Fim de ano 03: Angers

Dia 3: O clima da nossa queridíssima Bretanha deu o ar da graça de novo. Manhã com chuva e céu cinza-chumbo enquanto pegávamos a estrada para Angers.

Por que Angers?

Como eu disse no texto sobre La Rochelle, os destinos da nossa viagem foram escolhidos em função da distância à Nantes e no nosso interesse m conhecer o lugar. Dos lugares visitados em dezembro, Angers é o mais próximo de Nantes, mas eu acredito que já estava determinado que iríamos lá muito antes de escolhermos todos os destinos.

Explico-me. Nas férias de outono, quando fui a Florença, uma turma de brasileiros alugou um carro e fez um passeio pelo vale do Loire visitando alguns dos (inúmeros) castelos que existem na região. Entre eles estavam o Thiago e o Roger. As fotos da viagem deles são muito boas e os castelos lindos. Mas houve um castelo que eles não conseguiram visitar, pois só chegaram lá na madrugada do último dia de viagem. Foi o castelo de Angers.

Lembro que olhando as fotos deles, o tal castelo me chamou a atenção. É claro que imaginamos que os castelos sejam construções fortificadas, mas Angers é um castelo, digamos, anabolizado. Os outros castelos da viagem tinham muralhas e torres, mas também tinham vitrais e ornamentos e compunham um cenário bem semelhante aos castelos de brinquedo ou desenho animado.

Não era esse o caso do Chatêau du Roi René. O que as fotos da galera mostravam era uma muralha robusta, guarnecida por torres largas e de aspecto muito sólido. Rodeando a muralha, um fosso, cuja profundidade somada com a altura das muralhas dava uma aura de impenetrabilidade ao castelo. Do exterior, impossível ver qualquer sinal do que existe no intra-muros.

Acredito, então, que o o Roger já estava pré-disposto a ir a Angers, uma vez que não tivera a oportunidade de conhecê-la. E eu, embalado pelos relatos e fotos da viagem e fascinado pelo castelo, também já havia decidido.


A visita

Angers é a segunda cidade mais populosa do Pays de la Lore, ficando atrás apenas de Nantes. Situada nas bordas do Maine, um afluente do Loire, a cidade serviu como porto fluvial e fazia a ligação entre capital e o oeste.

Ela é conhecida atualmente por sua produção de flores, o que le vale o epíteto de Cidade das Flores.

Contrariando a tendência dos dois primeiros dias, o terceiro dia amanheceu chuvoso e brumoso. Ainda assim, a chuva era rala e não nos atrapalhou muito. Chegamos ao centro da cidade e de cara tivemos uma visão imediata do castelo. O exterior do castelo é de fato tão impressionante quanto as fotos mostram. Do fundo do fosso que o circunda, ao aldo das muralhas existe um desnível que alcança facilmente 30 metros. Cada uma das dezessete torres do castelo tem 18 metros de diâmetro.



Passada a reação provocada pela visão inicial, entramos. O interior do castelo contrasta um bocado com a aridez do seu invólucro. No interior, um delicado jardim dormina o pátio, com seis esculturas vivas. Próximo do jardim vê-se a capela do castelo, que é bem maior do que a maioria das igrejas de Forteleza, embora não exista mais nada além de uma cruz no seu interior.



Havia um pequeno jardim no fosso do castelo, igualmente bonito.


A maior atração do castelo, contudo, não se vê facilmente. Ela está guardada numa sala especial, climatizada e com luminosidade controlada. Em suma, o Rei Réné era um sujeito plácido e não tinha muito interesse em degolar inimigos ou se meter em orgias. Ele preferia dar uma de mecenas, financiar artistas e enriquecer o seu reino com obras de arte, sobretudo iluminuras (ilustrações feitas em livros, principalmente obras sacras). Mas a obra magna do seu mecenato, e que requer tantos cuidados, é a Tapeçaria do Apocalipse.

