Ressureição do blog

Alerta aos desavisados: este post possivelmente será longo, mas muito longo mesmo. E não espere encontrar historinhas engraçadas (vá para os posts seguintes quando eles forem publicados). Embora chato, este post se faz necessário para aqueles que queiram entender meu sumiço. Se você quiser lê-lo e, eventualmente, comentá-lo sinta-se à vontade.

Faz mais de sete meses desde a última vez em que eu escrevi algo neste blog. Durante mais de um quarto da minha estada na França este blog esteve abandonado. E durante todo esse período eu deixei de publicar muita coisa que valia a pena ser publicada.

Os eventos da integração:
  • O fim de semana da integração
  • Minha afilhada
  • Os afilhados dos meus colocs
  • As festas
  • Os bixos

A Fanfrale:
  • Meus avanços no saxofone
  • O meu saxofone negro
  • As soirées tortuosas regadas a álcool
  • Os novatos
  • Os problemas

As coisas da vida:
  • O clima
  • As viagens... Londres, Toulouse, Salamanca, Côte d'Azur...
  • A relação com meus colocs
  • A sensação de ser veterano
  • Minhas dicas para os bixos
  • Minha família adotiva, que além de legal é bretã.
  • Minha tatuagem (você leu certo)
  • O estágio da minha vida, acompanhado de um emprego no brasil, que eu encontrei indo para um bar.
Esta lista não é exaustiva e não tenho dúvidas de que estou esquecendo algo. E mesmo as coisas das quais eu lembro não terão o memso frescor e vividez que teriam se eu houvesse escrito logo em seguida, como era meu hábito.

Eu posso alegar um sem fim de motivos para ter abandonado o blog... A falta de tempo é a desculpa padrão, e quase sempre a mais falsa. A falta de saco é uma desculpa menos esdrúxula, mas não era o caso, pois vontade de escrever nunca me faltou. Serei franco então. É mais fácil.

Eu passei um bom tempo longe de estar equilibrado emocionalmente. Esse estado se agravou com o desânimo outonal e a depressão invernal, já conhecidas de mim no ano anterior. Não que a falta de luz e as baixas temperaturas sejam suficientes para me derrubar. A questão é que a isso somaram-se outras coisas. A segunda biopsia em um ano à qual o meu pai, que tem mais de 80 anos, se submeteu por suspeita de câncer e os problemas que lhe privaram da voz. A minha vida amorosa, que depois de tanto tropeçar finalmente naufragou. O meu desligamento temporário da UFC e as minhas frustrações com as decisões arbitrárias e irracionais dos professores responsáveis pelo programa.

O que aconteceu ao blog foi o reflexo de um comportamento que eu tenho naturalmente no cotidiano: quando eu não estou bem eu me calo. Simples assim. Eu prefiro o silêncio a reclamar da vida, me lamentar. Eu preferi não escrever a publicar textos com raias de melancolia mais ou menos visíveis. Também julguei que o blog ao narrar o primeiro ano do meu intercâmbio tinha atingido o seu objetivo principal: auxiliar os aspirantes e novatos dos programas Duplo Diploma e Braftec.


E por que ressucitá-lo?

Pois bem, excelente questão. Espero que você tenha paciência para mais um pouco de blá blá...

A minha vocação é contar histórias. Sempre foi, mas só agora vejo isso. Por muito tempo fui frustrado com minha inaptidão absoluta para esportes, sobretudo se houver uma bola. Ou infeliz por não tocar guitarra como um deus do blues ou não desenhar como um Paulo Caruso. Todos que eu conheço têm algum talento especial e me chateava o fato de eu não ter nenhum, ou achar que não tinha. Meu talento é contar histórias. Parece inusitado falar assim, mas é a melhor maneira de dizer.

Quando olho pro meu lado vejo meus colegas que viajaram muito mais que eu. Que foram a mais festas que eu. Que, em um termo talvez mal colocado, viveram mais do que eu as experiências que este intercâmbio oferece. O mais engraçado é que nenhum deles tem tanta história para contar do que eu. Parece um paradoxo, mas eu cheguei à conclusão de que isso é fruto da maneira que eu tenho de encarar as coisas.

