenção celular e que uma dieta fraca em cloreto de magnésio pode ser uma das causas para o câncer.

Até aí tudo bem, mas o que veio em seguida já começou a ficar mais interessante. Ele nos disse também que alguém que tenha uma dieta rica em cloreto de magnésio é menos propenso a sofrer os efeitos de uma gripe e que a gripe A, a gripe suína e a gripe aviária são produtos da dieta deficiente da maioria da população. Segundo ele, o cloreto de magnésio cura a poliomielite, a meningite, previne cãimbras e, como não poderia deixar de ser, combate a impotência sexual.

Durante as quase quatro horas em que estivemos com ele ouvimos um discurso proselitista sobre o cloreto de magnésio. Ele diz que os seus benefícios são pouco conhecidos por causa do lobby da indústria farmacêutica, que faliria caso as pessoas os conhecessem. Ele também falou de algumas de suas práticas alimentares, como jejuns de uma semana e abstinência de leites e derivados, bem como outras práticas menos comuns como medir regularmente o ph da urina para saber o estado do organismo. Ele afirmava que era preciso encontrar um equilíbrio, que se alimentar bem não bastava, era preciso ser feliz. E se o fato de restringir a dieta fosse uma fonte de estresse, então era preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre a boa alimentação e o prazer de viver. No fim das contas ele nos deu um envelope do bendito sal para experimentar.

Já próximo da periferia de Paris ele nos mostrou uma outra faceta radical, desta vez política. Ele acreditava que a descolonização francesa havia sido um erro e que a Argélia deveria continuar como colônia francesa. Seus argumentos eram calcados unicamente numa visão utilitarista metropolitana e os interesses das colônias não pareciam ter nenhuma importância.

Nós havíamos pedido para que eles nos deixasse numa estação de serviço antes de entrarmos em Paris, se possível no anel viário intermediário. Isso se deve ao fato de ser muito mais difícil pegar caronas dentro das cidades. O homem fez a gentileza de nos deixar no lado oeste da cidade, quando seu destino era o leste, e tornou muito mais fácil pegarmos uma carona conveniente, pois achar alguém nas proximidades de Paris que siga direto é muito difícil, a maioria dos motoristas entram na cidade. Segue uma foto com o cara e o envelope de cloreto de magnésio. Eu me toquei na hora em que a câmera disparou que o meu cartaz estava de cabeça pra baixo. A propósito: está escrito "loin", que significa longe.



3) O trecho Paris-Metz
Como eu disse antes, nosso destino inicialmente era a Polônia. O melhor caminho era, portanto, seguir de Paris rumo a fronteira nordeste, com a Bélgica, e então Alemanha e Polônia. No entanto, dez minutos depois de chegarmos na estação de serviço encontramos uma van e um grupo de quatro jovens. Nós os abordamos e perguntamos para onde iam. Eles responderam que iam para Metz, uma cidade a leste de Paris e quase na fronteira com a Alemanha. Como quem é flexível não quebra, resolvemos mudar de planos e aceitar uma carona. Novo objetivo: Praga, capital da República Tcheca.

Antes mesmo de embarcar descobrimos que eles eram uma banda de eletrofunk e música experimental chamada Gable e que estava em tournée pela França. A banda era composta por três músicos e um engenheiro de som e ouvimos um pouco da música deles enquanto estavámos no carro. Era algo meio vanguardista, meio experimental e muito legal.

Um incoveniente é que um dos integrantes resolveu fumar dentro do carro e com as janelas fechadas, o que foi bastante desagradável. Nós conversamos razoavelmente com eles, mas também passamos um bom tempo conversando entre nós, enquanto eles discutiam entre eles. Na saída de um pedágio em Reims fomo parados pela polícia. Segue o diálogo:

- Bom dia. Para onde vocês vão?
- Bom dia. Para Metz.
- E o que vocês vão fazer lá.
- Somos uma banda, vamos fazer um show.
- E vocês têm algum material ilegal com vocês.
- Não, mas temos dois caroneiros ali atrás.
(Uma pausa para o guarda nos observar)
- Ok. Vocês podem seguir.

Achei na hora que o fato de nos "dedurar" foi meio que para dizer "nós não temos nada de ilegal, mas eu não sei quanto a eles". Ledo engano, quinze minutos mais tarde a única mulher do grupo acendeu o cachimbo da paz.

Chegamos em Metz às 17:00 sem maiores problemas. Pedi um autógrafo da banda no meu colete e brinquei dizendo que isso ia valer muito quando eles fossem famosos. Eles nos deram seus emais e pediram notícias da nossa aventura. "Boa viagem." "Bom show". "Boa estrada". Esperávamos que tudo corresse bem e acredito que estávamos certos. Aqui vai uma foto com deles:




E aí, começamos bem? O texto tá interessante? Pois ainda não acabou. Você acabou de ler a narrativa do primeiro quarto da viagem. Que tal dar uma espiada no que rola na sequência?
  • Uma enorme coincidência
  • Duas duplas, um furgão e um alemão que dirige sem as mãos na direção
  • Três horas no nosso destino final
  • Comunicação via desenhos rupestres
  • A mesma enorme coincidência. De novo
  • Um grego, a Legolândia e uma pequena pitada de nostalgia

Interessado? Por que não continuar lendo?

One response to “Pouce d'Or Parte 1”

Cláudia Módolo disse...

Ninguém leu, vírgula!!! Eu li e de uma só vez lá em Fortaleza...
Bj, Cláudia Módolo

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