O último blues

O blues é um estilo musical oriundo de ritmos dos grupos americanos de origem americana do sul dos Estados Unidos, sobretudo a Louisiana, uma antiga colônia francesa na América. O termo blues é bastante significativo e eu coloco aqui em seguida a definição que eu encontrei na wikipedia:

The term "the blues" refers to the "blue devils", meaning melancholy and sadness

Melancolia e tristeza. O significado de certa forma combina com os assuntos predominantes do blues: o álcool, as mulheres e o próprio ato de compor e tocar o blues.

Sou fã incondicional do estilo, do minimalismo que é capaz de transformar uma escala de cinco notas em algo tão rico de expressão e sentimento. Não nego que desde que comecei a tocar guitarra um dos meus maiores prazer é devanear, improvisar sobre uma harmonia blues por minutos a fio.

Quando cheguei em Nantes na tarde de 26 de agosto de 2009, se eu me lembro bem, eu encontrei a cidade fervilhando com um festival de música e desportos náuticos. Nos inúmeros palcos espalhados às margens do rio artistas destilavam o melhor do jazz da região e de alhures. Eu rapidamente elegi meu palco preferido: o palco blues. Passei dois ou três dias orbitando ao redor daquele palco, um copo de cerveja barata na mão, nas pontas dos pés sobre os trilhos do bonde. Acho difícil imaginar um começo melhor para o meu intercâmbio. 

Aquilo me impressionou de tal maneira que eu decidi que estaria presente na edição seguinte e, como não poderia deixar de ser, assistiria aos shows do mesmo palco. Modifiquei as datas da minha viagem para poder comparecer ao festival. Mais uma vez saí de lá com uma boa dose de boas lembranças, a maior parte delas ao lado de pessoas queridas. Lembranças com gosto de cerveja e gosto de algodão doce e nutella. Lembranças quentes como as chuvas de verão que molharam a cidade durante o festival mas não me fizeram arredar pé dali.

Por mim eu assistiria mais uma vez o festival antes de deixar a França. Julguei que, tal qual as duas edições anteriores, ele se desenrolaria no último fim de semana de agosto. Mas nesse período fui ver o Roger, um dos grandes amigos que fiz ao longo desses dois anos, em Toulouse. Foi com certa tristeza que eu pensei no festival e como eu perdera a possibilidade de estar lá uma terceira vez.

No meu último fim de semana na França eu fui a Nantes para encontrar uma parte dos amigos que fiz por lá: meus irmãos adotivos, meus bixos, alguns dos meus colegas de turma brasileiros e franceses. Encontrei também os bixos dos meus bixos, uma quinzena de jovens tão deslumbrados e eufóricos quanto eu quando estava no lugar deles. Estes eu não convivi por mais do que três dias, mas deixaram um misto de saudade e, por que não, blues justo por saber que o tempo de convivência não passaria disso.

Ao chegar em Nantes eu tive uma ótima surpresa. Diferente do que eu pensava o festival neste ano aconteceu no primeiro fim de semana de setembro. Ali estava minha chance de assistir à minha terceira edição do festival e eu agarrei-a. Foi delicioso relembrar...

  • As primeiras palavras em francês, desajeitadas e tímidas, trocadas com os ambulantes.
  • A degustação dos quitutes senegaleses cujos ingredientes e métodos de fabricação (felizmente) só fui conhecer muito depois. Muitos deles eu ainda desconheço, para ser sincero.
  • A surpresa que tudo e qualquer coisa me causava, do horário do pôr-do-sol às placas de trânsito.
  • Os cheiros e sabores.
  • A música.
Tal como um ciclo, meu intercâmbio terminou como começou. Isso não significa que o início e o fim foram iguais. Um acorde que inicia e termina a mesma música deixa duas impressões bem distintas em quem o ouve.

Esse foi meu último blues na França. Talvez não o derradeiro, pois nunca se sabe. A música não parou, existem outras coisas serem contadas. Este blog começou antes mesmo de eu viajar para a França, contando alguns dos meus perrengues com o financiamento. Acho natural que ele tenha continuação depois que eu volte, afinal o processo de radaptação faz parte da experiência e me sinto no dever de contá-lo.

Estamos saindo da fase do "Nantes tarde do que nunca" para a do "Ceará que eu vou me acostumar?". Não, o blog não vai mudar de nome! Mas nesta nova fase os questionamentos e os relatos vão ser ligeiramente diferentes.

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