A partida do EI2s

É passado o feriado de páscoa, a primavera chega a seu auge... E os veteranos vão embora. O quarto semestre é curto, pois é necessário fazer o "stage ingénieur", de duração de 4 meses. Do começo de maio até o começo de setembro, que é quando vocês, meus caros bixos, chegarão a escola ficará entregue a nós, os EI1.

É um tempo de despedidas, talvez até de tristeza para alguns... mas também é um tempo para fazer negócio, por que não? E foi o que aconteceu comigo... O Marco, um veterano nosso, pôs um anúncio na lista de emails vendendo uma bicicleta mais uma série de equipamentos por 100 euros e roupas de ski por 50 euros. Havia também uma raquete de tênis e algumas bolas. Três mais oito, noves fora... Fiz umas contas e estava valendo a pena. Eu já queria uma bicicleta há algum tempo e uma seria extremamente últil para vir para a escola no segundo ano. E quanto às roupas de ski, elas não estavam caras e eu já garantiria o equipamento para ir no ski da Fanfrale e no ski da escola no ano que vem. Fechei negócio. E o Igor pegaria o equipamento de tênis.

Chegando lá na casa dele encontrei o apartamento virado de cabeça para baixo. Quando a hora da mudança chega as coisas são assim mesmo... Estávamos eu, o Igor e o Adrian, cada qual procurando algumas coisas para si. Depois de dar aquela averiguada básica nas coisas ele me pergunta "você quer roupa?". Hum, por que não? Catei algumas peças de roupa que me interessavam.

Mas as coisas não pararam por aí....

"Você quer um quadro branco?"
"Você quer uma bandeira do Brasil?"
"Você quer livros?"
"Você quer...?"
"Você quer...?"

O Marco disparava as perguntas a queima roupa. Ele buscava desesperadamente achar um novo dono para cada item que não estava à venda na casa dele, mas que ele não poderia levar com ele. Caso contrário o destino seria o lixo. E isso acontecia inclusive com algumas maravilhosas canecas de vidro de um litro que ele trouxe da Oktoberfest. O espírito "lixeiro" começou a tomar conta de mim. Para completar a confusão, o Carlitos, que morava no mesmo apartamento, me pergunta "você tem saco de dormir"? Pois bem, agora tenho. Uma máquina de remar jazia no chão, tinha sido jogada no lixo pela vizinha deles e supostamente ela voltaria para lá... Não mais.

Eu, o Adrian e o Igor saímos carregados do apartamento deles. Dentro do bonde atraíamos olhares. Não é sempre que se vê três malucos levando tanta tralha.

Ao chegar na residência eu contei brevemente sobre o "Bazar do Tio Marco" para o Thiago. Eu não consegui trazer tudo de uma vez só e voltaria lá nos dias seguintes e o Thiago resolveu ir também para catar algumas coisas para ele também. Aqui vai a pequena lista do que eu sozinho peguei. Atenção, apenas eu:


Pacote de equipamento de ski (50 pilas):
- 2 óculos de ski (um doado para o Thiago)
- 2 pares de meias de frio
- 1 par de luvas de ski
- 1 calça de ski


Pacote de equipamento de ciclismo (100 paus):
- 1 bicileta de 21 marchas
- 5 câmaras de pneu
- 1 bomba de encher pneu
- 2 correias elásticas
- 2 correntes anti-furto
- 2 lanternas embarcáveis
- 1 kit de ferramentas portátil
- 1 capacete
- 1 par de luvas de ciclista
- 2 toucas de ciclismo
- 1 short de ciclista
- 1 calça de ciclista
- 1 jaqueta impermeável
- 1 mochila de ciclista
- 2 garrafas esportivas
- 1 segunda pele para o torso


Contribuir para o reaproveitamento de itens usados e diminuir a quantidade de lixo no planeta (não tem preço):
- 1 bolsa de esporte (usada para trazer as tralhas e que terminou virando doação também)
- 1 bolsa estilo pasta de livros
- 2 camisas sociais
- 1 camisa gola polo com as cores da Mangueira (para finalidades fanfarrísticas)
- 1 bermuda
- 1 saco de dormir
- 1 bandeira do brasil
- 1 kit de pedras semipreciosas brasileiras (doado para o Thiago)
- 1 protetor labial usado pela metade
- 1 cacto
- 1 caneca de 1L "emprestada" da Oktoberfest
- 1 ficha de secagem da lavanderia da residência
- 1 ficha de lavagem da lavanderia da residência
- 1 guia turístico de Praga
- Le père Gorjot, livro de Balzac
- Vários clips de papel
- Várias tachinhas para quadro de cortiça
- Moedas de países diversos
- 1 caixa com sachês de chá de vários sabores
- 1 caixa de caldo de carne
- 1 caixa de caldo de frango
- 1 caixa de caldo de legumes
- 1 colchão para fazer abdominais
- 1 máquina de remar...