Este blog talvez passe a impressão de que coisas inacreditáveis e super legais acontecem comigo o tempo todo. Não é bem assim. A questão é que no momento em que eu saio de casa eu estou de espírito aberto para que coisas inacreditáveis e super legais aconteçam comigo. É sutil, talvez seja necessário reler a frase. Você pode pensar nisso como aquela filosofia barata de livro de auto-ajuda "não há caminho para a felicidade, pois a felicidade é o caminho". Para mim o mais importante não é a quantidade de pontos que eu marco em um mapa, o número de vezes que eu fui a uma festa ou a quantidade de bocas que eu beijei.

Estou certo de que se eu tivesse viajado mais, festejado mais ou namorado mais eu terminaria esse intercâmbio com a impressão de que não aproveitei o suficiente. Como todo mundo... Nada surpreendente. Mas quando eu penso na quantidade de histórias que eu tenho para contar sobre esses últimos meses, me convenço de que eu aproveitei o intercâmbio como poucos. Essa é a diferença que eu tenho na forma de encarar as coisas: eu extraio muito do pouco que eu vivo, eu não sou espectador da minha vida.


Três coisas a lembrar

Um efeito colateral de quando estou triste é pensar. Penso sobretudo nas razões que me deixam triste, mas frequentemente meu pensamento divaga e eu me encontro filosofando sobre coisas e mais coisas. Podemos admitir então que eu tive um bom tempo para filosofar e neste tempo eu desenvolvi um modelo. Um modelo de vida? Talvez. Um manual de instruções? Nem tanto. É um tripé. Três conceitos que me ajudam a refletir, agir e avaliar minhas ações.


1) Alegria e felicidade não são a mesma coisa

Não é discussão boba de semântica. Alegria é um estado, é passageiro. Você está alegre quando está fazendo um dia bonito, quando você recebeu um presente ou quando você se sente apaixonado pela sua namoradinha nova. É consequência direta de um fato que você encara como positivo. Ponto. Da mesma forma como a chateação é fruto de um fato negativo.

A felicidade é mais do que isso. É possível ser feliz com uma lágrima escorrendo pelo rosto ou sentindo dor. Felicidade é saber encarar os fatos da vida, bons ou maus, e ter a certeza de que estamos vivendo da melhor maneira possível. Isto é, de acordo com a nossa essência. Felicidade é harmonia entre o que somos e o que fazemos, é tranquilidade e confiança a despeito do que possa nos acontecer.

O nosso grande erro é confundir isso. É tentar nos manter em estado permanente de alegria. Quando nos sentimos mal procuramos imediatamente nos alegrar, tal como tomamos uma aspirina para aliviar uma dor de cabeça. Aliviar a dor é importante, mas é preciso saber de onde ela vem e agir sobre a causa. Também é importante refletir sobre o que nos deixa alegres e entender porque nos sentimos assim. Devemos buscar a auto-compreensão.


2) A vida é feita de encontros

Tente se lembrar de algum momento que foi marcante para você. Marcante: bom ou ruim. Eu posso te perguntar como foi esse momento perguntando "quando foi" ou "onde foi". Mas vou mudar e vou perguntar "com quem foi". É um desafio achar algo que não aceite resposta para essa pergunta. Existem bilhões de pessoas neste planeta e você cruza com um sem número delas todos os dias. De algumas você consegue apenas um olhar enviesado no ônibus. Dos seus colegas você tem um sorriso e um aperto de mão. De alguns você recebeu, ou atirou, um insulto por causa de alguma barberagem no trânsito.

Assim como existe uma infinidade de pessoas, existe também uma infinidade de maneiras de interagir com elas e uma infinidade de graus de interação. A nossa vida é uma sucessão de interações diversas, das mais superficiais às mais profundas, e com pessoas diferentes. Negar ou ignorar esse fato é não viver. É preciso estar de espírito aberto para fazer encontros e tentar extrair o máximo de cada um deles. Todos têm algo a oferecer: boa companhia, uma conversa interessante, contato físico. E da mesma forma todos precisam de algo. Você faz parte disso, você é um elemento desta rede de interações. O que você tem a oferecer e o que você está disposto a receber?