Antes de explicá-la detalhadamente, vamos a alguns números. A tapeçaria é formada por seis peças, que juntas totalizavam originalmente um conjunto de 6,5 m de largura por 130 m de comprimento e é até hoje a maior peça de tapeçaria já fabricada no mundo. O guia do castelo utilizou uma expressão muito interessenta para descrevê-la: trata-se da maior história em quadrinhos do mundo.

De fato, a obra é é "lida" como uma história em quadrinhos. Observa-se uma sequência de quadros que mostram sempre à esquerda São João, o "protagonista" da história. O pano de fundo dos quadros se alterna em vermelho e azul, as cores do brasão do reino de Anjou, antigo nome da região. Confesso que fiquei bestificado e segui a explicação do guia até o fim, acabando por ouvir toda a narração do Apocalipse e várias das suas interpretações. Interessante também foi observar as inúmeras mensagens subliminares feitas pelo artista, como a inclusão de símbolos da monarquia francesa entre as hordas do céu e símbolos do reino da Inglaterra entre as hordes infernais.

Mas, como sempre, nem tudo são flores. Boa parte da tapeçaria se perdeu, inclusive todo o texto que havia embaixo dos quadros, reduzindo a largura total a não mais do que 4,5 metros. As seis peças foram recortadas em várias, algumas foram vendidas, outras foram "recicladas" e uma boa parte do patrimônio se perdeu. Além disso, os séculos de exposição e descuido fizeram a pintura desbotar. Por sorte, o tapete foi feito em "dupla face": tudo que está pintado de um lado foi pintado rigorosamente espelhado do outro. A face preservada do tecido encontra-se hoje virada para a parede e não pode ser vista pelo público, mas por fotos é possível ver que as cores se mantiveram vívidas e nítidas.

Terminada a visita à sala da Tapeçaria, eu fiz um pequeno passeio para tirar fotos do castelo e rapidamente segui para a catedral, onde os outros me esperavam. Eles saíram bem mais cedo da visita porque os esforços do Roger em traduzir as explicações do guia para a mãe dele não foram bem recebidas pelos presentes e eles tiveram que se retirar, sendo acompanhados pelos demais.

Lá chegando, deparei-me com um homem de aspecto estranho e com olhos de louco que se benzia compulsivamente com a água bentas das pias que havia no nártex. Ignorei e segui pela nave até encontrar o resto do grupo bem perto do altar. Ao encontrá-los fui logo recebido com a pergunta "Viu o louco?", ao que eu respondi com um inseguro "acho que sim". O tal sujeito os havia abordado minutos antes, dizendo que havia participado da construção da catedral (iniciada em 1032). Segundo ele, a luz filtrada pelos vitrais que entrava na catedral ficava mais forte quando ele cantava e o vermelho ficava mais vermelho quando ele pulava. Eis um cara que tem poderes...

Após visitarmos a catedral, passamos um tempo nas proximidades da Maison d'Adam, uma casa em estilo medieval muito alardeada nos guias turísticos. Descobrimos que tanto alarde era descabido, pois além de possuir uma fachada muito bonita, a casa não abrigava nada mais do que uma loja de artesanato com preços muito poucos acessíveis. Acabamos atravessando a rua e fazendo a festa numa loja cujo nome, em tradução livre, é "Tudo por 2 euros". Findas nossas compras, pegamos o carro e voltamos para Nantes um pouco mais cedo do que pretendíamos, visto que não havia muito mais atrações turísticas visitáveis numa segunda-feira chuvosa.



(texto inacabado)

2 Responses to “Fim de ano 03: Angers”

Lays Tatagiba disse...

ao meu ver, o tiozinho da água benta foi A atração!
hahahahaha
brincadeira. o castelo parece mesmo lindo!

cara, essa lojinha "1,99 europeu" é o que há!
comprou muito?!
dá vontade de levar TUDO, né?

Lays Tatagiba disse...

ah, as fotos estão muito bonitas, viu!

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