É... Acho que foi só isso mesmo. Posso estar esquecendo uma coisinha ou outra, mas o principal é isso. Os meninos levaram outras coisas também, mas não lembro quem exatamente ficou com o que, então não vou separar os pertences:

- Várias canecas da Oktoberfest
- 1 livro de Kafka em alemão
- 1 mapa mundi da Airfrane mostrando as suas principasi rotas (2,50 m de comprimento)
- 1 paletó
- 1 calça de ski feminina
- Vários sacos de dormir
- 1 ficha de lavagem da lavanderia da residência
- 1 ficha de secagem da lavanderia da residência
- 1 raquete de tênis
- 3 bolas de tênis
- 1 luminária esférica
- 1 boné de frio (parecido com o do Chaves)

E isso não é tudo! O Roberto, o nosso eminente músico riograndense, deixou-me o violão dele. Gratuitamente. Com uma condição: que eu passe também gratuitamente para um outro novato no ano que vem. Excelente negócio. E eu confesso que já fazia tempo que eu estava louco para tocar violão de novo.

Mas isso tudo, é claro, tem um custo. Vocês conseguem imaginar o efeito que a chegada dessas coisas todas teve sobre o meu minúsculo quarto de 9 m²? Aqui vão algumas fotos do meu quarto.

A primeira foi tirada numa longínqua tarde de setembro, quando não havia absolutamente nada no apartamento e eu dormi num colchão sem colcha, usando um moleton como travesseiro e um casaco como cobertor:


A segunda foi tirada depois do bazar dos veteranos. Para dormir eu tirava as tralhas de cima da cama e jogava no chão. Ao acordar, eu jogava as tralhas de volta na cama para poder ter onde pisar:


Finalmente, a última sequência foi tirada depois de eu ter organizado todo o caos que estava por aqui:



Pouce d'Or parte 5

Um pequeno preâmbulo

Sim, você leu corretamente. Desta vez, no entanto, não há nada de caronas, de cartazes toscos feitos em papelão nem travessias alucinantes a 150 km/h na periferia de Paris. Mas nem por isso a história que vou contar aqui é menos sem noção.

Durante a competição, uma mulher, que havia experimentado pegar carona pela primeira vez havia pouco tempo, resolveu quebrar também o tabu de dar carona ao ver uma dupla vestida de coletes fluorescentes na beira da rua. Curiosa, ela perguntou do que se tratava e, voilà, ela descobriu o que era o Pouce d'Or.

Não tenho idéia de quem era a dupla, mas a mulher participa de uma ONG da cidade de La Chapelle sur Erdre, região metropolitana de Nantes, chamada de Solidarités Écologie. O objetivo da organização é desenvolver projetos concretos de sustentabilidade na comunidade.

Um dos projetos em curso chama-se Autostop Participatif (Carona Participativa). Os motoristas participantes do projeto colam um pequeno adesivo laranja no retrovisor direito do carro, o que permite a sua identificação pelos pedestres. Estes acenam e pedem uma carona. Pela quantia de 50 cêntimos por 10 km o pedestre embarca e segue viagem. Muitas vezes os motoristas dispensam os passageiros da taxa. Foi em uma ocasião assim que a protagonista dessas histórias, chamada Marianne, pegou sua primeira carona beirando os quarenta anos de idade.


Debatedor? Eu!?

Ok, concordo que até então isso é uma história ordinária, mas vamos aos fatos. A Solidarité Écologie realizaria um debate sobre sustentabilidade no trânisto no dia 5 de maio. O evento contaria com a presença de representantes do poder público e coordenadores de projetos de sustentabilidade. Foi então que a Marianne lembrou da dupla que ela havia conhecido e resolveu entrar em contato com a escola, mandando um email para o presidente do clube que organiza a competição. Dentro de um debate tão sério o papel dos competidores do Pouce d'Or provavelmente seria contar anedotas e quebrar o gelo.

O presidente então nos reenviou há pouco mais de um mês o email recrutando três voluntários e eu me prontifiquei. Da noite pro dia eu virei debatedor em uma mesa-redonda sobre transporte e sustentabilidade. Interessante, não? Junto comigo iria o Raphaël, a minha torcida de um homem só no WEI. O cara é super empolgado com o assunto e já tem um histórico respeitável de viagens de carona.

Uma média de idade... peculiar.