3) Uma vida bem vivida é uma vida plena de histórias

Desdobramento natural dessa conversa toda. Na vida uma palavra vale mais do que mil fotos. É preciso que vivamos de maneira que a imagem impressa na nossa alma, na nossa memória seja muito mais colorida que luz que impressionou o filme fotográfico, que atravessou o vidro sem vida da câmera. A câmera registra, mas não vivencia.

Essa sensação de plenitude é poder chegar no fim da vida e poder contar mil histórias para os nossos filhos ou nossos netos enquanto vemos o sol se pôr e as estrelas aparecerem no céu. E são as histórias que temos para contar as testemunhas da nossa vida, são elas que estarão sempre lá para dizer "eu não fui um mero expectador, eu não fui vivo, fui eu que vivi".

Histórias de riso, histórias de dor, histórias de superação, histórias de amor. São os únicos fragmentos de nós que restarão quando a carne se decompor e os ossos secarem. É através delas que as pessoas se lembrarão de nós.

Pelo que as pessoas lembrarão de você?


Muito bonito, mas dá para explicar a ressureição do blog?

Este blog contém uma parte muito significativa da minha existência. Um amontoado de histórias testemunhando eventos que definirão o que eu serei no futuro. Ele transcendeu a missão utilistarista que tinha no início e virou algo complexo. Um meio de comunicação. Uma válvula de escape. Um auto-retrato. Uma confissão. Não consigo mais classificá-lo.

Ultimamente muitas das pessoas que eu conheci se identificaram como antigos leitores do meu blog. Habituais, embora anônimos. Não deixavam registro de sua passagem por aqui e por isso não sabia que existiam. Fui descobrindo que este blog representou algo legal para eles. Para uns, a resposta para alguma dúvida prática sobre a vida de intercambista. Para outros, um momento de prazer, uma risada, um causo engraçado para ler enquanto vagabundeia pela internet. Para uns poucos, uma trajetória digna de nota e um modelo a ser seguido. Eu me senti tocado (isso tá meio aviadado) de saber que eu estive presente na vida de tanta gente de alguma maneira. Mais ainda de saber que para alguns eu fui considerado um exemplo. Isso traz ao mesmo tempo um quê de orgulho, de felicidade, mas também uma sensação de responsabilidade. E este blog foi o veículo de tudo isso. Ressuscitei-o hoje com a esperança de preencher um vazio interno. Agradeço a todos que mesmo sem saber me influenciaram a tomar esta decisão.

O blog talvez sofra uma repaginada. Ele provavelmente não vai ser a mesma coisa que era antes. A ordem cronológica, por exemplo, virou mingau. Posts filosóficos aparecerão aqui e acolá e espero que eles não sejam lá muito tediosos. Fico feliz em voltar a compartilhar com todos vocês este "pequeno trecho da minha jornada sobre este mundo". Mais histórias virão, paciência.

4 Responses to “Ressureição do blog”

a leitora ressuscitada. disse...

=D e fim.
(porque nada mais que eu disser será suficiente.)

Unknown disse...

Entendo tal silêncio,aprecio e pratico-o com tanto afinco que quem conhece-me já respeita o momento ou simplismente ingnora.
por isso e por outros,adorei conhecer o blog.

Cláudia Módolo disse...

Sou suspeita pra falar, mas adoro o seu jeito de escrever. Você consegue colocar palavras em sentimentos intangíveis com grande simplicidade.
Apenas uma ressalva: não gosto de ressurreição. Prefiro renascimento. É mais próximo de sua filosofia de vida.
Beijo da mana, Cláudia Módolo

Unknown disse...

Não tenho muito a escrever, tampouco sou leitora habitual. Te descobri hoje hoje foi onde vc fez sua marca. Tua escolha com palavras, tua mistura de humor com seriedade, tua maneira de ver (não olhar) - embora sejam palavras na internet e não esteja frente a frente, o contexto cuidou da imaginação.
Apenas pra saber que existo também...vai que um dia o encontro acontece.

Admiração,
Carolina

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