Chegamos ao local marcado, uma sala pública administrada pela prefeitura, com alguns minutos de antecedência. Lá já estavam alguns dos organizadores, um grupo de senhoras. Fato imediatamente constatado por mim e pelo Raphaël: excetuando-se a Marianne todas as outras senhoras haviam passado dos sessenta anos. Em seguida chegam mais dois senhores e a soma das idades dos presentes passou fácil dos 300 anos. Seguiu-se uma breve discussão sobre quem havia pego a chave da sala na prefeitura. Ninguém. Aquilo não estava parecendo a ocasião mais própria para contarmos a história de uma centena de jovens inconsequentes atravessando a Europa de carona.

Ficamos ali no frio do lado de fora da sala enquanto outras pessoas, quase todas organizadores ou debatedores convidados do evento chegavam. Assim chegou o conselheiro geral da cidade, algo como o presidente da Câmara de Vereadores no Brasil. Chegou montado em uma bicicleta com auxílio elétrico o diretor de uma empresa que oferecia soluções inovadoras em transporte sustentável, a Transway. Naquele grupo que já beirava vinte pessoas apenas duas não eram nem organizadores nem debatedores convidados. Se aquilo deveria ser um evento aberto ao público então estava sendo um fracasso. Mais parecia uma reunião rotineira da associação.

O frio piorava e ninguém chegou com a chave. Foi então que o diretor da Transway sugeriu fazer a reunião numa sala na sede da empresa dele. E lá fomos nós.

O debate

A reunião começou com uma explicação sobre o projeto Autostop Participatif e em seguida falou o Conselheiro Geral sobre o site de covoiturage (palavra para definir a ação de dar carona a pessoas que façam o mesmo percurso que você) mantido pelo Conselho da região.

E chegou a nossa vez de falar. Explicamos a competição, contamos anedotas e prendemos a atenção do pessoal por muito mais do que os dez minutos que haviam previsto para nós. Mostramos para alguns deles, ex-caroneiros, que ainda era possível pegar carona e fazer disso uma experiência enriquecedora. De modo geral, a receptividade à nossa participação no debate foi imensa.

Próximo da fila: o nosso anfitrião, Nicolas, o diretor da Transway. Apesar de ter visto o link para o site da empresa dele nos emails que a ONG nos enviara eu nem corri atrás de saber o que era. Foi só no debate que eu descobri do que se tratava. A Transway criou uma rede social, como o Orkut e o Facebook, para facilitar covoiturages. Ao invés de ligar pessoas por comunidades ou vínculos de amizade, como é o caso do Orkut, o critério é o caminho feito para o trabalho todos os dias. Isso permite aos usuários encontrar pessoas que façam o mesmo trajeto diariamente e compartilhar um carro com elas, evitando assim o número de veículos em circulação.

Para estimular o uso da rede foi criado uma espécie de programa de milhagens. Os usuários ganham pontos quando dão uma mãozinha ao meio ambiente. Esses pontos podem ser trocados por prêmios, sendo o melhor uma bicicleta com auxílio elétrico. E você deve estar se perguntando de onde vem o dinheiro para fazer tudo isso. A grande sacada é que a Transway conhece os hábitos diários das centenas de pessoas cadastradas no site: para onde vão e como vão. Essas informações são transformadas em estatísticas ("N pessoas do bairro A vão de carro até a empresa B no bairro C", por exemplo). A prefeitura de Nantes financia o projeto para ter acesso a essas informações, que permitem-na fazer um diagnóstico preciso do seu sistema de transporte público e então corrigir algumas das falhas. Genial, não?

É, eu e o Raphaël também achamos genial e num breve cutucão de cotovelo veio a pergunta "será que eles contratam estagiários?". Descobriríamos em breve, pois naquele momento assistíamos a uma apresentação do projeto que inspirou o Autostop Participatif e que havia sido posto em prática em outra cidade.

Por que não?

Por que não tentar? Por que não se a cada email que eu mandava para uma empresa eu era respondido com uma negativa, isso se me respondessem. Confesso que eu não me sentia tão cara de pau pra chegar no sujeito e pedir um estágio. Isso evidentemente não parecia ser o caso do Raphaël. Terminada a palestra ele começou a conversar com o Nicolas e após uma breve puxada de saco ele disparou a pergunta a queima-roupa. Resposta:
"Sim, me interessa contratar estagiários. Tomem meu cartão. Me enviem seus CVs"

Não precisava mandar duas vezes. No dia seguinte enviei meu CV. Na réplica ele me perguntou as datas em que eu poderia fazer o estágio. Na tréplica ele me deu o sim. Remuneração de 417 euros por mês, a mínima para um estagiário, para trabalhar durante dois meses no desenvolvimento de um aplicativo Iphone da rede social criada por eles. Alguns deslocamentos para Paris estavam previstos. Nada mal, visto que muitos dos meus colegas franceses conseguiram estágios não-remunerados.

Coloquei algumas coisas na balança. A escola solicita um estágio de duração mínima de um mês. Um estágio de dois meses tomaria todas as minhas férias. Eu sairia das provas, passaria dois meses trabalhando e voltaria para a dureza da escola sem ter um tempinho de descanso. E para completar, mal sairia da cidade. Resolvi arriscar e perguntei se eles tinham uma filial em Paris e se eu poderia ficar por lá. Por quê? Porque dois meses em Paris definitivamente não é a mesma coisa que dois meses em Nantes. Paris é muito maior e há muito mais coisa para fazer. Além disso, tenho um grande amigo estudando lá. Por que não tentar? Eu já ouvira tantos "nãos" nas últimas semanas mesmo... Mas dessa vez eu ouvi um sim, o meu segundo em menos de dois dias.

Da próxima vez que alguém me perguntar o que é que eu ganhei por rodar 2400 quilômetros pela Europa só pegando carona num período de 40 horas eu posso estufar o peito e dizer:

"Um estágio!"

Aos bixos... E aos bixos dos meus bixos... E assim por diante

Venho por meio deste texto falar de algo muito sério. Ignoro a quantidade de futuros centraliens que lêem o meu blog. A questão é que apesar de todos os meus textos que não tem nenhuma utilidade prática direta, eu escrevo uma boa quantidade de textos úteis e que podem lhes ajudar.

Pois é, vocês acham que eu faço isso por caridade? Por peninha? Eu não trabalho de graça, não! E agora, que alguns de vocês já devem estar arrumando suas malinhas para vir para cá, eu quero o pagamento. É isso aí mesmo que vocês leram. Eu quero o pagamento por meus serviços tão diligentemente prestados neste blog.

O pagamento, entretanto, é simples. Não é financeiro. Não é doloroso. Não é vergonhoso, a não ser que exista alguém do seu lado neste momento. Levantem-se, ponham a mão direita no peito e leiam em voz alta:


Eu, (Seu nome completo), como intercambista juro solenemente (pausa solene para acentuar a solenidade do juramento):

Que abrirei meu espírito para as experiências que o intercâmbio me proporcionará, para novas culturas e pensamentos. Livrarei meu coração de todo preconceito e tudo o que atente contra a tolerância e o conhecimento do próximo. Procurarei aprender o máximo possível e aceitarei que nem sempre esse aprendizado é acadêmico.

Juro igualmente que, apesar da distância do lar e as saudades dos entes queridos, manterei meus olhos abertos para apreciar o valor dos amigos que farei no além-mar e que estarei lá para ampará-los assim como eles estarão lá para me amparar.

E acima de tudo, na minha condição de selecionado para o Programa Duplo Diploma, juro (a pausa aqui é maior porque a solenidade é maior):

Fazer o que estiver ao meu alcance para ajudar meus futuros bixos, jamais lhes negando informação que eu venha a possuir ou conhecimento que eu possa transmitir. E que o farei de bom grado e independente de cor, credo ou universidade de origem. Ajudá-los-ei da mesma forma em que gostaria de ter sido ajudado.

Juro que se meus veteranos em sua totalidade ou parcialmente não houverem me ajudado a contento ou assim eu o julgue eu manterei meus votos de solidariedade e camaradagem em relação aos meus bixos.

Juro que instruirei meus bixos a fazerem o mesmo com seus bixos e estes com os bixos dos meus bixos, perpetuando este ciclo de boa fé por gerações e gerações de duplo-diplomandos. Zelarei para que os valores contidos neste juramento sejam seguidos e, se necessário for, submeterei meus bixos ao mesmo juramento tal como estou sendo submetido agora por um dos meus veteranos.
É isso aí, galera. Doeu? Não? Que bom. Espero que vocês cumpram isso. Se não cumprirem a Providência lhes punirá com um castigo equivalente a:
  • 78 espelhos quebrados
  • 256 passadas debaixo de uma escada
  • 365 cruzadas com gatos pretos
  • 1036 cervejas tomadas antes de brindar (e a ressaca proveniente de quantidade proporcional de cervejas)
  • Se você gosta de cerveja, substituir por um terço do volume em destilado ou o mesmo volume de champanha ou vinho
  • Se você gosta de todas as bebidas supracitadas, substituir por gasolina ou acetona
Juízo, hein!